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Diagnóstico avalia situação das crianças afastadas do convívio familiar no Brasil

25 agosto 2021

  • Existem hoje 8.633 crianças de 0 a 6 anos afastadas do convívio familiar no Brasil por terem sido submetidas a maus tratos, violência doméstica, abandono ou negligência. O número representa 30% do total de crianças e adolescentes vivendo sob algum tipo de medida protetiva no país.
  • A maior parte delas vive em abrigos (93%), enquanto apenas 7% foram acolhidas temporariamente por famílias voluntárias.
  • Os dados são de um diagnóstico realizado pelo Ministério da Cidadania, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Fundação Bernard van Leer.
  • O objetivo do levantamento é ajudar o Programa Criança Feliz, implementado pelo Ministério da Cidadania, a ampliar o atendimento a essas crianças.
Legenda: Segundo o PNUD, o apoio ao Programa Criança Feliz é uma oportunidade de olhar para a primeira infância como um tema prioritário e indispensável para o alcance do desenvolvimento humano
Foto: © Agência Brasília

O Ministério da Cidadania, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Fundação Bernard van Leer apresentam, durante o Seminário Nacional da Primeira Infância, que vai até quinta-feira (26), um diagnóstico sobre a situação das crianças afastadas do convívio familiar no Brasil por terem sido submetidas a maus tratos, violência doméstica, abandono ou negligência.

O objetivo do levantamento é ajudar o Programa Criança Feliz (PCF), implementado pelo Ministério da Cidadania, a ampliar o atendimento de crianças que vivem em abrigos ou estão temporariamente acolhidas por famílias voluntárias.

Realizado por meio de visitas domiciliares em todo o país, o Criança Feliz é voltado ao desenvolvimento de crianças 0 a 6 anos em situação de pobreza, principalmente aquelas que vivem com suas famílias. A intenção agora é ampliar a atuação com crianças que estão sob algum tipo de medida protetiva.

O diagnóstico, elaborado pelo PNUD, no escopo de projeto com a Fundação Bernard van Leer e sob supervisão das secretarias especiais de Atenção à Primeira Infância, de Desenvolvimento Social e de Assistência Social do Ministério da Cidadania, mostrou que existem hoje 8.633 crianças de 0 a 6 anos afastadas do convívio familiar no Brasil, o que representa 30% do total de crianças e adolescentes vivendo sob algum tipo de medida protetiva no país.

O estudo indicou que a maior parte das crianças pequenas afastadas do convívio familiar está vivendo em abrigos (93%), enquanto apenas 7% foram acolhidas temporariamente por famílias voluntárias. Os principais motivos para a aplicação das medidas protetivas são negligência, abuso de álcool e outras drogas ou abandono por parte de pais e responsáveis.

“A principal causa do afastamento da criança do convívio familiar ainda é a negligência, muitas vezes ligada a um histórico de pobreza, dificuldade de as famílias proverem às crianças”, explica a assessora técnica em gestão e formação do PNUD, Daniela Teixeira Santos, que elaborou o documento.

“A família tem uma criança pequena e, às vezes, a deixa sob os cuidados de um irmão, que também é criança, para ir ao trabalho. Isso pode ser visto como negligência. Na maior parte dos casos, é uma impossibilidade de acesso a políticas públicas”, salienta Santos. O levantamento indicou que quase 80% do total de crianças de 0 a 6 anos afastadas do convívio familiar viviam na pobreza (40%) ou na extrema pobreza (36%).

Estudos internacionais apontam a relevância dos cuidados singularizados no cotidiano de bebês e crianças de 0 a 6 anos para que cresçam e se desenvolvam de forma saudável e segura. A neurociência mostra que afeto e estímulos nesse período da vida são essenciais para as sinapses cerebrais, contribuindo para o desenvolvimento afetivo, físico e cognitivo. Dessa forma, maus tratos ou negligências podem comprometer severamente o desenvolvimento infantil.

“É relevante, portanto, analisar as causas de afastamento do convívio familiar e comunitário e como funcionam os serviços de apoio às crianças e suas famílias, para que possamos construir uma metodologia de atendimento do Programa Criança Feliz para esse público”, diz Santos.

O estudo contribuirá para a construção de um plano de trabalho que levará em conta a metodologia do Programa Criança Feliz, a extensão territorial do país e sua diversidade sociocultural. A metodologia será aplicada, inicialmente, em cinco municípios de Minas Gerais, Amazonas, Pará, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, de forma experimental.

Os resultados do estudo serão apresentados no painel “O Direito a Convivência Familiar e Comunitária na Primeira Infância”, que será realizado no dai 25 de agosto, durante o Seminário Nacional da Primeira Infância. O documento final será oficialmente lançado na quinta-feira (26).

