Guterres: "Os direitos humanos são o oxigênio da humanidade"
Discurso do secretário-geral da ONU, António Guterres, na abertura da 58ª sessão do Conselho de Direitos Humanos, em 24 de fevereiro de 2025, em Genebra.
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Presidente da Assembleia Geral, presidente do Conselho dos Direitos Humanos, Alto Comissário,
Excelências, Senhoras e Senhores,
Começamos esta seção sob o peso de um marco sombrio - o terceiro aniversário da invasão da Ucrânia pela Rússia, em violação da Carta das Nações Unidas.
Mais de 12.600 civis mortos e muitos mais feridos.
Comunidades inteiras reduzidas a escombros.
Hospitais e escolas foram destruídos.
Não devemos poupar esforços para pôr fim a este conflito e alcançar uma paz justa e duradoura, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, o direito internacional e as resoluções da Assembleia Geral.
Conflitos como a guerra na Ucrânia têm um preço elevado.
Um custo para as pessoas.
Um custo para princípios fundamentais, como a integridade territorial, a soberania e o Estado de Direito.
E um custo para a atividade vital deste Conselho.
Sem o respeito pelos direitos humanos - civis, culturais, econômicos, políticos e sociais - a paz sustentável é um sonho impossível.
E, tal como este Conselho, os direitos humanos fazem brilhar uma luz nos lugares mais sombrios.
Através do seu trabalho e do trabalho do Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos em todo o mundo, apoiamos corajosas pessoas defensoras dos direitos humanos que correm o risco de serem perseguidas, detidas e até mesmo mortas.
Trabalhamos com os governos, a sociedade civil e outros parceiros para reforçar a ação em matéria de direitos humanos.
E apoiamos investigações e a responsabilização dos perpetradores de crimes.
Excelências,
O nosso trabalho está sendo feito.
Os direitos humanos são o oxigênio da humanidade.
Mas, um a um, os direitos humanos estão sendo sufocados.
Por autocratas, que esmagam a oposição porque temem o que um povo verdadeiramente capacitado faria.
Por um patriarcado que mantém as mulheres fora da escola e as mulheres à distância de seus direitos fundamentais.
Por guerras e violência que privam as populações do seu direito à alimentação, à água e à educação.
Por belicistas que desdenham o direito internacional, o direito humanitário internacional e a Carta das Nações Unidas.
Os direitos humanos estão sendo sufocados pela crise climática.
E por um sistema financeiro global moralmente falido que, com demasiada frequência, obstrui o caminho para uma maior igualdade e um desenvolvimento sustentável.
Por tecnologias descontroladas, como a Inteligência Artificial, que são muito promissoras, mas que também têm a capacidade de violar os direitos humanos com o simples toque de um botão.
Pela crescente intolerância contra grupos inteiros - desde os povos indígenas, aos migrantes e refugiados, à comunidade LGBTQI+, às pessoas com deficiência.
E por vozes de divisão e raiva que veem os direitos humanos não como um benefício para a humanidade, mas como uma barreira ao poder, ao lucro e ao controle que procuram.
Em resumo, os direitos humanos estão sendo fortemente atacados.
Isto representa uma ameaça direta a todos os mecanismos e sistemas duramente conquistados e estabelecidos ao longo dos últimos 80 anos para proteger e promover os direitos humanos.
Os conflitos infligem violações dos direitos humanos em grande escala.
Nos Territórios Palestinos Ocupados, as violações dos direitos humanos dispararam desde os horríveis ataques do Hamas de 7 de outubro e os níveis intoleráveis de morte e destruição em Gaza.
E estou seriamente preocupado com o aumento da violência na Cisjordânia ocupada por colonos israelenses e outras violações, bem como com os apelos à anexação. Estamos assistindo a um cessar-fogo precário. Temos de evitar a todo o custo um recomeço das hostilidades. A população de Gaza já sofreu demais.
É tempo de um cessar-fogo permanente, da libertação digna de todos os reféns que ainda restam, de progressos irreversíveis no sentido de uma solução de dois Estados, do fim da ocupação e da criação de um Estado palestino independente, de que Gaza seja parte integrante.
No Sudão, o derramamento de sangue, os deslocamentos forçados e a fome invadem o país.
As partes em conflito devem tomar medidas imediatas para proteger os civis, defender os direitos humanos, cessar as hostilidades e forjar a paz.
