Sistemas Alimentares são a chave para acabar com a fome no mundo
28 julho 2021
- Hoje o mundo produz alimento suficiente para alimentar toda população humana. Ainda assim, de acordo com o relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo, um décimo da população global — até 811 milhões de pessoas — estava desnutrida em 2020, um aumento de 118 milhões em relação a 2019.
- A insegurança alimentar está sendo impulsionada pelas mudanças climáticas, conflitos e recessão econômica. Se o mundo continuar no caminho atual, o objetivo de acabar com a fome até 2030 será perdido por uma margem de quase 660 milhões de pessoas.
- A forma como produzimos e consumimos alimentos também tem impactos na saúde humana e no meio ambiente. Os sistemas alimentares são responsáveis por 70% da água extraída da natureza, causam 60% da perda de biodiversidade e geram até um terço das emissões humanas de gases de efeito de estufa.
- Um especialista do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) explica algumas das discussões que estão em jogo quando falamos de sistemas alimentares. O tema será debatido em uma Cúpula convocada pelo secretário-geral para setembro. Esta semana um pré-evento reuniu líderes mundiais em Roma, na Itália, para tratar de algumas propostas.
Até esta quarta-feira (28) líderes mundiais estiveram reunidos em Roma, na Itália, na pré-Cúpula dos Sistemas Alimentares da ONU, convocada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Durante três dias, mais de 500 participantes estiveram presentes nas discussões e outros 17 mil se juntaram virtualmente às reuniões, a partir de 190 países. O evento antecede a Cúpula que será convocada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, para lidar com o aumento da fome no mundo. O encontro está previsto para acontecer em setembro de 2021, em Nova Iorque.
De acordo com o relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo, um décimo da população global — até 811 milhões de pessoas — estava desnutrida em 2020, um aumento de 118 milhões em relação a 2019. O aumento dramático está entre os efeitos indiretos da pandemia COVID-19.
Além disso, dois bilhões de pessoas sofrem de deficiências de micronutrientes e o mesmo número de pessoas estão com sobrepeso ou obesas. “Mas esses grupos não são necessariamente distintos; nem toda desnutrição é resultado de insuficiência alimentar”, explica o gerente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), James Lomax. “Quando consideramos os alimentos um componente da saúde global, não é apenas uma questão de quantidade”.
Alimentação e meio ambiente - O relatório, publicado em julho de 2021 pela Organização para Alimentação e Agricultura (FAO), Programa Mundial de Alimentos (WFP), Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras agências da ONU, afirma que a insegurança alimentar está sendo impulsionada pelas mudanças climáticas, conflitos e recessão econômica. Se o mundo continuar no caminho atual, o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de acabar com a fome até 2030 será perdido por uma margem de quase 660 milhões de pessoas.
Além de serem influenciados pelo clima, os sistemas alimentares também têm impactos na natureza. Eles são responsáveis por 70% da água extraída da natureza, causam 60% da perda de biodiversidade e geram até um terço das emissões humanas de gases de efeito de estufa. “É comovente que na produção de alimentos tenhamos contribuído para as mudanças climáticas, que ameaçam a segurança alimentar”, afirma Lomax.
Um olhar abrangente - Para o especialista do PNUMA, a Cúpula é uma oportunidade para se olhar para os sistemas alimentares de forma “mais holística”. “Tradicionalmente, as discussões sobre produção e consumo de alimentos têm olhado para uma parte específica do processo - agricultura ou dietas, por exemplo”, argumenta.
O que se busca agora é expandir a conversa para incluir toda a cadeia de valor - não apenas produção e consumo, mas também processamento de alimentos, embalagem, transporte, varejo e serviços alimentícios. “Ao considerar todo o sistema, estamos mais bem posicionados para entender os problemas e resolvê-los de forma mais integrada”, defende Lomax.
“Até o momento, nossa compreensão dos sistemas alimentares é incompleta”, afirma o especialista. “A maioria dos dados existentes se concentra na agricultura - onde começa a cadeia alimentar. Na outra ponta dessa cadeia, as escolhas individuais e os padrões de consumo são fragmentados. Não temos uma imagem clara da porção intermediária da cadeia: o que está acontecendo entre a fazenda e a mesa?”, questiona.
Sistemas alimentares e saúde – A forma como produzimos e consumimos alimentos também tem impactos na saúde humana. A pecuária intensiva pode ser um fator que contribuí para o surgimento de doenças zoonóticas, aquelas transmitidas de animais para humanos. “Os habitats da vida selvagem agem como zonas tampão naturais, que reduzem as possibilidades de transbordamento de doenças zoonóticas de animais selvagens para as pessoas. Quando removemos árvores e habitats da vida selvagem para criar espaço para coisas, como vida, agricultura e outras indústrias, também aumentamos nossa exposição aos riscos de doenças”, explica o gerente do PNUMA.
O uso excessivo de antibióticos na pecuária — para promover a produção, sobrevivência e crescimento do gado — também é uma das causas da resistência antimicrobiana em humanos e animais.
Os hábitos alimentares são outra área que influencia a saúde. Nos últimos 50 anos, as dietas tornaram-se cada vez mais homogêneas, dominadas por culturas ricas em energia, mas pobres em macronutrientes. Dos milhares de plantas e animais usados para alimentação no passado, menos de 200 contribuem atualmente para o suprimento global de alimentos e apenas nove safras respondem por quase 70% de toda a produção agrícola. Em muitos casos - principalmente nos países em desenvolvimento - as pessoas não recebem toda a gama de nutrientes essenciais para a saúde humana. “Na verdade, a baixa diversidade alimentar superou a insuficiência calórica como o principal fator de morte”, afirma Lomax.
O especialista destaca o estudo EAT-Lancet Commission, que conclui que avançar em direção à "dietas com uma diversidade de alimentos vegetais, baixas quantidades de alimentos de origem animal, gorduras insaturadas em vez de saturadas e quantidades limitadas de grãos refinados, alimentos altamente processados e açúcares adicionados — poderia prevenir entre 19 e 24 por cento de todas as mortes de adultos, a cada ano”.
Mudanças transformadoras – Para Lomax, soluções práticas baseadas na natureza “estão inteiramente sob nosso controle, mas requerem mudanças radicais e transformadoras” por parte de governos, negócios e consumidores.
Entre elas, está a redução do desperdício de alimentos e a mudança dos padrões alimentares. Um relatório recente do PNUMA descobriu, mais de 17 por cento dos alimentos são desperdiçados e que o desperdício, que pode ocorrer tanto pelo consumidor ou pelas etapas pós-colheita, acontece em de forma semelhante de países de renda média-baixa a países de alta renda.
Essa mudanças podem reduzir as emissões antropogênicas de gases de efeito estufa do sistema alimentar em até 50%. E restaurar a biodiversidade pode fortalecer a resiliência dos sistemas alimentares, permitindo que os agricultores diversifiquem a produção e lidem com pragas, doenças e mudanças climáticas.
Leia a entrevista completa do gerente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), James Lomax, no site do PNUMA.