ARTIGO: Internet e direitos humanos
10 novembro 2016
Flávia Piovesan, secretaria especial de Direitos Humanos e professora de Direito da PUC-SP
Lucien Muñoz, representante da UNESCO no Brasil
Na sociedade global marcada pela produção, distribuição e uso da informação, a internet exerce um crescente impacto num mundo cada vez mais interconectado. Debater o alcance da alfabetização, da mídia, da informação e do diálogo intercultural na era digital foi a temática central do seminário Global MIL Week, realizado de 31 de outubro a 6 de novembro deste ano pela Unesco, em parceria com a USP.
Participaram especialistas de diversos países, professores, estudantes, ativistas, empreendedores sociais e gestores públicos. O objetivo da alfabetização midiática e informacional é a capacitação de jovens para o uso crítico de novas tecnologias e produção de conteúdo, sob o prisma da sustentabilidade e da cidadania.
Na esfera global, 3,2 bilhões de pessoas têm acesso à internet — o que representa 43,4% da população global. O universo dos 57% da população off-line — cerca de quatro bilhões de pessoas — concentra-se sobretudo no continente africano. Enquanto 21% da população na Europa não têm acesso à internet (nos países desenvolvidos em geral, cerca de 80% da população estão on-line), na África esse percentual de desconectados alcança 75% da população.
Na região da Ásia e do mundo árabe, a população off-line corresponde a 58,1% e 58,4%, respectivamente. Em todas as regiões, constata-se o acesso não igualitário de homens e mulheres à internet, estando as mulheres em situação de desvantagem — essa desigualdade é mais acentuada na região africana, culminando em até 50% na África Subsaariana.
No Brasil, 58% da população têm acesso à internet. Se, em 2014, 50% dos domicílios brasileiros possuíam computador e acesso à internet, em 2005 apenas 17% dos domicílios urbanos tinham computador e 13% dispunham de conexão à rede, segundo a Unesco. Na atualidade, o Brasil é um dos países do mundo com maior utilização das redes sociais.
É o quarto país em número de usuários do Facebook, com 70,5 milhões (e também o quarto em percentagem da população, com 34,5%); e o segundo com maior número de pessoas no Twitter. Em 2015, oito em cada dez crianças e adolescentes com idades entre 9 e 17 anos eram usuários da internet. Nesse contexto, a internet surge como instrumento capaz de promover, mas também de violar direitos humanos.
De acordo com o programa Humaniza Redes, lançado pelo Pacto Nacional de Enfrentamento das Violações de Direitos Humanos na Internet, há denúncias relativas à discriminação contra as mulheres; à apologia e incitação a crimes contra a vida; ao racismo; à homofobia; à pornografia infantil; à intolerância religiosa; à xenofobia; ao discurso de ódio; entre outras violações on-line.
Ao desafio de enfrentar o cybercrime, somam-se os desafios do direito à privacidade e à segurança na internet. No Brasil, o Marco Civil da Internet foi aprovado por meio da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede no Brasil.
Adota como fundamentos o respeito à liberdade de expressão, os direitos humanos, a pluralidade, a diversidade e a finalidade social da rede. Entre os princípios, destacam-se tanto a garantia da liberdade de expressão como a proteção à privacidade e aos dados pessoais. Gradativamente, com oscilações, cortes nacionais e internacionais têm sido provocadas a delimitar o alcance de direitos e liberdades na era da internet.
Ao mesmo tempo, marcos jurídicos têm sido aprovados com a ambição de estabelecer parâmetros, princípios, garantias, direitos e deveres no mundo digital. Se os avanços da tecnologia da informação e das comunicações podem ameaçar e violar direitos, também têm a potencialidade de promover e fortalecer esses mesmos direitos.
Direitos humanos offline devem ser também protegidos on-line. Daí a relevância de identificar ações, programas e políticas inovadoras e estratégicas para utilizar o potencial digital para a promoção de direitos — foco do seminário internacional da Unesco, que fomentou o diálogo intercultural e o intercâmbio de experiências e práticas inspiradoras e exitosas no acesso à informação, no uso crítico de novas tecnologias e na promoção de direitos na era digital.
Na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, os estados-membros reconheceram a importância da expansão das tecnologias da informação, das comunicações e da interconexão mundial, destacando a necessidade de enfrentar as profundas desigualdades digitais e desenvolver as sociedades do conhecimento, com base em uma educação inclusiva, equitativa, não discriminatória, com respeito às diversidades culturais.
Na sociedade global da informação, emergencial é incorporar o enfoque de direitos humanos por meio de uma educação e cidadania digitais inspiradas nos valores da liberdade, igualdade, sustentabilidade, pluralismo e respeito às diversidades.
Artigo publicado em 10/11/2016 no jornal O Globo