E os mecanismos nacionais e internacionais de monitorização e investigação dos direitos humanos devem ser autorizados a documentar o que está acontecendo no terreno.
Na República Democrática do Congo, assistimos a um turbilhão mortal de violência e a horríveis violações dos direitos humanos, amplificadas pela recente ofensiva do M23, apoiada pelas Forças de Defesa de Ruanda.
À medida que mais cidades caem, o risco de uma guerra regional aumenta.
Chegou o momento de silenciar as armas.
É tempo de diplomacia e de diálogo.
A recente Cúpula na Tanzânia ofereceu um caminho a seguir com um apelo renovado a um cessar-fogo imediato.
A soberania e a integridade territorial da República Democrática do Congo devem ser respeitadas.
O povo congolês merece a paz.
No Sahel, apelo a um diálogo regional renovado para proteger os cidadãos do terrorismo e das violações sistêmicas dos direitos humanos e para criar as condições para um desenvolvimento sustentável.
Em Mianmar, a situação agravou-se muito nos quatro anos desde que os militares tomaram o poder e detiveram arbitrariamente membros do governo democraticamente eleito.
Precisamos de uma maior cooperação para pôr termo às hostilidades e abrir caminho a uma transição democrática inclusiva e ao regresso ao regime civil, permitindo o regresso em segurança dos refugiados Rohingya.
E, no Haiti, estamos a assistir a violações maciças dos direitos humanos - incluindo mais de um milhão de pessoas deslocadas e crianças que enfrentam um aumento terrível da violência sexual e do recrutamento para gangues.
Nos próximos dias, apresentarei propostas ao Conselho de Segurança das Nações Unidas com vista a uma maior estabilidade e segurança para o povo do Haiti - nomeadamente através de um mecanismo de assistência eficaz da ONU para apoiar a Missão Multilateral de Apoio à Segurança, a polícia nacional e as autoridades haitianas.
Uma solução duradoura exige um processo político - liderado e assumido pelo povo haitiano - que restabeleça as instituições democráticas através de eleições.
O Pacto para o Futuro apela a processos e abordagens de paz baseados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no direito internacional e na Carta das Nações Unidas.
Propõe ações específicas para dar prioridade à prevenção de conflitos, à mediação, à resolução e à construção da paz. E inclui um compromisso no sentido de atacar as causas profundas dos conflitos, que tão frequentemente estão enredadas na negação das necessidades e direitos humanos básicos.
Segundo - o Pacto para o Futuro promove os direitos humanos através do desenvolvimento.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e os direitos humanos estão fundamentalmente interligados.
Representam necessidades humanas reais - saúde, alimentação, água, educação, trabalho digno e proteção social.
Com menos de um quinto dos Objetivos no caminho certo, o Pacto apela a uma aceleração maciça através de um estímulo aos ODS, reformando a arquitetura financeira global e tomando medidas significativas para os países afogados em dívidas.
Isto deve incluir uma ação focalizada para vencer o abuso dos direitos humanos mais difundido na história - a desigualdade para as mulheres e meninas.
O Pacto apela ao investimento no combate a todas as formas de discriminação e violência contra as mulheres e as meninas e à garantia da sua participação e liderança significativas em todos os sectores da vida.
E, juntamente com a Declaração sobre as Gerações Futuras, o Pacto apela ao apoio aos direitos e ao futuro dos jovens através de um trabalho digno, da eliminação dos obstáculos à participação dos jovens e do reforço da formação.
E o Pacto Digital Global apela às nações para que defendam os jovens inovadores, fomentem o espírito empreendedor e dotem a próxima geração de alfabetização e competências digitais.
Terceiro - o Pacto para o Futuro reconhece que o Estado de Direito e os direitos humanos andam de mãos dadas.
O Estado de Direito, quando fundamentado nos direitos humanos, é um pilar essencial de proteção.
Protege as pessoas mais vulneráveis.
É a primeira linha de defesa contra o crime e a corrupção.
Apoia economias e sociedades equitativas, justas e inclusivas.
Responsabiliza os autores de atrocidades contra os direitos humanos.
Permite um espaço cívico para que as pessoas façam suas vozes serem ouvidas - e para que os jornalistas realizem o seu trabalho essencial, livres de interferências ou ameaças.
