Coletiva de imprensa do secretário-geral da ONU, António Guterres, na Cúpula do G7 em Hiroshima
Transcrição, em português, da coletiva de imprensa do secretário-geral da ONU na Cúpula do G7, realizada em Hiroshima, no Japão, no dia 21 de maio de 2023.
![O secretário-geral António Guterres (na primeira fila, segundo da esquerda para a direita) visita o Parque Memorial da Paz de Hiroshima, no dia 21 de maio de 2023.](/sites/default/files/styles/featured_image/public/2023-05/UN7986909_image-1_.jpg?itok=2QlMyKC6)
Senhoras e senhores da imprensa, muito boa tarde.
É um grande prazer estar de volta ao Japão para esta Cúpula do G7.
Minha mensagem para os líderes do G7 é clara: embora o cenário econômico seja incerto em todos os lugares, os países ricos não podem ignorar o fato de que mais da metade do mundo - a grande maioria dos países - está sofrendo uma profunda crise financeira.
O impacto econômico esmagador da pandemia de COVID-19, a crise climática, a invasão da Ucrânia pela Rússia, os níveis insustentáveis de dívida, o aumento das taxas de juros e da inflação estão devastando as economias emergentes e em desenvolvimento.
A pobreza e a fome estão aumentando; o desenvolvimento está afundando.
Na minha opinião, os problemas enfrentados pelos países em desenvolvimento têm três dimensões: a moral, a relacionada ao poder e a prática.
Primeiro, a moral.
Há um viés sistêmico e injusto nas estruturas econômicas e financeiras globais em favor dos países ricos, o que naturalmente está gerando grande frustração no mundo em desenvolvimento.
O acesso às vacinas contra a COVID-19 foi profundamente injusto.
A recuperação foi extremamente desequilibrada. Os países ricos se recuperaram do impacto econômico da pandemia com políticas monetárias e fiscais expansionistas. Foram gastos trilhões e trilhões de dólares. Basicamente, eles imprimiram dinheiro e gastaram para se livrar dos problemas.
Mas os países em desenvolvimento, muitos deles com dívidas substanciais, não conseguiram fazer o mesmo. E, se o fizessem, teriam visto suas moedas afundarem.
Por outro lado, o FMI alocou 650 bilhões de dólares americanos em Direitos Especiais de Saque - ou SDRs - durante a pandemia. Os países do G7, com uma população de 772 milhões de pessoas, receberam 280 bilhões de dólares americanos. O continente africano, com 1,3 bilhão de pessoas, recebeu apenas 34 bilhões de dólares.
E isso foi feito de acordo com as regras. Foi feito de acordo com as regras, mas, de um ponto de vista moral, há algo fundamentalmente errado com as próprias regras.
Em todo o mundo, 52 países estão em situação de inadimplência técnica, com alto risco de inadimplência ou enfrentam opções de financiamento de mercado extremamente caras. Os países de renda média, incluindo muitos pequenos Estados insulares em desenvolvimento - com poucas exceções - não se qualificam para o financiamento concessional e não têm acesso ao alívio da dívida.
Em segundo lugar, a dimensão do poder.
O sistema de Bretton Woods e o Conselho de Segurança refletem as relações de poder de 1945.
E muitas coisas mudaram desde então. A arquitetura financeira global ficou desatualizada, disfuncional e injusta.
Diante dos choques econômicos da pandemia de COVID-19 e da invasão russa na Ucrânia, ela não conseguiu cumprir sua função principal de rede de segurança global.
É hora de reformar tanto o Conselho de Segurança quanto as instituições de Bretton Woods.
Trata-se essencialmente de uma questão de redistribuição de poder de acordo com as realidades do mundo atual.
Terceiro, o problema prático.
Mesmo dentro das atuais regras globais injustas, mais pode e deve ser feito para apoiar as economias em desenvolvimento.
Propusemos um pacote de estímulo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que forneceria um mecanismo eficaz para o alívio da dívida e aumentaria o financiamento de longo prazo e de contingência para o desenvolvimento sustentável.
