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ARTIGO: As Nações Unidas em um mundo de desafios globais crescentes

09 dezembro 2024

Recentemente, este ano, tive a honra de ser o palestrante convidado no jantar do Dia da ONU do Prefeito em Kansas City, Missouri, o evento mais antigo desse tipo nos Estados Unidos. O artigo abaixo é uma versão adaptada de meus comentários. 

Para o evento, pediram-me que respondesse à pergunta: “Aos 79 anos, as Nações Unidas ainda são adequadas ao seu propósito?” Para quem espera uma resposta do tipo “sim” ou “não”, receio que ficará desapontado. Abordo a questão separando o conceito das Nações Unidas de como a Organização tem cumprido o papel previsto neste conceito. 

Artigo de Maher Nasser, diretor da Divisão de Promoção do Departamento de Comunicação Global das Nações Unidas  

Vista do Salão da Assembleia Geral das Nações Unidas durante a abertura da Cúpula do Futuro, Nova York, 22 de setembro de 2024. Foto ONU/Loey Felipe
Legenda: “Aos 79 anos, as Nações Unidas ainda são adequadas ao seu propósito?" Foto: Vista do Salão da Assembleia Geral das Nações Unidas durante a abertura da Cúpula do Futuro, em 22 de setembro de 2024.
Foto: © ONU/Loey Felipe.

Artigo publicado pela série Crônicas da ONU, em 14 de novembro de 2024.  

Recentemente, este ano, tive a honra de ser o palestrante convidado no jantar do Dia da ONU do Prefeito em Kansas City, Missouri, o evento mais antigo desse tipo nos Estados Unidos. O artigo abaixo é uma versão adaptada de meus comentários. 

Para o evento, pediram-me que respondesse à pergunta: “Aos 79 anos, as Nações Unidas ainda são adequadas ao seu propósito?” Para quem espera uma resposta do tipo “sim” ou “não”, receio que ficará desapontado. Abordo a questão separando o conceito das Nações Unidas de como a Organização tem cumprido o papel previsto neste conceito. 

Se definirmos o multilateralismo como a adesão a um projeto político comum baseado no respeito a um sistema compartilhado de normas, regras, valores e princípios fundamentais, tais como diálogo, inclusão e solidariedade, então as Nações Unidas seriam o lar definitivo do multilateralismo. 

Com o maior número de membros de qualquer organização intergovernamental e a igualdade soberana entre seus Estados-membros, as Nações Unidas continuam sendo a criação política mais bem-sucedida da história recente. Esta função está adequada ao seu propósito. 

Nenhum país do mundo pode lidar sozinho com desafios globais. Países grandes e pequenos precisam de uma estrutura de cooperação para enfrentar problemas como os efeitos negativos da mudança climática; ameaças causadas por pandemias, crime organizado transnacional, terrorismo e grandes deslocamentos de pessoas; e a ansiedade e a incerteza sobre novas tecnologias, incluindo a Inteligência Artificial (IA). 

Na época de sua fundação, há 79 anos, as Nações Unidas eram compostas por 51 Estados-membros e a população mundial era de cerca de 2,3 bilhões de pessoas. Hoje, há 193 Estados-membros e dois Estados Observadores: o Estado da Palestina e a Santa Sé. A população global agora é de 8 bilhões. 

Oswaldo Aranha, representante brasileiro no Conselho de Segurança das Nações Unidas e presidente da primeira Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 28 de abril de 1947. Crédito: ONU.
Legenda: Oswaldo Aranha, representante brasileiro no Conselho de Segurança das Nações Unidas e presidente da primeira Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 28 de abril de 1947.
Foto: © ONU.

Até o final deste século, as Nações Unidas projetam que a população mundial se estabilizará em cerca de 10,4 bilhões, dos quais quase 4 bilhões viverão na África (38%), em comparação com os atuais 1,4 bilhão (17,5%). As populações dos países da Europa e das Américas, permanecerão, em sua maior parte, inalteradas, enquanto vários países do mundo terão populações reduzidas com uma proporção crescente de idosos. 

A igualdade de gênero, a sustentabilidade e os direitos humanos eram conceitos incomuns ao final da Segunda Guerra Mundial.  

