Educação e segurança alimentar no centro dos direitos humanos
16 dezembro 2021
Especialistas e lideranças de coletivos sociais debateram os impactos da interrupção das aulas para crianças, adolescentes e jovens, e falaram sobre a relação entre educação e segurança alimentar. O debate foi promovido pela ONU Brasil em parceria com a organização Voz Das Comunidades para marcar o Dia Internacional dos Direitos Humanos, e pode ser assistido aqui.
No segundo semestre da pandemia de COVID-19, mais de 1,5 bilhão de crianças e jovens tiveram o acesso à educação prejudicado. No Brasil, 244 mil crianças de 6 a 14 anos estão fora da escola devido às interrupções.
Os dados sobre a fome também são preocupantes, uma vez que mais da metade da população brasileira vive em situação de insegurança alimentar, e 19 milhões de pessoas estão passando fome.
Para falar sobre estes desafios, participaram das discussões o representante regional do Escritório de Direitos Humanos da ONU (ACNUDH), Jan Jarab, o coordenador da UNESCO, Fábio Eon, e o diretor do Centro de Excelência contra a Fome do WFP no Brasil, Daniel Balaban.
"A pandemia de COVID-19 deixou sequelas que só agora estamos começando a compreender", disse René Silva, ativista da organização Voz Das Comunidades, na abertura do evento "Vamos falar de direitos humanos: O que é igualdade pra você?", promovido pela ONU Brasil na manhã da quinta-feira (16). Com tradução em libras e audiodescrição, o debate reuniu especialistas para discutir respostas possíveis diante dos desafios da educação e segurança alimentar, direitos básicos ameaçados pela crise.
O evento foi realizado virtualmente e está disponível no canal do YouTube do coletivo Voz das Comunidades, assim como no Facebook e Twitter. Também está disponível no canal da ONU Brasil nas versões sem audiodescrição e com audiodescrição.
Há 73 anos, em 1948, a Assembleia Geral adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O evento da ONU Brasil foi promovido no contexto de celebração deste fato histórico, comemorado todos os anos em 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos. Entre os pilares do documento estão os princípios de igualdade e não discriminação, centrais para a Agenda 2030.
Para falar sobre os compromissos assumidos pelas Nações Unidas com a promoção e defesa dos direitos humanos, o representante na América do Sul do Escritório de Direitos Humanos da ONU (ACNUDH), Jan Jarab, lembrou que as comunidades mais vulnerabilizadas têm que estar no centro do debate. Elas são migrantes, mulheres, pessoas defensoras dos direitos humanos, pessoas com deficiência, povos indígenas, membros da comunidade LGBTQIA +, entre outros.
"Com a pandemia de COVID-19, os desafios na garantia do direito à saúde para todas as pessoas se mostrou mais imperativo do que nunca. Essa crise global não foi apenas sanitária ou econômica. Foi, na essência, uma crise dos direitos humanos."
— Jan Jarab, representante regional do Escritório de Direitos Humanos da ONU (ACNUDH).
Educação - A gerente de comunicação do Escritório da Coordenadora Residente (RCO), Isadora Ferreira, que participou como mediadora, lembrou que a pandemia interrompeu a educação de 70% dos jovens globalmente, de acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). "No Brasil, 244 mil crianças de 6 a 14 anos estão fora da escola devido às interrupções. Sabemos que os desafios são muito maiores para os estudantes de famílias pobres, afrodescendentes ou que habitam em áreas rurais", disse.
Para falar sobre os impactos no acesso à educação, Fábio Eon, coordenador na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), chamou atenção para a extensão dos prejuízos: "No segundo semestre da pandemia, em 2020, testemunhamos em todo mundo mais de 1,5 bilhão de crianças e jovens que tiveram o acesso à educação prejudicado. Nos Estados-membros da ONU, as escolas permaneceram fechadas por pelo menos 8 meses, em média."
