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Leide Aquino: Referência de atuação da mulher na cadeia de castanha-do-Brasil

09 outubro 2020

  • Percebendo o baixo valor comercial da última safra da castanha-do-Brasil in natura, Leide Aquino, moradora da Reserva Extrativista Chico Mendes, decidiu inovar e beneficiar o fruto, transformando-o em castanha cristalizada - o que representou um lucro 18 vezes maior.
  • Leide apresentou seus lucros para as colegas extrativistas, fazendo com que elas aproveitassem esta oportunidade para incrementar a renda, contribuindo também para a autonomia financeira delas. 
  • A história de Leide Aquino faz parte da ação "15 dias de iniciativas transformadoras", parte da campanha #MulheresRurais, mulheres com direitos, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Leide Aquino, de 55 anos, moradora da Reserva Extrativista Chico Mendes, inovou na cadeia de castanha-do-Brasil.
Legenda: Leide Aquino, de 55 anos, moradora da Reserva Extrativista Chico Mendes, inovou na cadeia de castanha-do-Brasil.
Foto: © FAO

Leide Aquino, de 55 anos, moradora da Reserva Extrativista Chico Mendes, Xapuriense e quebradeira de castanha-do-Brasil. Desde muito cedo, ela soube o peso e força para aplicar no facão. Durante a infância e adolescência, ia na cidade apenas 1 vez ao ano, em 20 de janeiro, onde se celebra uma bela festa em homenagem ao padroeiro de Xapuri, São Sebastião. 

Alfabetizada aos 14 anos, logo percebeu o papel do “letramento” e educação. Com isso, tornou-se uma das professoras voluntárias do Projeto Seringueiro, um projeto educacional que implantou diversas escolas nos seringais do Acre a partir da iniciativa de um grupo de jovens educadores, Chico Mendes, Mary Allegretti e executado pelo Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA).

Desde sempre, a vida de Leide foi tangenciada pela floresta, o que fez com ela fosse uma das mulheres da linha de frente dos tradicionais “Empates”. Nos empates, os seringueiros se colocavam entre as árvores, os tratores e motosserras, de modo a impedir a derrubada da floresta. As aguerridas mulheres e crianças geralmente ficavam na linha de frente, para fazer com que os jagunços e policiais armados parassem.

Esse movimento articulado, tinha o objetivo de assegurar o território e de frear o desmatamento, que assim como nos tempos atuais, dava lugar para a criação de gado. Após muita luta e vidas ceifadas, a sonhada segurança territorial tornou-se realidade, mas a devastação florestal ainda existe.

Assim como muitas mulheres extrativistas, aprendeu que assim como a tradicional coleta do látex, a safra da castanha significa dinheiro no bolso. Mas para isso, muito esforço é requerido: andar dentro da floresta amazônica, carregando bastante peso, quebrar ouriço, separar a castanha, ensacar, pesar e vender o fruto que oportuniza tanta segurança econômica para quem vive dos castanhais.

Mesmo sendo uma das principais fontes de renda para a população extrativista, a comercialização da castanha ainda enfrenta o desafio da falta de regulação. Essa cadeia produtiva que ainda é marcada pela informalidade, o que contribui para a grande variação do preço da lata de castanha.

Com o baixo valor comercial da última safra da castanha in natura, Leide decidiu inovar e beneficiar o fruto, transformando-o em castanha cristalizada. Essa iguaria é feita através da torra do fruto, que logo depois ele é envolto por uma generosa camada de chocolate e finalizado com um pouco de açúcar.

A comercialização de castanha cristalizada rendeu-lhe R$450,00 por lata (unidade de medida utilizada por castanheiros), isso representa um lucro 18 vezes maior, quando comparado ao valor que ela obteria com a venda da lata do fruto in natura (R$ 25,00).

Leide compreende e se identifica como feminista, acredita firmemente no poder da união das mulheres, sabe a importância da autonomia econômica e com isso, apresentou seus lucros para as colegas extrativistas. O interesse coletivo logo foi despertado, outras mulheres aprenderam a técnica de cristalizar o fruto e vem sendo beneficiado em maior escala. O feito fez com que muitas extrativistas xapurienses enxergassem o beneficiamento de frutas como uma oportunidade, não só de incremento de renda, mas como uma ferramenta para a autonomia financeira. 

