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Hanseníase: justiça brasileira está atrasada para reparação, diz especialista da ONU 

27 outubro 2020

  • Uma especialista em direitos humanos da ONU disse que o Brasil tem uma oportunidade única de reconhecer o direito à reparação dos indivíduos que, quando crianças, foram separados dos pais afetados pela hanseníase e segregados da sociedade.
  • Entre 1923 e 1986, cerca de 16 mil crianças foram separadas dos pais e enviadas para instituições, em conformidade com a política de segregação forçada então praticada pelo estado.
  • O alerta é da relatora especial da ONU para a eliminação da discriminação contra as pessoas afetadas pela hanseníase e os seus familiares, Alice Cruz, que visitou o Brasil em maio de 2019.
Alice Cruz é relatora especial da ONU para a eliminação da discriminação contra as pessoas afetadas pela hanseníase e seus familiares
Legenda: Alice Cruz é relatora especial da ONU para a eliminação da discriminação contra as pessoas afetadas pela hanseníase e seus familiares
Foto: © ACNUDH

Uma especialista em direitos humanos da ONU disse que o Brasil tem uma oportunidade única de reconhecer o direito à reparação dos indivíduos que, quando crianças, foram separados dos pais afetados pela hanseníase e segregados da sociedade. Entre 1923 e 1986, cerca de 16 mil crianças foram separadas dos pais e enviadas para instituições , em conformidade com a política de segregação forçada então praticada pelo estado. O alerta é da relatora especial da ONU para a eliminação da discriminação contra as pessoas afetadas pela hanseníase e os seus familiares, Alice Cruz, que visitou o Brasil em maio de 2019.

Durante a última década, foram apresentados vários casos em tribunais estaduais, mas eles ainda estão pendentes. “O Supremo Tribunal tem agora uma oportunidade de corrigir esta injustiça que, dados os seus efeitos duradouros, deve ser considerada uma violação permanente de natureza imprescritível”, disse Alice Cruz. “Estas pessoas suportaram uma vida inteira de sofrimento como resultado deste tratamento desumano. Para muitos que são agora idosos, o tempo está se esgotando para que vejam corrigidos os erros do passado”.

O caso deverá ser julgado pelo Supremo Tribunal até o fim do ano. “O Brasil tem o dever de oferecer reparações totais, incluindo um pedido de desculpas, memorialização e reabilitação aos filhos separados de pessoas afetadas pela hanseníase, em conformidade com as normas internacionais relevantes em matéria de direitos humanos”, disse a relatora, acrescentando que tem pedido repetidamente que as autoridades hajam, sem demora. 

A perita da ONU afirmou que muitas das crianças relataram ter sido abusadas em instalações estatais conhecidas como “preventórios”. Durante visita ao Brasil em maio de 2019, Alice Cruz ouviu testemunhos de vários adultos que foram separados quando crianças separadas.

“Fui tirada da minha mãe quando era bebé e enviada para o preventório”, disse uma das vítimas. “Quando eu tinha 7 anos, o sapateiro que trabalhava no preventório disse que eu era uma menina bonita, por isso ele seria o meu pai. Eu estava feliz porque sentia muito a falta dos meus pais. O sapateiro obrigou-me então a sentar no seu colo e começou a me apalpar. Senti-me desconfortável, mas ele me disse para ficar calada e me fez sentir o cheiro da cola para sapatos, o que me fez sentir tonta. Ele me violou. Brincaram com a minha vida”, contou a vítima.

“O Brasil tem feito vários esforços louváveis na proteção dos direitos das pessoas afetadas pela hanseníase, mas é preciso fazer mais, especialmente no que diz respeito aos direitos de reparações”, disse a relatora. “Espero que a decisão do Supremo Tribunal brasileiro reconheça finalmente os direitos das vítimas enquanto estas estiverem vivas e proceda desta forma a um avanço importante na história sombria da hanseníase em todo o mundo. Justiça atrasada é justiça negada”, finalizou.

Acesse o relatório da missão aqui. E a carta de alegação, aqui.

Relatora Especial - Alice Cruz é a Relatora Especial da ONU para a eliminação da discriminação contra as pessoas afetadas pela hanseníase e seus familiares. Ela foi nomeada em novembro de 2017 pelo Conselho de Direitos Humanos. Alice Cruz trabalhou como professora externa na Faculdade de Direito da Universidade Andina Simón Bolívar (Equador) e em várias universidades portuguesas como pesquisadora em saúde e direitos humanos, especialmente hanseníase. Participou da elaboração das Diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o Fortalecimento da Participação de Pessoas Afetadas pela Hanseníase em Serviços de Hanseníase. Ela tem pesquisado e escrito sobre a eliminação da hanseníase e do estigma associado a ela, e tem interagido com várias partes interessadas no tema, incluindo pessoas afetadas.

Relatores Especiais fazem parte do que é conhecido como Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Procedimentos Especiais, o maior corpo de peritos independentes no sistema de Direitos Humanos da ONU, é o nome genérico dos mecanismos independentes de busca e monitoramento do Conselho, que abordam situações específicas de países ou questões temáticas em todas as partes do mundo. Especialistas em Procedimentos Especiais trabalham voluntariamente - eles não são funcionários da ONU e não recebem salário pelo seu trabalho. Eles são independentes de qualquer governo ou organização e servem em sua capacidade individual.

Para mais informações e solicitações de imprensa:  Sr. Younkyo Ahn (yahn@ohchr.org)

Entidades da ONU envolvidas nesta atividade

ACNUDH
Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos

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