E reafirma o compromisso do mundo com a igualdade de acesso à justiça, a boa governança e instituições transparentes e responsáveis.
Quarto - direitos humanos através da ação climática.
O ano passado foi o mais quente em registro - coroando a década mais quente já registrada.
O aumento do calor, o derretimento das geleiras e o aquecimento dos oceanos são uma receita para o desastre.
Inundações, secas, tempestades mortais, fome, deslocações em massa - a nossa guerra contra a natureza é também uma guerra contra os direitos humanos.
Temos de escolher um caminho diferente.
Saúdo os muitos Estados-membros que reconhecem legalmente o direito a um ambiente saudável - e apelo a todos os países para que façam o mesmo.
Os governos têm de cumprir a sua promessa de produzir novos planos de ação nacionais para o clima para toda a economia este ano, muito antes da COP 30 no Brasil.
Esses planos devem limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus, através da aceleração da transição energética global.
Precisamos também de um aumento do financiamento da ação climática nos países em desenvolvimento, para nos adaptarmos ao aquecimento global, reduzirmos as emissões e acelerarmos a revolução das energias renováveis, que representa uma enorme oportunidade econômica.
Temos de fazer frente à campanha enganosa de muitos elementos da indústria dos combustíveis fósseis e dos seus facilitadores, que ajudam a instigar esta loucura, ao mesmo tempo que protegem e defendem aqueles que estão na linha da frente da justiça climática.
E quinto - direitos humanos através de uma governança mais forte e melhor da tecnologia.
À medida que as tecnologias em rápida evolução se expandem para todos os aspectos das nossas vidas, preocupa-me profundamente que os direitos humanos sejam postos em causa.
No seu melhor, as redes sociais são um ponto de encontro para as pessoas trocarem ideias e suscitar um debate respeitoso.
Mas também podem ser uma arena de combates inflamados e de ignorância flagrante.
Um lugar onde os venenos da desinformação, do racismo, da misoginia e do discurso de ódio não só são tolerados, como muitas vezes encorajados.
A violência verbal on-line pode facilmente transformar-se em violência física na vida real.
Os recentes retrocessos na verificação de fatos e na moderação de conteúdos nas redes sociais estão reabrindo as portas a mais ódio, mais ameaças e mais violência.
Não nos enganemos.
Estes retrocessos conduzirão a menos liberdade de expressão, e não a mais, uma vez que as pessoas têm cada vez mais medo de se envolverem nestas plataformas.
Entretanto, a grande promessa da Inteligência Artificial é acompanhada pelo perigo ilimitado de minar a autonomia humana, a identidade humana, o controle humano - e, sim, os direitos humanos.
Face a estas ameaças, o Pacto Digital Global reúne o mundo para garantir que os direitos humanos não sejam sacrificados no altar da tecnologia.
Isto inclui trabalhar com empresas digitais e decisores políticos para expandir os direitos humanos a todos os cantos do ciberespaço - incluindo um novo enfoque na integridade da informação nas plataformas digitais.
Os Princípios Globais para a Integridade da Informação que lancei no ano passado irão apoiar e informar este trabalho, à medida que promovemos um ecossistema de informação mais humano.
O Pacto Digital Global inclui também o primeiro acordo universal sobre a governança da IA que reúne todos os países e compromissos sobre o reforço das capacidades, para que todos os países e pessoas beneficiem do potencial da IA.
Investindo na Internet a preços acessíveis, na literacia digital e nas infra-estruturas.
Ajudando os países em desenvolvimento a utilizar a IA para fazer crescer as pequenas empresas, melhorar os serviços públicos e ligar as comunidades a novos mercados.
E colocando os direitos humanos no centro dos sistemas orientados para a IA.
As decisões do Pacto de criar um Painel Científico Internacional Independente sobre IA e um Diálogo Global contínuo que garanta que todos os países tenham voz ativa na definição do seu futuro são importantes passos em frente. Temos de os pôr em prática.
Excelências, Senhoras e Senhores,
Podemos ajudar a acabar com a asfixia dos direitos humanos dando vida ao Pacto para o Futuro e ao trabalho deste Conselho.
Façamo-lo em conjunto. Não temos um momento a perder.
E eu vos agradeço.
Para saber mais, acompanhe a cobertura completa da ONU News em português: https://news.un.org/pt/story/2025/02/1845366
Discurso de
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