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ARTIGO: O papel dos bancos na gestão dos riscos financeiros relacionados à natureza

22 abril 2022

Em artigo no jornal Folha de S. Paulo, o economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial, Pablo Acosta, afirma que gerir melhor os riscos financeiros relacionados à natureza contribuiria não apenas para a segurança e solidez de bancos individuais e do sistema financeiro como um todo, mas também ajudaria a diminuir o fluxo de capital para as atividades econômicas que prejudicam a natureza, reduzindo, assim, a necessidade de financiamento para conservação e recuperação da biodiversidade e os serviços ecossistêmicos.

Foto: © Curt Carnemark/Banco Mundial

A exposição dos bancos brasileiros a riscos relacionados à perda da biodiversidade é importante e precisa ser gerenciada.

Assim como outros países, o Brasil está sendo ameaçado pelo desmatamento, pelas mudanças climáticas e pela perda da biodiversidade. Esta última é uma das maiores ameaças à humanidade.

Considerando que as economias estão ‘embutidas’ na natureza, a perda de serviços ecossistêmicos, tais como fertilidade do solo, proteção contra inundações, e controle da erosão podem causar grandes perdas e interrupções nas atividades econômicas.

Esses possíveis efeitos costumam ficar evidentes inicialmente nas repercussões negativas para o setor financeiro. A perda da biodiversidade pode afetar o sistema financeiro de duas formas principais: riscos físicos, relacionados ao impacto financeiro das mudanças no capital natural; e riscos de transição, que derivam do processo de ajustes rumo a uma economia mais sustentável.

As mudanças no estoque e nas condições do capital natural podem ter consequências importantes para as empresas que dependem da capacidade da natureza de fornecer serviços ecossistêmicos, com implicações para as instituições financeiras.

Ao mesmo tempo, as instituições financeiras podem causar impactos negativos à biodiversidade e aos serviços ecossistêmicos devido às suas operações e decisões de investimentos (relação conhecida como “dupla materialidade”).

Nesse contexto, e embora os esforços para compreender melhor a relação entre a perda da biodiversidade e a estabilidade financeira continuem, é importante construir evidências da exposição das instituições financeiras aos riscos financeiros relacionados à natureza.

Um estudo recente feito pelo Banco Mundial examina como e até que ponto os bancos estão expostos aos riscos da perda da biodiversidade no contexto brasileiro, um dos países com maior diversidade biológica do mundo, ameaçado, entre outras coisas, pelo desmatamento e pelas mudanças climáticas. A pesquisa se assemelha a trabalhos pioneiros realizados na Holanda, França e Malásia.

Considerando que o sistema financeiro brasileiro é centralizado nos bancos, o foco deste novo relatório para o Brasil é mais no setor bancário do que em todo o espectro de instituições financeiras.

Os resultados, que são preliminares devido à incerteza em torno dos canais de transmissão e às limitações de dados e metodologias, sugerem que a exposição dos credores brasileiros aos riscos relacionados à perda da biodiversidade pode ser significativo.

Em março de 2021, a exposição de crédito pendente dos bancos brasileiros era de R$ 811 bilhões para empresas não financeiras que operam em setores com dependência alta ou muito alta de um ou mais serviços ecossistêmicos. Essa quantia representa 46% do total da carteira de empréstimos corporativos não financeiros e 20% da carteira de crédito total.

Com base na sensibilidade histórica da qualidade dos ativos dos bancos brasileiros às condições macroeconômicas e à modelagem macroeconômica dos serviços ecossistêmicos, as perdas de produção associadas ao colapso dos serviços ecossistêmicos poderiam se traduzir em um aumento cumulativo de longo prazo nos empréstimos corporativos inadimplentes da ordem de 9 pontos percentuais, mantendo- se inalterados os outros fatores.

No entanto, a biodiversidade e as mudanças climáticas se influenciam mutuamente. Isso significa que os bancos brasileiros, que já estão expostos aos riscos climáticos, podem vir a enfrentar efeitos combinados decorrentes da interação entre a perda da biodiversidade, as mudanças climáticas e os desastres naturais.

Em termos de riscos de transição, os bancos brasileiros têm uma exposição de empréstimos pendentes de BRL 254 bilhões ou 15% de sua carteira corporativa para firmas que possivelmente operam em áreas protegidas.

Essa exposição poderia aumentar para BRL 437 bilhões (25% da carteira de crédito corporativo) caso as áreas de prioridade muito alta para a conservação da biodiversidade se tornem protegidas, e para BRL 664 bilhões (38% da carteira) caso todas as áreas prioritárias se tornem protegidas.

Por fim, para as 11 empresas brasileiras, dentre as 143 listadas na bolsa de valores, para as quais há registro de disputas ambientais, os bancos tinham uma exposição de empréstimos pendentes de BRL 109 bilhões (7% da carteira de crédito corporativo) em 31 de dezembro de 2019.

Devido a quantia significativa de dinheiro emprestado pelos bancos brasileiros para projetos potencialmente prejudiciais e dependentes do fornecimento de serviços ecossistêmicos pela natureza, as práticas predominantes de gestão de riscos relacionados à biodiversidade no setor bancário apresentam imensas oportunidades de prevenir impactos negativos à biodiversidade.

As constatações do estudo têm implicações tanto para os bancos como para o Banco Central do Brasil (BCB), que é o supervisor financeiro. Os bancos poderiam começar a adotar medidas para identificar e medir a sua exposição à perda da biodiversidade com o objetivo de monitorar e mitigar quaisquer riscos relevantes provenientes de seus empréstimos e investimentos.

Os bancos também poderiam adotar medidas para divulgar os impactos de seus investimentos sobre a biodiversidade e exigir o mesmo das empresas em suas carteiras. Nesse sentido, a recém-lançada Força-tarefa para divulgações financeiras relacionadas à natureza poderia oferecer a estrutura adequada.

O setor financeiro tem papel fundamental na promoção dos impactos benéficos dos setores econômicos na natureza.

O BCB, que em 2014 esteve entre os primeiros bancos centrais do mundo a exigir que as entidades supervisionadas medissem os riscos sociais e ambientais, acrescentou recentemente uma dimensão de sustentabilidade à sua estratégia institucional. O pilar de sustentabilidade da sua agenda de trabalho já inclui iniciativas que podem ter efeitos positivos sobre a conservação e a recuperação da biodiversidade.

Gerir melhor os riscos financeiros relacionados à natureza contribuiria não apenas para a segurança e solidez de bancos individuais e do sistema financeiro como um todo, mas também ajudaria a diminuir o fluxo de capital para as atividades econômicas que prejudicam a natureza, reduzindo, assim, a necessidade de financiamento para conservação e recuperação da biodiversidade e os serviços ecossistêmicos.

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Pablo Acosta é economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA).

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