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Especialistas pedem implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra

09 setembro 2020

  • Não deixar as mulheres negras para trás é um compromisso que exige mais esforço e empenho em tempos de pandemia de COVID-19. Para isso, é necessário cumprir os princípios de equidade e universalidade do Sistema Único de Saúde (SUS) e implementar a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.
  • Estes temas foram abordados na conversa virtual “Racismo e Saúde: atendimento da população negra, epidemias, COVID-19 e valorização do SUS”, terceira de uma série de quatro lives promovidas pelo Canal Preto e pela ONU Mulheres.

Não deixar as mulheres negras para trás é um compromisso que exige mais esforço e empenho em tempos de pandemia de COVID-19. Na área da saúde, entre os debates mais frequentes estão o cumprimento dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e a implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.

Estes temas foram abordados na conversa virtual “Racismo e Saúde: atendimento da população negra, epidemias, COVID-19 e valorização do SUS”, terceira das quatro lives “Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030 em tempos de crise e da pandemia COVID-19”, promovidas pelo Canal Preto e pela ONU Mulheres.

Com mediação de Ana Lúcia Pereira, integrante do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, o assunto foi abordado pela enfermeira, epidemiologista e pesquisadora Emanuelle Góes; pela médica de família e de comunidade Denize Ornelas, membra do Grupo de Trabalho de Saúde da População Negra da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade; e por Lúcia Xavier, assistente social, coordenadora da ONG Criola e membra Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030.

Especificidades das mulheres negras – Lúcia Xavier lembrou como o viver, o adoecer, o curar e o morrer das mulheres negras é condicionado pelo racismo e pelo sexismo. “Nós, mulheres negras, já estávamos em ação antes da pandemia, porque essa dimensão do racismo patriarcal traz para nós diferentes prejuízos.”

“Não sofremos só a discriminação. Somos o alvo preferencial das políticas de morte. Muitas vezes, essas políticas evidenciam diferentes grupos entre a população negra, mas as mulheres negras estão em quase todos esses grupos sofrendo o impacto das violências e da falta de direitos”, disse.

De acordo com Xavier, considerar a pluralidade entre as mulheres negras e a interseccionalidade das discriminações é decisivo para assegurar o direito à saúde. “A nossa força vital é reconhecer que somos diferentes entre nós e, ao mesmo tempo, possibilitar o reforço e a articulação de diferentes grupos para que possamos de fato enfrentar o racismo.”

A assistente social fez o histórico da Política Nacional de Saúde da População Negra, a qual “não requer a substituição de todas as ações no campo da saúde”. “Ao contrário, ela é o gatilho para a equidade em saúde, para a garantia da integralidade e para a dimensão da universalidade, entendendo que qualquer pessoa no Brasil tem direito à saúde e com qualidade.”

“Mas ela também é o gatilho para dizer que nós, população negra, não podemos ser tratadas como sub humanas, inferiores nesse processo. Ao contrário, somos nós que vamos alargar as fronteiras da ciência, do direito e da democracia. A saúde é um espaço especial para isso.”

Lúcia Xavier recuperou a contribuição das mulheres negras para o SUS e os debates sobre o enfrentamento do racismo na saúde pública. “Mesmo sendo uma das políticas mais democráticas que esse país já teve, ele também é utilizado como um instrumento de morte para a população negra. É ali também que o racismo opera nos colocando em um lugar que deveríamos estar como sub humanos.”

Segundo ela, as especificidades das mulheres negras no SUS e o exercício do controle social são decisivos para o monitoramento dos atendimentos. “É nesta frente que nós, mulheres negras, sabemos o sentido do racismo patriarcal. É dali que a gente diz que não é o fato de sermos mulheres que produz em nós tantas de violências, mas o fato de sermos negras, porque ali tem o controle da nossa sexualidade, da nossa reprodução, do nosso direito à vida.”

A especialista ressaltou a contribuição política da Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver, que completará cinco anos em novembro.

Cuidados com as famílias e as comunidades – A médica Denize Ornelas lembrou como a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade se posicionou desde o início da pandemia.

“O processo de discussão dentro da Sociedade sobre a pandemia, dos processos e dos impactos que aconteceriam, começou em fevereiro por conta do lançamento do plano de contingência do governo federal.”

Segundo ela, em nenhum momento autoridades de Ministério da Saúde, governos estaduais e municipais lembraram que as desigualdades poderiam ser aprofundadas a partir das medidas de contingenciamento propostas, feitas com base nas experiências de China e Europa.