Ampliação do serviço de acolhimento familiar - Por décadas, a institucionalização em abrigos foi considerada a única política pública de atenção à infância no Brasil. Isso começou a mudar a partir de 1990, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prioriza a preservação dos vínculos familiares e, caso isso não seja possível, a integração da criança a famílias substitutas.

“A partir do ECA, muda-se a percepção sobre os abrigos, que passam a ser encarados como um serviço temporário e excepcional, orientando o trabalho com as famílias de origem para que as crianças retornem caso seja possível e, caso contrário, sejam acolhidas por famílias substitutas”, afirma Daniela Santos.

A política nacional de apoio às crianças que vivem sob medidas protetivas teve avanços também com o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária (2006), que trouxe orientações técnicas para os serviços de acolhimento, explica a representante da Fundação Bernard van Leer no Brasil, Claudia Vidigal.

Ainda assim, até hoje, a maior parte das crianças afastadas do convívio familiar vive em abrigos, majoritariamente geridos por municípios, que enfrentam dificuldades para implementar os serviços de acolhimento familiar, nos quais famílias voluntárias se candidatam para receber as crianças temporariamente, antes de uma decisão judicial sobre seu destino.

O estudo do PNUD, da Fundação e do governo federal citou pesquisas internacionais segundo as quais o desenvolvimento de crianças pequenas é prejudicado com a institucionalização em abrigos, uma vez que elas não recebem atenção exclusiva. Dessa forma, o acolhimento familiar é o mais indicado para proteger crianças de 0 a 6 anos afastadas do convívio familiar.

“Houve avanços, pois saímos do modelo de instituições grandes para instituições menores. Saímos de um processo em que víamos muitos abrigos e serviços de acolhimento geridos por trabalho voluntário e hoje todos são profissionalizados, com coordenação, equipe técnica formada por psicólogos e assistentes sociais”, assinala Claudia Vidigal.

“O período de acolhimento também diminuiu. Muitas crianças que eram acolhidas por anos passaram a cumprir o prazo de 1 ano e meio. Nesse tempo, o Judiciário precisa tomar uma decisão sobre seu destino, e grande parte retorna para suas famílias. O acolhimento vem se tornando o que deve ser: excepcional, temporário e provisório”, explica.

Na opinião da especialista, é necessário agora avançar no sentido de ampliar o serviço de acolhimento familiar. “Já temos toda a normativa legal, a regulamentação desses serviços, que têm um custo similar ao institucional, mas que traz benefícios comprovados para as crianças, especialmente as menores".

Segundo Vidigal, os principais entraves para a ampliação do serviço incluem a falta de conhecimento sobre essa política pública, tanto por parte da população em geral, como por parte do Sistema de Justiça. “Há entraves também no Executivo municipal, que muitas vezes não sabe como implementar esse serviço”, afirma.

“Consideramos o apoio do PNUD ao Programa Criança Feliz como uma oportunidade de olhar para a primeira infância como um tema prioritário e indispensável para o alcance do desenvolvimento humano, buscando trazer aquelas crianças em situação de vulnerabilidade para o centro das ações”, declara a oficial de programa do PNUD Maria Teresa Amaral Fontes.

Sobre o Programa Criança Feliz - Criado em 2016, o Programa Criança Feliz é o maior programa de visitação domiciliar do mundo voltado à primeira infância, sendo referência internacional na promoção de políticas públicas para o desenvolvimento infantil.

O programa está presente em 2.902 municípios brasileiros de todas as Unidades da Federação. Mais de 1,3 milhão de pessoas já foram atendidas desde o início da iniciativa, sendo 1,09 milhão de crianças e 263 mil gestantes, em mais de 48 milhões de visitas.

Sobre a Fundação Bernard van Leer - A Fundação Bernard van Leer é uma entidade privada voltada para desenvolver e compartilhar o conhecimento de experiências que funcionam no desenvolvimento da primeira infância. Fornece apoio financeiro e conhecimento para parceiros de governos, sociedade civil e setor privado de forma a ajudar no teste e na ampliação de serviços que efetivamente melhorem a vida de crianças pequenas e suas famílias.

O PNUD Brasil e a Fundação Bernard van Leer firmaram parceria em 2017 com o objetivo de promover ações e atividades que contribuam para o desenvolvimento do Programa Criança Feliz e das políticas públicas voltadas à primeira infância.

Entidades da ONU envolvidas nesta atividade

PNUD
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Objetivos que apoiamos através desta iniciativa