A descolonização, um processo que foi facilitado pelas Nações Unidas, permitiu que as ex-colônias que foram exploradas sob o domínio colonial se juntassem ao grupo dos Estados soberanos, principalmente nas décadas de 1950 e 1960. Mas o desenvolvimento desses países foi sufocado pelo legado do colonialismo e pelas tensões geopolíticas durante e após a Guerra Fria. Muitas dessas nações foram prejudicadas pela interferência em seus assuntos internos por antigas potências coloniais, controle estrangeiro da exploração de recursos naturais, corrupção, conflitos internos etc. Outros fatores incluem dívidas e pagamentos de juros que, muitas vezes, excedem em muito o que esses países podem gastar em saúde, educação e infraestrutura juntos. O sistema financeiro internacional, em sua configuração atual, não é capaz de lidar com esse legado. 

Em 1945, nenhum satélite artificial orbitava a Terra. O primeiro satélite foi lançado em 1957, e o primeiro ser humano só foi enviado ao espaço em 1961. De acordo com o Escritório das Nações Unidas para Assuntos do Espaço Sideral, existem atualmente mais de 13.700 objetos em órbita da Terra.  

No final da Segunda Guerra Mundial, não havia Internet, telefones celulares, mídia social ou Inteligência Artificial. Hoje, a maioria de nós usa plataformas digitais e depende de tecnologias digitais para a maioria de nossas comunicações, transações financeiras, entretenimento, notícias e muito mais. No entanto, nada disso é regulamentado de forma a proteger nossa privacidade, os direitos humanos, a liberdade de expressão, e nos proteger do discurso de ódio e desinformação. As tecnologias de IA têm um grande potencial, mas não há barreiras para garantir que elas não se tornem uma ameaça à nossa própria existência. 

Igualdade de gênero, sustentabilidade e direitos humanos eram conceitos incomuns no final da Segunda Guerra Mundial. Na maioria dos países, as mulheres não tinham o direito de votar ou ocupar cargos políticos e, em alguns casos, não eram vistas como membros iguais da sociedade. Os direitos humanos não eram reconhecidos como um valor universal. Em todo o mundo, a alfabetização, a expectativa de vida, a saúde materna e a mortalidade infantil eram muito piores do que hoje. Mas, com o passar dos anos, a desigualdade aumentou entre os Estados e dentro deles. Em um mundo em rápida mudança, muitos observaram que a governança global não acompanhou o ritmo de adaptação às novas realidades. 

Na Declaração sobre a comemoração do septuagésimo quinto aniversário das Nações Unidas (a Declaração ONU75), os Estados-Membros reconheceram que o mundo mudou. Na Declaração, que foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 21 de setembro de 2020, em meio à pandemia da COVID-19, os Estados-membros se comprometeram a fortalecer a governança global para as gerações presentes e futuras. Eles solicitaram ao secretário-geral das Nações Unidas que apresentasse um relatório com recomendações para responder aos desafios atuais e futuros. 

Em setembro de 2021, o secretário-geral António Guterres respondeu com seu relatório, Our Common Agenda (Nossa Agenda Comum), um chamado para acelerar a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e fazer avançar os compromissos contidos na Declaração da ONU75.  

Nossa Agenda Comum abordou as lacunas que surgiram desde 2015, ano em que os 17 ODS foram adotados. Ela cobrou um multilateralismo inclusivo, em rede e mais eficaz para melhorar os resultados para as pessoas e o planeta, e para nos colocar de volta no caminho certo para alcançar os ODS até o prazo de 2030. Além de definir possíveis soluções, a Nossa Agenda Comum solicitou uma Cúpula do Futuro para forjar um novo consenso global sobre como a humanidade poderia se preparar para um futuro repleto de riscos diferentes dos das décadas anteriores e como poderia aproveitar melhor as oportunidades criadas por novas tecnologias, como a IA.  