De acordo com a médica, houve uma reprodução de uma lógica de distanciamento social, isolamento, quarentena que não olhava para as condições reais da população brasileira. Tampouco teriam considerado determinantes genéticos ou aqueles relacionados às condições de saúde pré-existentes, como maior índice de diabetes, hipertensão, doença arterial crônica, renal crônica nas pessoas negras.

Entre as iniciativas da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, fizeram parte o diálogo com comunidades, movimentos sociais e mobilização de jovens nas redes sociais, que criaram a hashtag #Covid19NasFavelas.

A rede de diálogo e mobilização é também integrada por rádios comunitárias, igrejas, terreiros e centros espíritas que, conforme a médica, “fazem autocuidado em situações invisibilizadas”. “A gente sabe que todas as questões de violência e auto-agressão são imputadas a nós como forma de reagir a todo o ódio e violência contra a população negra”, disse.

Alerta ao pré-natal – Para a médica Denize Ornelas, é preciso atualizar o discurso sobre a pandemia para além das mensagens sobre uso de máscaras e distanciamento social, pois há necessidade de chamar a atenção para outros cuidados de saúde.

“A gente tem visto um fenômeno, que agora se evidencia por números, de afastamento de mulheres do pré-natal, de afastamento de cuidado dessas mulheres”, lembrou.

A pandemia, conforme a médica, “se soma à maior mortalidade dos homens negros que se soma ao problema histórico de solidão da mulher negra no país e maior aumento de órfãos, crianças com situação de sem pai ou mãe, o que sobrecarrega cuidado dedicados por avós, que, às vezes, são mulheres muito jovens e já cuidam de duas ou três crianças”, frisou.

SUS sem Racismo – A enfermeira e epidemiologista Emanuelle Góes resgatou o empenho da sociedade civil e das comunidades periféricas para organizar a resposta de autoproteção no início da pandemia.

“A gente agiu nas comunidades, quando a gente percebeu que o Estado não iria chegar. Agimos na garantia da água, do álcool em gel. A própria comunidade se engajou. Pensar no SUS é pensar com a gente, inclusive”, pontuou.

Góes salientou que as desigualdades pré-existentes se aprofundaram. “Em outras situações de crises sanitárias, crises econômicas e guerra, esse cenário se assemelha ao que vemos no mundo: a situação das populações mais vulneráveis, no sentido de ausência de Estado e violação de direitos, piora.”

Um dos pontos de atenção da enfermeira é a oferta de serviços de aborto legal. De acordo com Emanuelle Goóes “diante do que se chama tirania da urgência para resolver a questão da pandemia do novo coronavírus, a primeira coisa que pensaram foi fechar os serviços de aborto legal”.

“A redução dos insumos para métodos contraceptivos, que são, em grande parte, produzidos na Índica, na China, lugares onde é prioridade pensar em insumos para a COVID-19, vai impactar os direitos reprodutivos das mulheres. As mulheres negras precisam do serviço público e são as mulheres negras que, em grande parte, precisam de oferta do Estado para garantir aquele direito reprodutivo.”

A pesquisadora frisou que mulheres gestantes não foram incluídas nos grupos prioritários, e isso pode ter tido efeito nos casos de morte materna. Segundo números de meados de julho, divulgados pelo Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe), cerca de 200 mulheres morreram nos últimos meses na gestação ou no pós-parto depois de serem diagnosticadas com COVID-19, e pelo menos 1.860 casos da doença foram notificados nesse grupo de mulheres.

Emanuelle Goés ressaltou que a “discussão racial precisa estar no centro da discussão do SUS, porque são 56% de autodeclarados negras e negros” na população. Ela defendeu colocar a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no centro da implementação das políticas do SUS de integralidade, equidade e universalidade.

Vozes das mulheres negras – As lives “Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030” em tempos de crise e da pandemia COVID-19” fazem parte da estratégia de comunicação e advocacy da ONU Mulheres e do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, composto por entidades organizadoras da Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver, que completa cinco anos em novembro.

As lives foram desenvolvidas por meio da parceria com o Canal Preto, uma iniciativa do Ministério Público do Trabalho, Organização Internacional do Trabalho, ONU Mulheres e Cáritas Brasileira.

No diálogo com a ONU Mulheres, o movimento de mulheres negras tem colaborado para fazer avançar a mobilização em torno da incorporação de gênero e raça em agendas internacionais dos Estados-membros da ONU.

Entre elas, estão a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, composta por 17 objetivos globais e o princípio de não deixar ninguém para trás. Outra agenda importante é a Década Internacional de Afrodescendentes, criada pelos Estados-membros da ONU e com prazo de execução até 2024.

ONU Mulheres

Assessoria de Comunicação

ONU Mulheres

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Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e Empoderamento da Mulher

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