ARTIGO: Um modelo global para combater a violência contra as mulheres
25 junho 2021
- O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, escreveu um artigo sobre a violência de gênero frente à pandemia de COVID-19. A mensagem surge com um apelo aos líderes mundiais que irão se reunir virtualmente no Fórum Geração Igualdade, em Paris, para discutir a questão.
- "Neste encontro, irei desafiar Estados, empresas e indivíduos a se associarem a uma iniciativa global (...) para acabar com o medo e a insegurança que ameaçam a saúde, os direitos, a dignidade e a vida de tantas mulheres e meninas", escreve o chefe da ONU.
- Guterres aborda o aumento preocupante dos casos de violência contra mulheres e meninas durante a pandemia, previsto pelas Nações Unidas e confirmado por estatísticas globais recentes.
- Em doze países acompanhados pelas Nações Unidas, o número de denúncias às instituições de casos de violência contra mulheres e meninas aumentou 83% entre 2019 e 2020. Os casos reportados à polícia subiram 64%.
- Leia abaixo o artigo completo do secretário-geral da ONU.
Enquanto o mundo luta de forma desigual contra os efeitos da COVID-19, uma pandemia paralela e igualmente terrível ameaça metade da população mundial. Nos primeiros meses da crise sanitária, as Nações Unidas estimavam que as quarentenas e os confinamentos poderiam levar a 15 milhões de casos adicionais de violência de gênero a cada três meses. Infelizmente, estas previsões pareceram se confirmar.
Esta semana, líderes mundiais e outros atores irão se reunir virtualmente no Fórum da Geração Igualdade, em Paris, para impulsionar de forma massiva a igualdade de gênero. Neste encontro, irei desafiar Estados, empresas e indivíduos a se associarem a uma iniciativa global, com resultados comprovados, para acabar com o medo e a insegurança que ameaçam a saúde, os direitos, a dignidade e a vida de tantas mulheres e meninas.
Da violência doméstica à exploração sexual, ao tráfico, ao casamento infantil, à mutilação genital feminina e ao assédio online, a misoginia violenta disseminou-se camuflada pela pandemia.
Será necessário algum tempo para a coleta e a avaliação de todos os dados sobre o tema, mas a tendência é evidente. Em doze países acompanhados pelas Nações Unidas, o número de denúncias às instituições de casos de violência contra mulheres e meninas aumentou 83% entre 2019 e 2020. Os casos reportados à polícia subiram 64%.
Nos primeiros meses da pandemia, as chamadas para as linhas de apoio aumentaram em média 60% em toda a União Europeia. Os pedidos de ajuda na linha direta de violência sexual do Peru quase duplicaram em 2020, em comparação com 2019. Na Tailândia, o número de pessoas que visitaram unidades de crise de violência doméstica em hospitais, em abril de 2020, mais do que duplicou em relação ao mesmo período do ano anterior.
Estatísticas e histórias como essas se espalham pelo mundo, acrescidas à epidemia de violência contra mulheres e meninas. Antes da pandemia, a Organização Mundial da Saúde estimava que uma em cada três mulheres foi vítima de violência masculina durante a vida.
Há pouco mais de um ano, fiz soar o alarme. Pedi um cessar-fogo mundial, apelei à paz nos lares — o fim de toda violência em todos os lugares, das zonas de guerra às casas das pessoas — para nos permitir enfrentar a pandemia, o inimigo comum da humanidade, com solidariedade e unidade.
Mais de 140 países manifestaram o seu apoio. Cerca de 800 medidas foram adotadas em 149 países, a maioria focadas em abrigo, assistência jurídica e outros serviços de ajuda.
No entanto, em muitos casos essas ações foram limitadas e de curta duração. Pior, outros países estão começando a recuar, a retirar proteções legais. Não se posicionam enquanto a violência é usada para atingir as mulheres, incluindo ativistas dos direitos humanos que protestam contra estes recuos.
A perseverança da violência contra mulheres e meninas levou à aquiescência de que é de alguma forma inevitável ou impossível de acabar. Esta visão é tão ultrajante e autodestrutiva como totalmente equivocada. Apesar dos desafios do ano passado, as Nações Unidas, com financiamento significativo e em parceria com a União Europeia, demonstraram que a mudança é possível.
Ao longo de 2020, a Iniciativa Spotlight para eliminar a violência contra mulheres e meninas apresentou resultados notáveis em 25 países. Foram adotadas ou reforçadas oitenta e quatro leis e políticas para proteger mulheres e meninas. A acusação de perpetradores aumentou 22%. Cerca de 650 mil mulheres e meninas receberam apoio, apesar dos confinamentos e das restrições de mobilidade. Cerca de 900 mil homens e meninos — incluindo líderes tradicionais, chefes de instituições religiosas, motoristas de táxi e jovens jogadores — comprometeram-se a se tornar aliados na busca de soluções. E, nesses países, as dotações orçamentais nacionais para a prevenção e a resposta à violência contra mulheres e meninas aumentaram em 32%, um indicador claro de sustentabilidade futura.
Ao reunirmo-nos, em Paris, em torno de um modelo que funciona, podemos começar a garantir que a próxima geração de jovens mulheres não viva com medo simplesmente porque não agimos. Com o tempo, aprenderemos várias lições sobre o que o mundo fez de bem e de mal ao lidar com esta pandemia. E uma das primeiras deve ser garantir que esta vergonhosa pandemia oculta, que atinge metade de nossa população, termine agora.
* António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas