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COP26 discute setor de transportes e propostas para texto final

11 novembro 2021

O setor de transportes é responsável por um quarto das emissões globais de gases do efeito estufa. A transição exige mudanças de cultura na maneira em que as pessoas se locomovem e investimentos em formas alternativas de transporte coletivo e combustíveis. Este foi o tema dos debates de quarta-feira na COP26.

Durante o evento, mais de 100 governos nacionais, cidades, estados e grandes empresas assinaram a Declaração de Glasgow sobre Carros e Ônibus de Emissão Zero. O texto prevê encerrar a venda de motores de combustão interna até 2035 nos principais mercados e em 2040 em todo o mundo. Pelo menos 13 nações também se comprometeram a acabar com a venda de veículos pesados movidos a combustíveis fósseis até 2040.

Os setores de transporte marítimo e aéreo também se movimentaram na discussão, com assinaturas de compromissos para reduzir as emissões e acelerar o desenvolvimento de tecnologias de navios de transporte que usam apenas combustíveis sustentáveis e aviões que voam com hidrogênio verde - uma iniciativa que pode gerar oportunidades de milhares de empregos.

Além dos transportes, a outra grande notícia da conferência foi a publicação da proposta inicial de texto final da COP26. O documento final deve ser divulgado no fechamento da conferência, nesta sexta-feira, mas líderes da sociedade civil ainda disseram esperar mais ações além de uma "retórica vazia".

ônibus elétrico
Legenda: Setor dos transportes dependente quase inteiramente de combustíveis fósseis
Foto: © Laura Quiñones/ONU News

Com a 26ª. Conferência da ONU sobre Mudança Climática, COP26, entrando na reta final, os temas discutidos na quarta-feira (10) foram a proposta inicial de texto final e os debates sobre meios de transportes mais sustentáveis

De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), os meios de transportes geram quase um quarto de todas as emissões de gás de efeito estufa. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) este é um setor quase inteiramente dependente de combustíveis fósseis. A quantidade de emissões mais que dobrou desde a década de 70. E os veículos são responsáveis por cerca de 80% desse aumento.  

Mudança de cultura - A ONU News conversou com o representante da ONG 350.org, Peri Dias, que está em Glasgow. Ele explica que a implementação de ações sustentáveis vai além da mudança da fonte energética. 

“A gente está falando de mais e melhores linhas de ônibus, linhas de trem e metrô nas cidades, a gente está falando de transporte entre as cidades mais eficientes, por meio de trilhos, por exemplo. A gente está falando de estímulo ao uso de bicicleta, a caminhada, ao deslocamento a pé. Tudo isso é fundamental e envolve uma discussão e ações que não dizem respeito somente à tecnologia, mas que dizem respeito ao tipo de cidade que a gente quer, o tipo de sociedade que a gente quer construir”, defendeu.

Dias afirma que a mudança de hábitos de locomoção, especialmente nas cidades, além de ajudar no combate ao aquecimento global ainda pode tornar o trajeto mais agradável. 

“A gente tem a oportunidade de construir cidades e sociedades mais inclusivas, mais justas, mais gostosas até. É gostoso você poder se locomover de uma maneira agradável também ao invés de ficar preso no trânsito. É nisso que a gente tem que pensar quando pensa em aquecimento global. E sim, limitar os combustíveis fósseis é essencial. Sem limitar o uso de petróleo, gás e carvão e seus derivados a gente nunca vai chegar à limitação do aquecimento que a gente precisa que é de 1 grau e meio”, completou.

Fim dos combustíveis fósseis - Um mundo livre de transportes movidos a combustíveis fósseis pode estar se aproximando. De acordo com debates na COP na quarta-feira, veículos elétricos, navios de transporte que usam apenas combustíveis sustentáveis e aviões que voam com hidrogênio verde podem sair do universo da ficção em breve, já que muitos governos e empresas relataram estar investindo para que se tornem realidade.

Mais de 100 governos nacionais, cidades, estados e grandes empresas assinaram a Declaração de Glasgow sobre Carros e Ônibus de Emissão Zero. O texto prevê encerrar a venda de motores de combustão interna até 2035 nos principais mercados e em 2040 em todo o mundo. Pelo menos 13 nações também se comprometeram a acabar com a venda de veículos pesados movidos a combustíveis fósseis até 2040.

Iniciativas na América Latina - Esforços locais também estão em andamento, como em cidades latino-americanas, incluindo Bogotá, na Colômbia, Cuenca, no Equador, e Salvador, no Brasil, com o objetivo de zerar a emissão da frota do transporte público até 2035. 

“A mensagem para os decisores políticos é: Precisamos ter certeza de que começamos a normalizar que, em 2035, devemos parar de vender carros a gasolina e diesel. Para ônibus, será antes de 2030; caminhão pesado, pode levar algum tempo, 2040. A questão é um calendário sobre opções de emissão zero em todos os segmentos”, disse Monica Araya, da iniciativa global Drive Electric Campaign.

