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'Empoderamento nos permitiu modificar nossa realidade violenta', diz travesti brasileira na ONU

14 agosto 2017

Taya Carneiro foi à sede da ONU falar sobre desafios e conquistas da população trans no Brasil. Foto: Arquivo pessoal
Legenda: Taya Carneiro foi à sede da ONU falar sobre desafios e conquistas da população trans no Brasil. Foto: Arquivo pessoal





Taya Carneiro tem 24 anos e é formada em Comunicação Organizacional pela Universidade de Brasília (UnB), instituição na qual atualmente cursa mestrado. Travesti, ela ajudou a criar dois coletivos que promovem a busca por direitos e a não discriminação. Ativa apoiadora da Livres & Iguais, a campanha da ONU pela igualdade de direitos da população LGBTI, Taya foi a jovem brasileira convidada para participar do evento oficial das Nações Unidas para o Dia Internacional da Juventude, realizado na sexta-feira (11) na sede do organismo internacional em Nova Iorque.



A juventude trans na linha de frente do enfrentamento à violência e à discriminação



Falando no painel “Construção da paz e prevenção da violência”, Taya afirmou que o trabalho que ela realiza está relacionado à sua história de vida. Oriunda de uma periferia de Brasília, ela conta que, desde criança, já enfrentava violência e pensava que o único modo de escapar a essa situação era mudar de país: “eu sonhava em vir para os Estados Unidos, como eu via nos filmes. Eu pensava: lá eu vou estar segura”.



No entanto, quando ela cresceu e teve suas primeiras experiências com o ativismo e com programas de promoção de jovens lideranças, acabou trocando a ideia de fuga pela de resistência. Taya descobriu que tinha a capacidade de ocupar espaços estratégicos de tomada de decisão, a fim de mudar a realidade violenta em que vivia.



Com as novas possibilidades, porém, ela também percebeu que esses espaços frequentemente são inacessíveis para a maior parte dos jovens, especialmente aqueles pertencentes a grupos mais discriminados. “Foi por isso que eu e outros colegas iniciamos nossos próprios projetos de empoderamento dessa juventude que é esquecida pelas políticas públicas e muito vulnerável à violência."

Nós concentramos a maior quantidade de homicídios LGBTIfóbicos

no mundo. Isso faz mulheres transexuais e travestis,

como eu, terem uma expectativa de vida de 33 anos,

enquanto a média da sociedade é de 70 anos.



Taya fez parte da Corpolítica, um projeto interseccional que promove o empoderamento de mulheres, afrodescendentes, pessoas LGBTI e pessoas vivendo nas periferias urbanas do Distrito Federal. Inspirada na metodologia da educação popular, a Corpolítica permite que todos os seus integrantes sejam simultaneamente alunos e professores, aprendendo uns com os outros e combinando conhecimentos tradicionais sobre política e direito às suas próprias vivências.



Já com a experiência adquirida na Corpolítica, Taya ajudou a fundar a ULTRA – União Libertária de Travestis e Mulheres Transexuais, um grupo que tem o mesmo objetivo de promover o empoderamento de jovens mulheres trans. “Os resultados foram maravilhosos. As integrantes da ULTRA se tornaram referências e começaram a ser convidadas para palestras em escolas e universidades públicas e privadas e, na mídia, ensinando pessoas como prevenir a violência e a discriminação", explica a brasileira.



A ULTRA atua ao lado de diversas organizações para promover a igualdade de direitos da população trans e contribuir para mudar a cultura de violência contra as travestis e homens e mulheres transexuais. De acordo com Taya, “o empoderamento nos permitiu agir para modificar nossa realidade violenta”.



[caption id="attachment_127485" align="alignright" width="468"]Material da campanha 'Sobre Viver Trans', iniciativa lançada no Dia da Visibilidade Trans pela Livres & Iguais. Imagem: ONU/Livres & Iguais Material da campanha 'Sobre Viver Trans', iniciativa lançada no Dia da Visibilidade Trans pela Livres & Iguais. Imagem: ONU/Livres & Iguais[/caption]



No evento em Nova Iorque, Taya compartilhou com o mundo os elevados índices de mortalidade de jovens no Brasil. “Quando eu digo ‘juventude’, não estou afirmando que se trata de um grupo homogêneo, pois somos tão diversos quanto a população brasileira, e alguns grupos são muito mais vulneráveis à violência”, alerta.



