Empoderando a comunidade trans no Brasil
“Aspiro e participo da construção de um Brasil no qual pessoas trans, de gêneros e sexualidades diversas possam existir de forma plena.”
“Que de fato possamos habitar lugares seguros para todas as pessoas. Onde sejam possíveis caminhos, futuros, horizontes e projetos de vidas variados”.
É assim que Francisco Sena, membro da equipe da campanha nacional da ONU Livres & Iguais na ONU Brasil, imagina o país no futuro.
Com essa visão, a equipe da campanha na ONU Brasil, juntamente com a Casa Neon Cunha, organizou uma nova edição do Trans-formação – um curso em que pessoas trans, travestis e não binárias se reúnem para aprender sobre seus direitos humanos e como podem defendê-los. O curso se concentra especialmente no empoderamento das pessoas trans no país, tanto em nível pessoal quanto comunitário, por meio de programas de treinamento e orientação para facilitar seu acesso ao mercado de trabalho.
“Há um sufocamento subjetivo em ser uma pessoa trans no Brasil. Como se nossas histórias tivessem como único destino possível a precariedade e desumanização. Para que esse não seja o destino único, é preciso também que todas as pessoas estejam empenhadas em construir ambientes seguros e acolhedores. Assumir o compromisso coletivo de mudança e de criação de um país no qual possamos caminhar em segurança, estudar, construir famílias diversas, envelhecer, sonhar e sermos felizes.”
Um lugar seguro e acolhedor para aprendermos juntos
De fato, questões como segurança pública, desemprego, insegurança alimentar e moradia são enfrentadas pelas pessoas trans no Brasil. Os contextos educacionais – como escolas de ensino fundamental e médio, universidades e cursos profissionalizantes, entre outros – ainda são, na maioria das vezes, pouco acolhedores e até violentos. Isso continua a impactar negativamente a trajetória de vida de muitos.
De acordo com a Rede Nacional de Pessoas Trans no Brasil – Rede Trans Brasil, mais de um terço das pessoas trans pesquisadas em 10 capitais não concluiu o ensino fundamental, enquanto quase dois terços foram expulsos de uma instituição de ensino.
Nesse contexto, a abordagem do Trans-formação é incentivar o envolvimento de pessoas trans em todas as fases do programa, desde o planejamento até a implementação, reconhecendo e valorizando, assim, o conhecimento e as contribuições de profissionais trans. O mais importante, de acordo com as pessoas participantes, é que o programa criou um espaço de aprendizado acolhedor, projetado para promover o intercâmbio entre colegas e estreitar laços.
“O momento mais importante pra mim foi ver outras pessoas trans de São Bernardo e conseguir fazer amizades. Aprender sobre tantas outras experiências me fez sentir que eu não estou sozinha,” disse Gabriela, de São Bernardo do Campo, participante da edição deste ano do curso.
Os desafios cotidianos podem se tornar um pouco mais fáceis quando você não está sozinho. Francisco destacou que “uma das maiores conquistas do Trans-formação é conectar pessoas trans e construir juntos um espaço onde o cuidado, a segurança, o afeto e a responsabilidade social são o ponto central. Também posso ver no feedback das pessoas participantes que a aproximação com defensores de direitos humanos, bem como entre si, são elementos particularmente fortalecedores. Esses momentos passados em conjunto podem ajudar a construir narrativas mais positivas e poderosas sobre si mesmos e sobre o fato de serem trans em geral. Como profissional, ativista e pessoa trans, vejo minha experiência valorizada e integrada à continuidade do projeto, que foi um marco em minha carreira.”
Trinta pessoas do Norte e Sudeste do Brasil participaram da edição deste ano do programa, com um total de 109 pessoas formadas em suas quatro edições.
Construindo um futuro melhor para a comunidade trans brasileira
Após a conclusão do curso, toda a equipe se reuniu em São Paulo para o evento de formatura. Com novas habilidades e conexões, as pessoas formadas no Trans-formação 2023 aspiram transformar o país em um lugar onde a população trans possa prosperar.
Conhecendo bem as prioridades da comunidade trans brasileira, o formando Lucca, de Belém do Pará, na região amazônica, fala de algumas de suas principais aspirações:
“Acesso a moradia, serviços sociais, assistência médica com afirmação de gênero, bem como emprego – especialmente para nós que somos excluídes do mercado de trabalho. As bolsas de estudo devem ser acessíveis a quem mais precisa delas, incluindo pessoas trans, para incentivá-las a concluir a educação básica, e a oportunidade deve ser promovida em nível nacional.”
Essas prioridades se deparam com uma realidade marcada por diferentes formas de discriminação, conforme explicado por Francisco: “Pessoas trans, travestis e não binárias vivem no Brasil um estado de precarização radical, especialmente se forem negras e/ou moradoras de regiões periféricas. Prioritariamente, precisamos acessar de forma integral direitos fundamentais. Desde o reconhecimento legal de gênero ao acesso seguro aos espaços educacionais, à despatologização de nossas identidades e à segurança pública – o que, sem dúvida, é uma realidade alarmante.”
De acordo com a pesquisa de monitoramento realizada pela Transgender Europe referente ao período de janeiro de 2008 a setembro de 2023, o Brasil é o país com o maior índice de assassinatos documentados de pessoas transgênero no mundo.
A comunidade trans, no entanto, responde com resiliência, apoiando uns aos outros e seguindo em frente, um passo de cada vez. Gabriela compartilha o que está por vir para ela, agora que o curso terminou:
“Vivendo e aprendendo com os meus, e ajudando as pessoas que estão vindo, e educar outras pessoas sobre vidas e experiências trans. Sempre tentarei enriquecer nossas redes de apoio. Por meio de nossa visibilidade, meu grupo de cantoras trans vai ampliar o caminho para outros jovens que estão apenas começando suas jornadas.”
Para mais informações sobre o Trans-formação, visite a página da ONU Livres & Iguais no Brasil.