Ela deixou claro que, durante a transição, os países em desenvolvimento não devem se tornar lixeira para a tecnologia antiga dos mais ricos e, em vez disso, devem ser vistos como motores de mudanças transformacionais.

“Eu cresci na Costa Rica. Eu me lembro de ir para a escola em um ônibus importado dos Estados Unidos. Essa experiência moldou muito meu pensamento sobre essa transição. Sei que, por um lado, temos que nos certificar de que transformamos os grandes mercados que produzem caminhões, ônibus, automóveis, (mas também) temos que ativar mudanças nesses mercados para que haja um efeito em cascata”, explicou.

Transporte marítimo mais verde  - O setor de transporte marítimo também se movimentou na discussão, com 200 empresas de toda a cadeia de valor se comprometendo a dimensionar e comercializar navios e combustíveis com emissão zero até 2030. Eles também pediram aos governos que implementem os regulamentos e a infraestrutura necessária para permitir uma transição justa até 2050. 

Enquanto isso, 19 países assinaram a Declaração de Clydebank para apoiar o estabelecimento de rotas marítimas de livres de emissões. Isso significa criar pelo menos seis corredores de emissão zero até meados desta década e os demais em operação até 2030. 

“Existem cerca de 50 mil navios mercantes no mundo, então é uma grande tarefa, e acho que diferentes partes do transporte marítimo devem se movimentar em ritmos diferentes. Portanto, ter o compromisso da Declaração de Clydebank para rotas verdes permite que os pioneiros experimentem e provem a tecnologia e, em seguida, reduzam os custos, criem a política, habilitem os ecossistemas que são necessários e, então, outros podem aprender com isso e seguir”, afirmou a representante da ONU para Mudança Climática, Katharine Palmer, em entrevista à ONU News. 

Esses “corredores verdes” significam que os navios que transportam mercadorias em todo o mundo viajariam sem usar combustíveis de hidrocarbonetos e, em vez disso, usariam combustíveis derivados de hidrogênio verde, gerado por energia renovável, eletricidade e outras opções sustentáveis. 

“Também inclui o envolvimento com produtores de energia para que eles possam produzir combustível sustentável o suficiente. Uma colaboração público-privada com os governos [também será necessária] para estabelecer a legislação necessária”, acrescentou a especialista. 

Nove grandes marcas, incluindo Amazon, Ikea, Michelin, Unilever e Patagonia anunciaram que até 2040, planejam transferir 100% de seu frete marítimo para navios movidos a carbono zero.

O desafio da aviação - A indústria de aviação e grandes clientes corporativos também anunciaram uma atualização de sua Coalizão “Clean Skies for Tomorrow” (“Céus Azuis para o Amanhã”, em tradução livre), cuja missão é acelerar a adesão de combustíveis sustentáveis na aviação. Até agora, 80 signatários se comprometeram a aumentar o uso de combustível verde para 10% da demanda global até 2030.

Os “combustíveis verdes” são produzidos a partir de matérias-primas sustentáveis, como óleo de cozinha, óleo de palma e resíduos sólidos e são muito semelhantes em química ao combustível fóssil tradicionalmente usado na aviação.

Se alcançado, isso reduzirá as emissões de dióxido de carbono em 60 milhões de toneladas por ano e proporcionará cerca de 300 mil empregos. 

Sobre a energia solar ou elétrica, chefe de aviação do Fórum Econômico Mundial, Lauren Uppink, afirma que essas fontes de energia podem ser utilizadas em voos curtos no futuro.

“Haverá uma pequena parte da demanda de energia que contará com novas tecnologias como hidrogênio e bateria, mas longas rotas não são viáveis. Portanto, os combustíveis sustentáveis são nossa única solução para descarbonizar e voar com emissões neutras de carbono”, disse em entrevista à ONU News.

A especialista também anunciou que os primeiros aviões elétricos e movidos a hidrogênio possivelmente começarão a ser implantados em 2030. Ela adicionou que a transição da indústria também pode gerar milhares de empregos verdes nos países em desenvolvimento.

Mais ambição, por favor - Além dos transportes, a outra grande notícia da conferência foi a publicação da proposta inicial de decisão da COP26 pela Presidência. O documento final deve ser divulgado no fechamento da conferência, nesta sexta-feira.

Pela primeira vez, o texto incluiu a menção de ‘perdas e danos’ e um apelo pelo fim dos subsídios aos combustíveis fósseis. 

O esboço do documento ainda pede aos países que reforcem seus compromissos nacionais e apresentem suas estratégias para a eliminar as emissões de gases de efeito estufa, permitindo manter a meta de aquecimento em até 1,5 grau Celsius. 

“Os olhos do mundo estão muito voltados para nós. Portanto, peço que vocês estejam à altura do desafio”, disse o presidente da COP26, Alok Sharma, aos negociadores durante uma plenária informal. 