Sobre o cenário brasileiro, o coordenador da UNESCO pontuou que a educação remota foi prejudicada ou impossibilitada para a maior parte das crianças pela falta de internet adequada em casa, equipamentos para acompanhar as aulas e, até, por não contarem com tratamento de água e saneamento seguros, expondo as famílias a maiores riscos de contaminação ao coronavírus.
"Cerca de 10 milhões de brasileiros perderam o emprego na pandemia. O quadro foi mais acentuado nas favelas, onde vivem 6% da população e onde pelo menos 70% das famílias tiveram a renda reduzida pela metade."
— Fábio Eon, coordenador de Ciências Humanas e Sociais e Ciências Naturais na UNESCO.
Fábio Eon descreveu um cenário marcado pelo aumento da evasão escolar, perdas significativas na aprendizagem, empecilhos para a socialização das crianças e por interrupção da alimentação oferecida pelas escolas. Os prejuízos — disse Eon — são incalculáveis, e serão sentidos durante as próximas décadas.
As principais recomendações da UNESCO para um retorno seguro às escolas incluem a vacinação de grupos prioritários; reavaliação do currículo para incluir novas habilidades e competências, como alfabetização mediática e digital. As mudanças também passam por investir em escolas com arquiteturas adaptadas e no acompanhamento para a readaptação de crianças e jovens, com atenção aos níveis diferenciados de aprendizagem.
Insegurança alimentar - René Silva introduziu no debate um dos mais antigos e persistentes desafios enfrentados pelo Brasil: a fome. O ativista lembrou que a pandemia nos atingiu em um momento no qual a insegurança alimentar já vinha aumentando, lançando o Brasil de volta ao mapa da fome.
"Observamos mais da metade da população brasileira em situação de insegurança alimentar, condição que impede o acesso à alimentação saudável", disse René, citando o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), de acordo com o qual 19 milhões de pessoas estão passando fome no país.
Para falar sobre a relação entre educação e segurança alimentar, René Silva convidou o diretor do Centro de Excelência contra a Fome do Programa Mundial de Alimentos (WFP) no Brasil, Daniel Balaban, que contribuiu com uma perspectiva oficial sobre os fatores que têm impactado a dieta dos brasileiros.
Balaban falou sobre o impacto do fechamento das escolas na segurança alimentar e nutricional das crianças e jovens brasileiros, uma vez que o trabalho realizado pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) representava, para muitas famílias, a principal refeição oferecida.
"Hoje no mundo temos 811 milhões de pessoas que não têm o que comer neste momento, isso equivale a quatro vezes a população do Brasil. O WFP alimenta 100 milhões diariamente, mas não é suficiente", disse.
"O caso brasileiro é particularmente preocupante. Estamos em um país rico, uma potência agrícola e exportadora, mas assombrada pelo flagelo da fome devido à falta de vontade política."
— Daniel Balaban, diretor do Centro de Excelência contra a Fome do WFP no Brasil.
Resistência - Falando da Favela de Acari, no Rio de Janeiro, a ONU Brasil passou a palavra para Buba Aguiar, do coletivo Fala Akari. O grupo dissemina ações culturais e educacionais na comunidade, além de denunciar todas as formas de opressões cometidas pelo Estado no território.
"Penso que a igualdade pode ser alcançada a partir de três movimentos: pensar, refletir e compreender as diferenças. Em um país desigual, essas diferenças de classe, gênero, raça e condições de habitação são imperativas para determinar destinos individuais", refletiu a militante, quando foi questionada a respeito da igualdade enquanto propósito norteador de uma agenda comum.
Na perspectiva de Buba, a pandemia aprofundou ainda mais esses abismos, e mostrou que não é possível pensar em igualdade competitiva diante de estruturas que aprisionam as pessoas e garantem a "perpetuação do seu empobrecimento".
O encerramento ficou por conta de Ignacio Ybáñez, Embaixador da União Europeia no Brasil, que reiterou os compromissos de defender os direitos humanos no Brasil e promover a recuperação pós-pandemia.