O Mapa da Violência de 2016 aponta que os números de assassinatos de crianças e adolescentes negros são 178% maiores que de brancos. Do conjunto da população na faixa etária até os 17 anos, em 2013, a taxa de homicídios de brancos foi de 4,7 por 100 mil habitantes e de negros 13,1 por 100 mil.



Taya também falou sobre as taxas de feminicídio, de violência contra mulheres transexuais e travestis e contra a juventude LGBTI como um todo. “A juventude LGBTI também é muito vulnerável à violência no Brasil, já que nós concentramos a maior quantidade de homicídios LGBTIfóbicos no mundo. Isso faz mulheres transexuais e travestis, como eu, terem uma expectativa de vida de 33 anos, enquanto a média da sociedade é de 70 anos."



O dossiê preparado pela RedeTrans Brasil reportou que, no ano de 2016, 144 pessoas trans foram assassinadas no país, que ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de assassinatos transfóbicos.



“A maior parte de nós sequer consegue se tornar adultos e, apesar de apresentarmos esses índices, a discriminação, como uma causa da violência, é frequentemente negligenciada nas agendas de segurança do meu país e do mundo inteiro, especialmente quando falamos sobre LGBTI-fobia", criticou Taya.



Para a ativista, isso é motivo suficiente para que a juventude trans esteja na linha de frente do enfrentamento à violência e à discriminação. “Nós estamos sofrendo com a violência e com o extremismo violento no Brasil e estamos enfrentando isso para sobreviver. Isso significa que nós construímos a paz e que deveríamos ser colocados no centro dos esforços de prevenção de violência no nosso país. Infelizmente ainda não estamos lá."



Os jovens podem liderar e inspirar, e é isso que Taya Carneiro faz, enquanto colaboradora de coletivos que visam combater diversas formas de discriminação e apoiadora ativa da Livres & Iguais. Em janeiro de 2017, a jovem foi um dos rostos a ilustrar uma campanha da iniciativa no Brasil, a “Sobre Viver Trans”, lançada no Dia da Visibilidade Trans, lembrado em 29 de janeiro.

O Dia Internacional da Juventude



As discussões dessa edição do Dia Internacional buscaram promover a juventude como um importante ator para a prevenção da violência e a construção de um mundo pacífico.



O tema escolhido para este ano foi “Juventude Construindo a Paz”, em seguimento à Resolução nº 2250 adotada unanimemente pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em 2015. A diretiva ressaltava o papel da juventude nos processos de estabelecimento da paz e de combate ao ódio e ao extremismo. A decisão convocou todos os Estados-membros da ONU a aumentar a representatividade e a garantir a participação dos jovens em processos decisórios nos âmbitos local, nacional, regional e internacional.



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O Dia Internacional da Juventude é uma data criada pela Assembleia Geral da ONU, por meio da Resolução nº 54/120, aprovada em 17 de agosto de 1999. Desde então, 12 de agosto é observado globalmente como uma data para celebrar as diversas contribuições feitas pelos jovens à sociedade, mas também para lembrar os muitos desafios e obstáculos que ainda se colocam para as gerações mais novas de todo o mundo.



Dirigindo-se aos participantes e espectadores do evento, a enviada do secretário-geral da ONU para a Juventude, Jayathma Wickramanayake, destacou o importante papel dos jovens para a construção e a manutenção da paz e da segurança. Para ela, mais do que estatísticas, os jovens são líderes que mobilizam pessoas a nível local, construindo pontes entre comunidades e conduzindo toda a sociedade em direção à paz e à prosperidade.

Livres & Iguais



A Livres & Iguais é a campanha da Organização das Nações Unidas pela promoção da igualdade de direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, pessoas trans e intersex. Iniciativa inédita e global da ONU, ela reconhece que a orientação sexual e a identidade de gênero atuam como fatores que estruturam desigualdades sociais e impactam negativamente a fruição plena dos direitos humanos das pessoas LGBTI.



Implementada no Brasil desde 2014, a campanha possui parcerias com a Prefeitura de São Paulo e com o estado de Minas Gerais, e conta com Daniela e Malu Mercury como suas Campeãs da Igualdade.



Saiba mais sobre a campanha aqui: http://onu.evah.io/campanha/livreseiguais/ e www.unfe.org/pt.