“Todos aceleramos o ritmo esta semana e ainda tenho a intenção de terminar a COP26 no final da sexta-feira para maior clareza!” disse, provocando risos nervosos na sala, já que as negociações da COP26 são conhecidas por se estenderem além de seu dia oficial. 

casa danificada devido às mudanças climáticas
Legenda: Milhares de pessoas já tiveram que se deslocar após desastres climáticos destruírem suas casas e comunidades
Foto: © Monica Chiriac/OIM

No final do dia, Sharma disse aos jornalistas que o texto, redigido por seu escritório, mudará e evoluirá à medida que os países começarem a se envolver nos detalhes, mas o compromisso de acelerar a ação nesta década deve ser “inabalável”. 

“Quero ser claro: não pretendemos reabrir o Acordo de Paris. O Acordo de Paris estabelece claramente a meta de temperatura bem abaixo de 2 graus e busca esforços para 1,5 grau”, afirmou, acrescentando que a Presidência tem como objetivo traçar um caminho através dos três pilares principais de Paris: financiamento, adaptação e mitigação. 

Ele disse que chegar à versão final do texto seria uma tarefa “desafiadora”, mas ressaltou que há muito risco se um resultado ambicioso não for alcançado. “Todo mundo sabe o que está em jogo nesta negociação. O que concordarmos em Glasgow definirá o futuro de nossos filhos e netos, e sabemos que ninguém quer decepcioná-los”, destacou. 

Sharma citou as palavras da primeira-ministra de Barbados, Mia Motley, na semana passada: “Dois graus para o seu país e muitos outros é uma sentença de morte”. 

“Estamos lutando com unhas e dentes para ter um resultado ambicioso, e lembrei aos negociadores que os líderes mundiais estabeleceram ambições na semana passada e precisamos cumprir. [Se isso não acontecer] os negociadores e líderes mundiais terão que olhar as pessoas em seus países e em outros países e explicar por que não conseguimos”, ressaltou. 

Sociedade civil - Membros da ONG Climate Action Network receberam bem a primeira menção de “perdas e danos”, reconhecendo que as comunidades que lidam com os desafios de reconstrução e recuperação após desastres climáticos precisam do apoio do mundo, mas disseram que as palavras do texto eram apenas “bonitinhas”. 

“No final das contas, elas não farão diferença para as comunidades, para os pequenos agricultores, para as mulheres e meninas no Sul Global. Este texto ainda não fará nada por aqueles que foram mais atingidos por enchentes fatais, ciclones, secas, aumento do nível do mar”, afirmou a coordenadora de Política Climática da Actionaid Internacional, Teresa Anderson. 

Ela adicionou que o texto é uma “retórica vazia” e que chamar a situação de “urgente” não significa nada sem um compromisso real com a ação. 

Exigência por mais ação - “Se a COP26 não combinar seu reconhecimento de urgência com uma ação real para enfrentá-la, para atender às necessidades das pessoas na linha de frente da crise, então será em vão. Um texto que cria a ilusão de ação é sem dúvida pior do que nenhum texto”, declarou. Ela acrescentou que as pessoas do mundo estão cansadas de “fingimento” e de “líderes inertes enquanto a devastação está vindo em nossa direção”. 

Anderson ainda afirmou que os líderes mundiais precisam eliminar todos os combustíveis fósseis, não apenas o carvão. Ela também citou que é necessário reconhecer a equidade, exigindo mais dos maiores poluidores e vinculando o apelo à ação, com o financiamento dos países em desenvolvimento. 

Finalmente, ela disse que as promessas de zerar emissões são um mito usado por poluidores e governos para atrair as pessoas a uma falsa sensação de segurança de que a crise climática está sendo tratada. 

"Se você tentar ir além da superfície da meta de zerar emissões, provavelmente procurará em vão por uma transformação sistêmica radical em energia, alimentos, transporte e sistemas industriais que são urgentemente necessários para garantir um planeta habitável”, disse. 

A ativista declarou ainda que, com o rascunho do documento final, os líderes estão “ainda nos decepcionam” com palavras vazias que não estão nos levando a atender o “enorme desafio que a humanidade enfrenta”. 

“Onde está o apoio para ajudar as pessoas forçadas a recolher os cacos dos desastres climáticos? Onde está a ação para atender toda essa urgência? Onde estão os compromissos para limitar o aquecimento global ou apoiar o financiamento do clima?”, concluiu. 

Ainda na quarta-feira, Greta Thunberg e outros jovens ativistas anunciaram no Twitter que enviaram uma carta às Nações Unidas apresentando uma petição legal ao secretário-geral António Guterres, pedindo que ele declare emergência climática, o que permitiria o envio de recursos e pessoal para os países mais suscetíveis aos desastres da mudança climática.

Sobre a COP26 - O objetivo principal da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, ou COP26, é induzir líderes mundiais a firmaram compromissos verdadeiros e efetivos para reduzir as emissões que causam o aquecimento do planeta o suficiente para evitar que as temperaturas subam mais de 1,5ºC em comparação com os níveis pré-industriais.

Também conhecida como Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o evento dura duas semanas, entre 31 de outubro e 12 de novembro.

Entidades da ONU envolvidas nesta atividade

ONU
Organização das Nações Unidas
UNFCCC
United Nations Framework Convention on Climate Change

Objetivos que apoiamos através desta iniciativa