Criança Feliz fortalece desenvolvimento de crianças em situação de pobreza na pandemia
Programa do governo federal é apoiado pela ONU Brasil em 3 mil municípios. São atendidas mais de 900 mil crianças, como Melissa e Alessandro.
A vendedora ambulante Nereide Fernandes, de 49 anos, teve a vida fortemente afetada pela pandemia de COVID-19. Paranaense e moradora de São Paulo (SP), ela perdeu o trabalho e passou a cuidar em casa da filha Melissa, de 2 anos, que tem síndrome de Down.
Nereide e o marido, o vendedor ambulante Araciaene Ferreira, de 49 anos, enfrentaram dificuldades para comprar alimentos e pagar aluguel. A situação financeira complicada aliada ao estresse do isolamento e do medo da doença contribuiu para derrubar o ânimo da família.
A situação só melhorou em meados de 2020, quando o casal passou a receber o auxílio emergencial do governo e a ajuda de ONGs e vizinhos. “Recebo doações de alimentos, de brinquedos. Ninguém é tão pobre que não possa ajudar o próximo”, conta Nereide.
Outro apoio fundamental foi a continuidade do Programa Criança Feliz, iniciativa do Ministério da Cidadania apoiada pela ONU Brasil com recursos do Fundo Conjunto para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que ajuda o desenvolvimento de crianças em situação de vulnerabilidade por meio de visitas domiciliares.
Na pandemia, o atendimento do Programa passou a ocorrer na porta das casas, com distanciamento físico e principalmente via internet e celular. Visitadores e supervisores treinados recomendam atividades e brincadeiras para estimular o desenvolvimento cognitivo, a coordenação motora e a comunicação das crianças.
“Recebo de duas a três sugestões de atividades por semana, e as realizo todos os dias. Quando tenho dúvidas, envio mensagem para a visitadora”, conta a mãe de Melissa. Ela cuida da filha da vizinha e, em troca, tem acesso à internet fixa.
A vendedora conta que o programa ajuda a organizar a rotina da filha. “Muitas vezes, a gente tem dúvidas sobre como cuidar da Melissa por causa da síndrome de Down. Mas aprendemos com o Criança Feliz que ela é totalmente independente. Basta um pouquinho de paciência para explicar e ensinar”, ressalta.
“Fazer as atividades é muito bom porque passa o tempo, enquanto cuidamos da criança. É positivo para a gente também, porque ajuda a melhorar o clima em casa”, explica.
A marisqueira Tainize Silva dos Santos, de 21 anos, mora em Maragogipe (BA). Mãe de Alessandro, de 1 ano e meio, ela conta com o apoio da avó do menino para conciliar o trabalho de capturar mariscos e cuidar da casa e do filho.
Na pandemia, as vendas caíram muito e, atualmente, ela extrai mariscos somente para consumo da família. Morando numa casa de apenas dois ambientes, Tainize faz as atividades sugeridas pelo Criança Feliz todos os dias.
“Só tenho tempo à noite porque, durante o dia, eu organizo a casa, vou para a ‘maré’. Mas o Alessandro está evoluindo bem. O programa ajudou bastante, porque a criança se sente incentivada. Ele ficou mais perspicaz, começou a segurar o lápis e a pintar sozinho”.
Os kits distribuídos aos beneficiários incluem lápis de cor, papéis, bolas, tintas, massinhas de modelar, entre outros. A iniciativa atende cerca de 900 mil crianças em quase 3 mil municípios brasileiros.
Avaliação - Pesquisa divulgada em janeiro no escopo de projeto do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) com a Fundação Bernard van Leer mostrou que, mesmo com as dificuldades criadas pela pandemia, o Criança Feliz continua sendo bem avaliado pelas famílias atendidas.
O estudo conduziu 128 entrevistas no ano passado com supervisores, visitadores, cuidadores, familiares e lideranças locais de seis municípios: Maragogipe (BA), Governador Mangabeira (BA), Salinas (MG), Capitão Enéas (MG), Tocantinópolis (TO) e São Paulo (SP).
Entre as principais conclusões, o relatório indicou que houve melhora na capacidade de comunicação de cuidadores com as crianças, intensificação dos vínculos familiares e maior percepção sobre a importância dos estímulos para o desenvolvimento infantil.
Entre os desafios citados estão indisponibilidade de tempo — principalmente devido à sobrecarga de trabalho para as mães —, a falta de espaço nas residências e o baixo engajamento dos homens nas brincadeiras sugeridas.
Desde o início da pandemia, as famílias beneficiárias tiveram que fazer uma série de adaptações em sua rotina, uma vez que as atividades antes conduzidas pelos visitadores passaram a ser feitas por mães, pais e cuidadores.
“A gente se vira para fazer as brincadeiras na nossa casa, que é bem pequena. Amarramos uma cadeira na outra com o varal e colocamos prendedores coloridos. Aí falamos para ela pegar um prendedor de cada cor”, conta Nereide.
“Também usamos papelão para recortar e pintar. Temos, inclusive, uma tarefa para fazer agora: ajudar a Melissa a identificar uma caixa cheia, uma vazia. Outra atividade serve para estimular a sensibilidade, fazê-la sentir o seco e o molhado, o quente e o frio”, relata.
Fundo Conjunto para os ODS - O Fundo Conjunto para os ODS é um programa das Nações Unidas que, no Brasil, busca fortalecer os serviços públicos direcionados à primeira infância por meio do apoio ao Programa Criança Feliz. O Fundo tem como meta incentivar os países a acelerar o alcance dos 17 ODS e da Agenda 2030.
As agências parceiras do programa no país são Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e ONU Mulheres.
Para a ONU Brasil, as intervenções integradas na primeira infância são cruciais para melhorar a vida das famílias e comunidades. O investimento no desenvolvimento infantil é uma das estratégias mais eficientes para um país eliminar a extrema pobreza, promover o crescimento econômico inclusivo e ampliar a igualdade de oportunidades.
O Fundo Conjunto para os ODS tem como meta aumentar a participação e retenção dos municípios elegíveis ao Programa Criança Feliz; ampliar o número de beneficiários; fortalecer as capacidades dos profissionais e a qualidade das intervenções multissetoriais e apoiar o Ministério da Cidadania nas intervenções e ações voltadas às crianças e gestantes.