Na abertura da Cúpula dos ODS, em 18 de setembro de 2023, o secretário-geral da ONU, António Guterres, propôs um Plano de Resgate Global composto por 6 iniciativas de alto impacto: ação contundente em relação à fome; acelerar a transição justa para fontes de energia limpa e renovável; melhorar a governança digital; construir “sociedades de aprendizagem”, com foco em educação de qualidade ao longo da vida; aumentar maciçamente o investimento em proteção social; e acabar com a guerra contra a natureza.
Legenda: Na abertura da Cúpula dos ODS, em 18 de setembro de 2023, o secretário-geral da ONU, António Guterres, propôs um Plano de Resgate Global composto por 6 iniciativas de alto impacto: ação contundente em relação à fome; acelerar a transição justa para fontes de energia limpa e renovável; melhorar a governança digital; construir “sociedades de aprendizagem”, com foco em educação de qualidade ao longo da vida; aumentar maciçamente o investimento em proteção social; e acabar com a guerra contra a natureza.
Foto: © ONU/Cia Pak.

Após quase dois anos de negociações, os Estados-membros se reuniram na Cúpula do Futuro em Nova Iorque nos dias 22 e 23 de setembro de 2024 e adotaram o Pacto para o Futuro, que inclui o Pacto Digital Global e a Declaração sobre as Gerações Futuras. O Pacto para o Futuro abrange uma ampla gama de temas, incluindo paz e segurança, desenvolvimento sustentável, mudança climática, cooperação digital, direitos humanos, gênero, juventude e gerações futuras e a transformação da governança global. Agora vem o trabalho árduo de implementação e de garantir que as lideranças políticas cumpram esses compromissos e promessas. 

Há um amplo reconhecimento entre os Estados-membros de que as Nações Unidas precisam ser mais ágeis e rápidas na resposta aos maiores problemas do mundo, e que precisam ser mais inclusivas, trazendo de forma significativa as vozes da sociedade civil, do setor privado e do meio acadêmico. 

A verdadeira força do trabalho que realizamos está em como ele impacta positivamente a vida das pessoas em todo o mundo, e não apenas nos acordos e compromissos assumidos em Nova Iorque. As mudanças que afetam a vida das pessoas e são diretamente importantes para elas acontecem muitas vezes em nível local e comunitário, portanto, é necessário capacitar, ampliar e replicar ideias e soluções provenientes de governos regionais e locais. 

O rumo do trabalho das Nações Unidas nos próximos meses e anos se concentrará em como nossa instituição pode abordar melhor a paz e a segurança, o desenvolvimento sustentável e os direitos humanos para todas as pessoas, inclusive para as gerações futuras. Esses foram os três principais pilares do trabalho das Nações Unidas em sua fundação em 1945 e continuam sendo o núcleo de sua missão hoje. 

Abordarei brevemente cada uma dessas três áreas.

É justo dizer que as Nações Unidas ajudaram efetivamente a evitar uma terceira guerra mundial, mas outros conflitos armados eclodiram ao longo dos anos e continuam a ser motivo de grande preocupação para a comunidade internacional. Em fevereiro de 2022, a Federação Russa, um dos cinco membros permanentes e detentores do poder de veto no Conselho de Segurança, invadiu a vizinha Ucrânia; a guerra continua inabalável, com enorme sofrimento para os civis. Os impactos da guerra na Ucrânia são sentidos não apenas na Europa, mas em todo o mundo, que está sofrendo com o aumento dos preços da energia e dos alimentos. 


O ano passado testou a humanidade em todos os sentidos.  O Relatório Anual das Nações Unidas 2024 mostra que, apesar das dificuldades, o progresso é possível e a mudança é alcançável.

Legenda: O ano passado testou a humanidade em todos os sentidos. O Relatório Anual das Nações Unidas 2024 mostra que, apesar das dificuldades, o progresso é possível e a mudança é alcançável.

Há um ano e meio, uma guerra civil eclodiu no Sudão, resultando no deslocamento de mais de 8,6 milhões de pessoas de suas casas e causando o que vários observadores chamaram de a maior crise de fome do mundo. 

Há mais de um ano, em outubro de 2023, o conflito explodiu no Oriente Médio após o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, no qual cerca de 1.200 pessoas foram mortas e cerca de 250 reféns foram feitos; o secretário-geral exigiu a libertação de todos os reféns sempre que falou sobre esse assunto. A reocupação física de Gaza por Israel e o bombardeio contínuo causaram a morte de mais de 43.000 pessoas em Gaza, a maioria das quais são mulheres e crianças. Isso também resultou no deslocamento de mais de 90% da população e, de acordo com algumas estimativas, dois terços de todas as estruturas da Faixa de Gaza sofreram danos. Apesar dos vários pedidos de cessar-fogo feitos pelo secretário-geral e outras autoridades, parece não haver um fim à vista para este pesadelo, que agora se expande e toma proporções regionais. 

