Dia Internacional dos Direitos Humanos: O custo intolerável da desigualdade
Mensagem da chefe do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, no Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Os últimos dois anos demonstraram, de maneira dolorosa, o custo intolerável do aumento das desigualdades. Desigualdades que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral da ONU 73 anos atrás, em 10 de dezembro de 1948, procurou erradicar em um esforço para abrir um caminho para um mundo melhor.
As décadas seguintes testemunharam algum progresso muito significativo - progresso gradual e desigual, com retrocessos frequentes, mas mesmo assim um progresso definitivo. O mundo como um todo ficou mais rico e as pessoas viveram mais. Mais crianças foram para a escola e mais mulheres puderam ganhar maior grau de autonomia. Mais pessoas em mais países tiveram mais oportunidades de quebrar as algemas da pobreza, classe, casta e gênero.
No entanto, nos últimos vinte anos, desde 2001, uma sucessão de choques globais minou esse progresso. E o início desta pandemia devastadora em 2020 revelou muitas de nossas falhas em consolidar os avanços que havíamos feito.
As desigualdades alimentaram a pandemia e continuam a fazê-lo. Por sua vez, a pandemia alimentou um aumento assustador das desigualdades, levando a taxas desproporcionais de transmissão e mortalidade nas comunidades mais marginalizadas, além de contribuir para o aumento dos níveis de pobreza, aumento da fome e queda dos padrões de vida. Isso, em consequência, corre o risco de alimentar queixas, inquietação social e até mesmo conflito em grande escala.
Mulheres, trabalhadores de baixa renda e informais, jovens e idosos, portadores de deficiência, bem como membros de minorias étnicas, raciais e religiosas e povos indígenas estão entre os mais atingidos, criando ainda maiores desigualdades de idade, gênero e raça.
As desigualdades aumentaram dentro e entre os países, com previsão de crescimento da maioria das economias desenvolvidas em 2022, enquanto os países de renda mais baixa devem enfrentar recessão contínua, empurrando sua população ainda mais para trás.
Essa divergência foi agravada pela cobertura vacinal chocantemente desigual - em 1º de dezembro, apenas 8% dos adultos haviam recebido uma dose da vacina em famílias de baixa renda, em comparação com 65% em países de alta renda - e por deficiências na proteção social, que no mundo desenvolvido manteve muitas pessoas financeiramente capazes de sobreviver durante os piores meses da crise. Na Europa, por exemplo, de acordo com o FMI, pelo menos 54 milhões de empregos foram mantidos entre março e outubro de 2020, evitando que pessoas e empresas afundassem. Essa assistência estava menos disponível em outras regiões.
A crise ambiental está exacerbando ainda mais a discriminação, a marginalização e a desigualdade. Um total de 389 desastres relacionados ao clima foram registrados em 2020 - resultando na morte de mais de 15 mil pessoas, afetando 98 milhões de outras, e infligindo 171 bilhões de dólares em danos econômicos. A migração relacionada ao clima também está aumentando. Ações para enfrentar essas crises não são suficientes para evitar essas consequências devastadoras para os direitos humanos, com as comunidades afetadas frequentemente excluídas dos processos de tomada de decisões ambientais onde sua contribuição é essencial.
A crescente crise da dívida também está pesando sobre muitos países. Globalmente, mais da metade dos países menos desenvolvidos e de baixa renda estão agora ou sob alto risco de sobre-endividamento. Na África Oriental e Austral, os custos do serviço da dívida aumentaram, em média, de 60% do PIB em 2018 para quase 70% do PIB em 2021. Isto se deve em parte à atividade econômica em forte retração e à queda dos preços das commodities. A necessidade de pagar os empréstimos já levou a medidas de austeridade fiscal que limitarão o espaço fiscal para investimentos essenciais em direitos e recuperação sustentável.
Os orçamentos de austeridade geralmente atingem os esforços de saúde, educação, investimento em infraestrutura e redução da pobreza. Eles impactam desproporcionalmente as pessoas em situações vulneráveis - aumentando as desigualdades que já eram gritantes.
Este é um período crítico nos assuntos mundiais. A humanidade está sofrendo com os reveses provocados pela COVID-19 e lutando para fazer as mudanças radicais necessárias para prevenir futuros desastres ambientais.
No entanto, as medidas necessárias para prevenir mudanças climáticas catastróficas são bem conhecidas. E, mesmo em ambientes com poucos recursos, temos o conhecimento e os meios para estabelecer medidas de proteção social universal e tomar as ações necessárias para acabar com a discriminação, promover o estado de direito e defender os direitos humanos.
A Agenda Comum definida pelo secretário-geral da ONU em setembro de 2021 apela a uma solidariedade renovada entre os povos e as gerações futuras; um novo contrato social ancorado nos direitos humanos; melhor gestão de questões críticas envolvendo paz, desenvolvimento, saúde e nosso planeta; e um multilateralismo revitalizado que pode enfrentar os desafios de nossos tempos.
Esta é uma agenda de ação - e uma agenda de direitos.
Significa passar das medidas pandêmicas temporárias para fortalecer os cuidados de saúde e proteção de renda para investimentos de longo prazo em proteções sociais universais - incluindo cobertura universal de saúde - bem como moradia decente, trabalho decente e acesso à educação de qualidade. Também significa investimento para eliminar a exclusão digital.
Significa uma ação decisiva para defender a justiça climática e o direito humano universal a um meio ambiente saudável.
Significa capacitar as pessoas em todos os lugares para falarem livremente e proteger o espaço cívico para que os indivíduos possam participar de forma significativa nas decisões que podem ter um impacto dramático em suas vidas.
A igualdade está na essência dos direitos humanos e no cerne das soluções necessárias para nos conduzir neste período de crise global. Isso não significa que todos devemos ter a mesma aparência, pensar da mesma forma ou agir da mesma forma.
Muito pelo contrário.
Significa que abraçamos a nossa diversidade e exigimos que todos sejamos tratados sem qualquer tipo de discriminação.
Igualdade tem a ver com empatia e solidariedade e com a compreensão de que, enquanto humanidade comum, nosso único caminho é trabalharmos juntos para o bem comum. Isso foi bem compreendido durante os anos de reconstrução após a Segunda Guerra Mundial - os anos que viram o desenvolvimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a subsequente elaboração do sistema abrangente do direito internacional dos direitos humanos. No entanto, nosso fracasso em reconstruir melhor após a crise financeira de uma década atrás, juntamente com a turbulência social e econômica causada pela COVID-19 e os impactos cada vez mais acelerados das mudanças climáticas, sugere que esquecemos os remédios claros e comprovados enraizados nos direitos humanos e a importância de combater as desigualdades.
Neste Dia dos Direitos Humanos, convido todos a unirem esforços para melhorar a igualdade para todos em todos os lugares, para que possamos nos recuperar melhor, mais justos e verdes desta crise e reconstruir sociedades que são mais resilientes e sustentáveis.