Muitos desafios ainda devem ser superados, como uma produção em larga escala, busca por novos mercados locais, regionais e até internacionais, por levar em consideração a proximidade de Xapuri com a fronteira da Bolívia e do Peru, sendo parte da região MAP (Madre de Dios-Peru, Acre-Brasil e Pando-Bolívia).

Essa tríplice fronteira oportuniza uma dinâmica organizacional e cultural bem peculiar. De forma exponencial, a articulação de mulheres da região MAP vem crescendo. Sementes são trocadas, vivências e intercâmbios já foram realizados e pretende-se fortalecer ainda mais o vínculo do grupo.

No ano de 2019, por demanda de uma organização internacional de atuação na região MAP, um grande evento de comercialização foi realizado. Mulheres dos 3 países se encontraram no Peru, levaram doces, frutas, artesanatos e expuseram seus trabalhos sobre turismo de base comunitária.

Dentro desse grupo de mulheres, Leide é a referência da Rede de Mulheres do Alto Acre e atualmente é reconhecida como ponto focal do Brasil. A troca de conhecimento oportunizada por ações de intercâmbio, fizeram com que ela aprendesse com as companheiras, sobre a importância do associativismo, segurança jurídica e do aprendizado sobre gestão comercial.

Atualmente, o sonho de Leide e da Rede de Mulheres do Alto Acre é a consolidação de uma associação do grupo. Para elas, a organização da Rede é fundamental para acessar projetos, recursos e articular parcerias comerciais.

Em todo o seu tempo de vida, essa extrativista vem pautando o papel da mulher nos sistemas agroalimentares, desde o cultivo, coleta e comercialização. Para ela, participação e o protagonismo da mulher, são a base da segurança alimentar e preservação da floresta.

SOS Amazônia

Na década de 1980, grandes áreas de florestas foram substituídas por pastagens na Amazônia. Naquela época, o movimento dos seringueiros, no Acre, unia forças para empatar a devastação e garantir o direito de posse das suas colocações. Movidos pela resistência dos guardiões da floresta, no dia 30 de setembro de 1988, na cidade de Rio Branco, estado do Acre, professores, estudantes universitários e representantes do movimento social, incluindo o ativista e seringueiro Chico Mendes, criaram a Associação SOS Amazônia, tendo como objetivo principal defender a causa extrativista e proteger a Floresta Amazônica, apoiando as populações tradicionais.

Num cenário de conflitos por ocupação de terras, a entidade dedicou-se a expor, em praça pública, dados e fotos sobre o desmatamento na região, a fazer denúncias das ameaças sofridas pelos seringueiros, distribuir materiais informativos e a dialogar com as pessoas sobre o tema, visando mobilizar a sociedade e facilitar a compreensão sobre as causas e consequências da destruição que estava acontecendo.

Diante do delicado momento que os extrativistas viviam, além das campanhas de conscientização, logo surgiu a necessidade da instituição, em desenvolver projetos, propor e implementar políticas públicas com foco na difusão de modelos e práticas para preservação da biodiversidade e do desenvolvimento sustentável, iniciativas que pautam, cotidianamente, o dever de cumprir a missão da SOS Amazônia, que é "Promover a conservação da biodiversidade e o crescimento da consciência ambiental na Amazônia".

15 dias de iniciativas inspiradoras

A história de Leide Aquino, de 55 anos, moradora da Reserva Extrativista Chico Mendes, foi enviada pela SOS Amazônia, e faz parte da ação “15 dias de iniciativas transformadoras”, parte da campanha #MulheresRurais, mulheres com direitos.

Durante os próximos dias, outras organizações parceiras da campanha irão compartilhar histórias de mulheres rurais promotoras da alimentação saudável, guardiãs da terra, líderes e empreendedoras, com base em três eixos principais: direitos e autonomia econômica; papel produtivo em sistemas agroalimentares; redução de lacunas e uma vida livre de violência. No dia 15 de outubro, encerra-se a ação com a celebração do Dia Internacional das Mulheres Rurais.

 

Entidades da ONU envolvidas nesta atividade

Objetivos que apoiamos através desta iniciativa