Com o objetivo de permitir que o Conselho de Segurança enfrente e resolva melhor esses e outros conflitos, o Pacto para o Futuro inclui o compromisso mais progressivo e concreto com a reforma do Conselho de Segurança desde a década de 1960. Ele estabeleceu planos para melhorar a eficácia e a representação do Conselho, inclusive corrigindo a sub-representação histórica da África como uma prioridade. O Pacto contém o primeiro compromisso multilateral com o desarmamento nuclear em mais de uma década, com o objetivo claro de eliminar totalmente as armas nucleares. Ele também inclui um acordo para fortalecer as estruturas internacionais que regem o uso do espaço sideral, estabelecendo um compromisso para evitar uma corrida armamentista no espaço e levando em conta a necessidade de garantir que todos os países possam se beneficiar do uso seguro e sustentável do espaço sideral. Por fim, o Pacto para o Futuro descreve as etapas para evitar o armamento e o uso indevido de novas tecnologias, como armas autônomas letais, e afirma que as leis da guerra devem ser aplicadas ao uso de quaisquer novas tecnologias. 

A Declaração sobre as Gerações Futuras descreve etapas concretas para levar em conta as gerações futuras em nossa tomada de decisões no presente.   

Também precisamos demonstrar melhores resultados na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, e o Pacto também aborda essa questão. Ele tem como objetivo turbinar a implementação dos ODS e contém o primeiro acordo nas Nações Unidas sobre a necessidade de reformar a arquitetura financeira internacional para que ela represente e atenda melhor os países em desenvolvimento. Em relação às mudanças do clima, o Pacto confirma a necessidade de limitar aumento da temperatura global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais e de fazer a transição dos combustíveis fósseis para sistemas limpos de energia, com o objetivo de atingir emissões líquidas zero até 2050. 

O Pacto para o Futuro inclui promessas de fortalecer nosso trabalho em direitos humanos, igualdade de gênero e empoderamento das mulheres, além de fazer um claro apelo à ação para proteger as pessoas defensoras dos direitos humanos. É importante ressaltar que o Pacto contém fortes sinais sobre a importância do envolvimento de outras partes interessadas na governança global, incluindo governos locais e regionais, sociedade civil, setor privado, academia e outros. 

O Pacto Digital Global, que também integra o Pacto para o Futuro, representa a primeira estrutura global abrangente para cooperação digital e governança de IA. Ele contém um compromisso de projetar, usar e governar a tecnologia para o benefício de todas as pessoas.  

Por fim, a Declaração sobre as Gerações Futuras descreve medidas concretas para levar em conta as gerações futuras em nossa tomada de decisões. Ela contém um compromisso de oferecer oportunidades mais significativas para que os jovens participem das decisões que moldam suas vidas. 

Embora o Pacto para o Futuro estabeleça disposições para ações de monitoramento para garantir que os compromissos acordados sejam implementados, a história nos diz que as pessoas que estão no poder sempre precisarão ser lembradas de suas obrigações e responsabilizadas para garantir a implementação. 

Agora que vocês estão “por dentro”, são também responsáveis por defender a implementação do Pacto para o Futuro. 

Trabalhar para cumprir a ambição de um mundo em que todas as pessoas prosperem em paz, dignidade, igualdade e justiça em um planeta saudável não é apenas responsabilidade das Nações Unidas. É também sua responsabilidade.  

A série de Crônicas da ONU (UN Chronicle) não é um registro oficial. Ela promove perspectivas de funcionários seniores das Nações Unidas, bem como colaboradores ilustres de fora do sistema das Nações Unidas, cujas opiniões não refletem necessariamente as das Nações Unidas. Da mesma forma, as fronteiras nacionais e nomes de países mostrados e as designações usadas em mapa não implicam necessariamente em endosso ou aceitação pelas Nações Unidas. 

Entidades da ONU envolvidas nesta atividade

ONU
Organização das Nações Unidas
UNDGC
United Nations Department of Global Communications

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