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Mulheres negras debatem avanços e desafios no combate ao racismo 20 anos após Durban

19 outubro 2021

Meninas e mulheres são atingidas pelo racismo, discriminação racial e xenofobia de maneira diferenciada. O reconhecimento deste ponto, presente no parágrafo 69 da Declaração de Durban, foi tema do sexto painel de discussão do evento “20 anos da Declaração de Durban: Desafios Contemporâneos”.

O debate "Para além dos 20 anos de Durban: avanços e desafios sob a perspectiva das mulheres" reuniu mulheres negras para discutir a implementação de ações em cumprimento aos compromissos assumidos em Durban, considerando as interseccionalidades entre raça e gênero.

A série de debates sobre racismo e discriminação racial promovida pela Defensoria Pública da União (DPU) e a ONU Brasil continua na semana que vem com o último evento "20 Anos de Durban: e agora?", em 26 de outubro.

Legenda: Para as participantes do evento, os últimos 20 anos trouxeram muitos avanços nas pautas antirracistas, mas desafios permanecem enormes
Foto: © Michelle Guimarães/Pexels

Meninas e mulheres são atingidas pelo racismo, discriminação racial e xenofobia de maneira diferenciada. O reconhecimento deste ponto, presente no parágrafo 69 da Declaração de Durban, foi tema do sexto painel de discussão do evento “20 anos da Declaração de Durban: Desafios Contemporâneos”, série de debates sobre racismo e discriminação racial promovida pela Defensoria Pública da União (DPU) e a ONU Brasil.

Os eventos marcam os 20 anos da  Declaração e Programa de Ação de Durban (DDPA) – Durban +20.  No dia 26 de outubro acontece o último painel da série, com exibição no canal do Youtube da Escola Nacional da Defensoria Pública da União.  

Intitulado "Para além dos 20 anos de Durban: avanços e desafios sob a perspectiva das mulheres", o debate da terça-feira (19) reuniu mulheres negras para discutir a implementação de ações em cumprimento aos compromissos assumidos em Durban, considerando as interseccionalidades entre raça e gênero. Participaram Valdecir Nascimento, secretária-executiva da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, Magali Naves, do Centro de Estudos Afro-Brasileiros, e Monica Oliveira, da Rede de Mulheres Negras do Nordeste. A discussão foi mediada pela assessora de Direitos Humanos do Escritório da ONU no Brasil, Angela Pires.

Inventar outra nação - Para Valdecir Nascimento, um dos avanços da Conferência na África do Sul há 20 anos foi o reconhecimento do Brasil como um Estado racista. "Conseguimos derrubar a ideia de democracia racial, apresentando para o mundo a verdadeira face do Brasil", contou, ao destacar que o país que tem mais de 50% de sua população descendente de africanos, mas a representação dos negros há 20 anos não ia "muito além dos jogadores de futebol e das chamadas mulatas".

A secretária-executiva da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras recordou que o evento internacional também gerou discussões internas, organizadas pelo movimento negro e, principalmente, pelas mulheres negras.

"Hoje o racismo está na ordem do dia do Brasil. O Brasil não pode mais se dizer não racista, as pessoas não podem mais se dizer não racistas, as instituições não podem mais se dizer não racistas, porque todo dia a gente acorda com uma denúncia", afirmou, ao lembrar de casos emblemáticos, como o assassinato de João Alberto Silveira Freitas por seguranças em uma loja do Carrefour em Porto Alegre.

Entre os avanços, ela destaca o estabelecimento de uma política de ações afirmativas no país após Durban, o crescimento da consciência da juventude, concentrado nas meninas e jovens negras, e o aumento de candidaturas de mulheres negras disputando o campo eleitoral e se elegendo em diferentes níveis de governo.

