Afegãos se sentem abandonados enquanto Talibã luta por legitimidade
18 novembro 2021
Uma crise de legitimidade internacional e nacional tem afetado o governo Talibã no Afeganistão. Enquanto isso, a população do país se sente abandonada pelo resto do mundo e enfrenta uma economia estagnada, a impossibilidade de sacar dinheiro e o medo de não conseguir se alimentar durante o inverno.
Os informes foram dados pela representante especial da ONU e chefe da Missão de Assistência da ONU no Afeganistão (UNAMA), Deborah Lyons, em uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Ela relatou ainda que as autoridades de fato estão se esforçando para serem reconhecidas como governo legítimo. E que, embora exista compromisso dessas autoridades com a ONU, isso tem sido insuficiente frente à insatisfação da população.
Para a representante especial, a única maneira de garantir o apoio internacional para o povo afegão é evitar o isolamento que caracterizou a experiência do grupo no poder anteriormente.
Três meses após o Talibã assumir o controle do Afeganistão, o governo de fato no país está imerso em uma crise de confiança interna e externa. Na quarta-feira (17) durante uma reunião do Conselho de Segurança, a representante especial da ONU e chefe da Missão de Assistência no Afeganistão (UNAMA), Deborah Lyons, reconheceu que passos hesitantes para buscar a legitimidade internacional estão sendo dados pelos representantes governamentais de fato. Entretanto, apesar de uma melhoria na situação de segurança, a população afegã se sente abandonada pela comunidade internacional e preocupada com sua nova liderança.
“Em última análise, o Talibã deve decidir se governará de acordo com as necessidades e direitos da diversificada população afegã, ou se governará com base em uma ideologia estreita e base étnica ainda mais estreita”, afirmou ela.
Falta engajamento - Enfatizando que os talibãs estão genuinamente tentando se apresentar como um governo, a representante da Missão destacou que eles são limitados pela falta de recursos e por uma ideologia política que colide com as normas internacionais de governança contemporâneas.
Além disso, o Talibã não conquistou a confiança da maioria dos afegãos nem convenceu os nacionais de sua capacidade de governar.
Considerando essa conjuntura, Lyons insistiu que a comunidade internacional deve permanecer engajada com os líderes do Talibã a fim de moldar um futuro mais positivo.
“Abandonar o povo afegão agora seria um erro histórico - um erro que já foi cometido antes com trágicas consequências”, alertou.
Déficits de confiança - A oficial da ONU descreveu as primeiras interações da equipe da Missão com a administração de fato do Talibã como engajamentos geralmente úteis e construtivos.
As autoridades de fato indicaram que desejam a presença da ONU e valorizam sua assistência.
Eles continuam a buscar reconhecimento internacional, bem como maneiras de superar o déficit de confiança que reconhecem existir entre eles e a comunidade internacional.
O Talibã continua a fornecer segurança ao pessoal da ONU e permitir amplo acesso humanitário, inclusive para mulheres trabalhadoras humanitárias, permitindo o acesso a partes do país que não eram visitadas há 15 anos.
“Tenha certeza de que não deixamos de tratar de questões difíceis com o Talibã, particularmente sobre os direitos das mulheres, educação das meninas e sobre denúncias de assédio e assassinatos extrajudiciais”, a representante especial informou o Conselho.
Mulheres e meninas - Lyons relatou que, em geral, o Talibã reconhece as preocupações da comunidade internacional - muitas vezes reconhecendo erros e tentando resolvê-los.
No entanto, eles também deixam claro que, por enquanto, há limites para as concessões que eles estão dispostos a fazer em certas questões, incluindo aquelas relacionadas aos direitos e liberdades das mulheres.
Embora as autoridades de fato tenham inicialmente garantido à comunidade global que protegeriam os direitos das mulheres dentro da lei islâmica - incluindo o direito à educação -, houve uma restrição geral de seus direitos e liberdades fundamentais.
As limitações tornaram-se óbvias, e vão desde o direito da mulher ao trabalho à sua ausência nos principais fóruns de decisão e nos escalões superiores do serviço público.
O governo anunciou que está trabalhando em uma política nacional para administrar o direito das meninas à educação.
Situação de emergência - A enviada alertou que o país está à beira de uma catástrofe humanitária que pode ser evitada. As sanções financeiras impostas ao Afeganistão “paralisaram o sistema bancário com impacto na economia”. Como exemplo, ela citou a queda do PIB que chegou a cerca de 40%.
O dinheiro está severamente limitado no país, com comerciantes sem acesso a crédito e pessoas comuns sem poder levantar suas economias. No setor público, os salários dos funcionários não podem ser pagos de forma integral.
Lyons contou ainda que “hospitais estão ficando sem remédios e dispensando pacientes” e quase metade dos afegãos enfrenta situação de crise ou níveis emergenciais de insegurança alimentar.
Os preços subiram à medida que as mercadorias se tornaram mais escassas, no que constitui uma punição para os afegãos mais pobres e vulneráveis”.
Construindo boas relações - A oficial da ONU também informou aos membros do Conselho que a população da nação geralmente se sente apreensiva com as intenções do Talibã.
Entre suas principais preocupações estão a economia paralisada, a incapacidade de sacar dinheiro e o medo de não conseguir se alimentar durante o inverno.
A ONU também recebeu relatos confiáveis de buscas domiciliares e assassinatos extrajudiciais de ex-funcionários e funcionários de segurança do governo.
Enquanto isso, até o momento, o Talibã provou sua incapacidade de conter a expansão do Estado Islâmico no Iraque e do Levante - Província de Khorasan (ISIL-KP), onde os ataques terroristas aumentaram de 60 em 2020 para 334 até agora neste ano.
Nesse contexto, Lyons pediu o estabelecimento gradual de relações construtivas entre o Afeganistão e o mundo em geral.
“A melhor forma de promover a estabilidade e o apoio internacional no futuro é que o Talibã evite o isolamento que caracterizou sua experiência anterior no poder”, frisou a representante especial