Se os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento trabalhassem juntos e mudassem seus modelos de negócios e sua abordagem ao risco, eles poderiam alavancar enormes quantidades de financiamento privado para os países em desenvolvimento a um custo razoável. E sem um volume maciço de financiamento privado, não haverá ação climática eficaz, e não será possível implementar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
A realocação maciça de Direitos Especiais de Saque - como o Japão fez e outros deveriam seguir - e sua canalização por meio dos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento teria um efeito multiplicador sobre o financiamento do desenvolvimento sustentável.
Ferramentas financeiras inovadoras poderiam permitir trocas que convertam dívidas em investimentos em adaptação climática, criando resiliência em comunidades vulneráveis em todo o mundo.
A lista continua.
Mas, senhoras e senhores da imprensa,
Os países do G7 também são fundamentais para a ação climática.
Com as políticas atuais, estamos caminhando para um aumento de temperatura de 2,8 graus Celsius até o final deste século. É provável que os próximos cinco anos sejam os mais quentes já registrados.
A ação climática está funcionando, mas não o suficiente, e estamos claramente fora do caminho para limitar o aumento da temperatura a 1,5 grau Celsius até o final do século.
A Agenda de Aceleração da Ação Climática que propus visa a recuperar o tempo perdido.
Ela exige que todos os países do G7 atinjam o nível zero de emissões líquidas o mais próximo possível de 2040, e que as economias emergentes o façam o mais próximo possível de 2050.
O Pacto de Solidariedade Climática que sugerimos convoca todos os países do G7, os bancos de desenvolvimento nacionais e multilaterais e o setor privado a mobilizar recursos financeiros e técnicos para apoiar as economias emergentes que hoje são grandes emissoras a acelerar a descarbonização - para que fiquemos dentro do limite de 1,5 grau Celsius de aquecimento global.
E isso exige cronogramas mais rápidos para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e aumentar as energias renováveis.
Isso significa colocar um preço no carbono e acabar com os subsídios aos combustíveis fósseis.
Está mais do que na hora de os países desenvolvidos fornecerem os prometidos 100 bilhões de dólares por ano.
E o Fundo de Perdas e Danos acordado em Sharm el-Sheikh deve ser operacionalizado.
Senhoras e senhores da imprensa,
A cidade de Hiroshima é uma prova do espírito humano. É minha terceira visita a esta cidade e sempre me sinto muito emocionado ao voltar.
Sempre que a visito, sinto-me inspirado pela coragem e resiliência dos hibakusha, as pessoas afetadas pela explosão da bomba atômica em 1945.
As Nações Unidas estão com eles. Nunca deixaremos de lutar por um mundo livre de armas nucleares.
Agradeço ao Japão por seu generoso apoio ao Fundo de Liderança Jovem para um Mundo Livre de Armas Nucleares. Devemos investir e capacitar os jovens de hoje para que sejam agentes de mudança em prol de um mundo mais seguro e protegido.
Ao mesmo tempo, Hiroshima é um símbolo global das trágicas consequências quando as nações não conseguem trabalhar juntas e resolver suas diferenças pacificamente.
Em nosso mundo multipolar, à medida que as divisões geopolíticas aumentam, nenhum país ou grupo de países pode ficar parado enquanto bilhões de pessoas lutam para suprir as necessidades básicas de alimentos, água, educação, saúde e empregos.
Aqui em Hiroshima, é hora de demonstrar liderança global e solidariedade global.
Muito obrigado.
Hiroshima, Japão - 21 de maio de 2023 [conforme apresentado]
Versão original: https://www.un.org/sg/en/content/sg/press-encounter/2023-05-21/un-secretary-generals-press-encounter-g7-summit-delivered
Discurso de
![António Guterres](/sites/default/files/styles/thumbnail/public/2020-10/Antonio%20Guterres.jpg?h=a7e6d17b&itok=V5Q6GkAQ)