Legenda: Participaram Valdecir Nascimento, secretária-executiva da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, Magali Naves, do Centro de Estudos Afro-Brasileiros, e Monica Oliveira, da Rede de Mulheres Negras do Nordeste. A discussão foi mediada pela assessora de Direitos Humanos do Escritório da ONU no Brasil, Angela Pires.
Foto: © Reprodução YouTube DPU

No entanto, Valdecir ainda vê como desafios a necessidade de uma abordagem mais estrutural para o problema e o estabelecimento de novos diálogos. Para ela, o problema do Brasil é não querer debater a questão racial. "Os desafios são muitos, o desafio é de inventar uma outra nação", resume.

Ao comentar a fala, a mediadora do evento, Angela Pires, lembrou a agenda proposta pela alta-comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet. Em sua agenda para enfrentar o racismo, Bachelet considera que precisamos deixar de negar o racismo, para poder avançar realmente nas políticas para afrodescendentes. 

Avançando aos 'trancos e barrancos' - Magali Naves concorda que a mobilização interna e a capacitação de mulheres foi um dos grandes avanços de Durban, há 20 anos. "A Conferência de Durban no Brasil e na região foi de extrema importância", afirma, ao lembrar também da aliança entre movimentos sociais negros e indígenas da América Latina. "Durban foi um momento de explosão, de extrema organização da sociedade civil, principalmente das mulheres".

Para a representante do Centro de Estudos Afro-Brasileiros outro avanço foi o aumento da visilibilidade da questão do racismo e também dos negros na sociedade e do reconhecimento pela Conferência  de que a reparação deveria ser feita com ações políticas afirmativas direcionadas às populações afetadas, como defendiam os países latino-americanos.

"A questão avançou aos trancos e barrancos, mas a reação também passou a ser maior", destaca ainda, ao trazer os desafios presentes. Magali defende que mulheres negras passem a ocupar o fórum criado recentemente dentro da estrutura da ONU para os afrodescendentes como espaço para suas reivindicações e que retomem as capacitações com a juventude sobre o tema, como as feitas internamente no contexto de Durban.

Racismo é um sistema muito sofisticado - Encerrando o debate, Mônica Oliveira comentou as duas falas anteriores, reconhecendo os avanços dos últimos 20 anos, mas destacando os inúmeros desafios. "A gente sabe que o racismo como sistema se atualiza o tempo todo. O racismo é um sistema muito sofisticado. E as reações aos avanços são reações muito violentas", destacou.

Para a representante da Rede de Mulheres Negras do Nordeste, o Estado brasileiro não avançou o suficiente do ponto de vista de medidas estruturantes. "Ainda que o Estado brasileiro tenha reconhecido o racismo e criado alguma institucionalização a nível federal, medidas estruturadoras não foram criadas", disse ela.

Mônica destacou que os resultados deveriam ser medidos na vida cotidiana das pessoas, e eles ainda são poucos. Ela lembrou os desafios decorrentes da maior vulnerabilidade da população negra na pandemia como um exemplo, e destacou o agravamento da fome no país, que afeta principalmente mulheres negras e seus filhos, como um desafio concreto.

Para ela, o movimento de mulheres negras têm avançado em suas proposições, com propostas completas e bem embasadas. No entanto, essas propostas não têm encontrado espaço para avançar nas instâncias de poder do Estado brasileiros.

Sobre a Declaração - A Declaração e Programa de Ação de Durban (DDPA) são o plano da ONU com ações concretas para enfrentar o racismo sistêmico, xenofobia e intolerância, e é considerado um desenvolvimento fundamental em direitos humanos. É resultado da Conferência Mundial das Nações Unidas Contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e a Intolerância, realizada em 2001 na cidade sul-africana, que dá nome à declaração.

Com o tema “Reparações, justiça racial e igualdade para os afrodescendentes", o 20º aniversário de Durban acontece em um momento crucial de virada na luta global contra o racismo e a discriminação racial. Isto gera um novo ímpeto para revisar a eficiência das medidas anteriores, revisitar os desafios, retificar deficiências e se comprometer com medidas mais rápidas e eficazes contra o racismo e a discriminação racial.

Próximo painel no Canal do Youtube da Escola Nacional da Defensoria Pública da União, das 9h às 11h:

  • 26 de outubro - 20 Anos de Durban: e agora? 

Entidades da ONU envolvidas nesta atividade

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