"Mundo nunca esteve tão ameaçado", alerta chefe da ONU a líderes reunidos em Assembleia Geral
21 setembro 2021
- Falando a líderes de todo mundo durante a abertura da Assembleia Geral, o secretário-geral da ONU alertou que "o mundo nunca esteve tão ameaçado nem tão dividido”.
- António Guterres refletiu sobre as "seis grandes divisões" que agravam a crise da atualidade: ausência de paz, desigualdade internas e externas entre ricos e pobres, mudanças climáticas, disparidade de gênero, ameaças digitais e a lacuna entre gerações.
- O chefe da ONU foi enfático ao destacar que o momento pede transformação e ao clamar por ações imediatas, ressaltando que isso deve ser pautado na restauração da confiança, visto que o mundo vive um momento onde os valores da ONU estão em risco. “Devemos provar às crianças e aos jovens que, apesar da gravidade da situação, o mundo tem um plano - e os governos estão empenhados em implementá-lo", destacou.
- Sobre a emergência climática, Guterres insistiu aos chefes de Estado presentes: “Não esperem que os outros dêem o primeiro passo. Façam a sua parte”, e clamou por coalizões de solidariedade para que as metas climáticas sejam alcançadas e a COP26 seja um sucesso.
- Ele lamentou ainda o desperdício de vacinas, enquanto mais de 90% de africanos ainda aguardam a primeira dose; o triste retorno de golpes militares pelo mundo; e o uso indevido de fundos destinados à recuperação da pandemia da COVID-19 por países que menos precisam.
- Em consonância, também discursando na abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU, o presidente eleito da sessão, Abdulla Shahid, apresentou suas prioridades para o próximo ano. Entre os pilares de seu trabalho, ele destacou a igualdade na vacinação, vencer a pandemia de COVID-19, fortalecer as discussões sobre os desafios climáticos e dos direitos humanos, além de continuar a revitalização das Nações Unidas.
“Estou aqui para soar o alarme: o mundo precisa acordar” – foi assim que o secretário-geral da ONU iniciou seu discurso na abertura da 76ª sessão de alto nível da Assembleia Geral, esta terça-feira (21), na sede da ONU em Nova Iorque.
No palanque do maior colegiado da ONU, António Guterres enviou uma mensagem aos líderes globais, lamentando que o mundo “nunca esteve tão ameaçado nem tão dividido”.
Ele delineou seis “grandes divisões” - ou "seis Grand Canyons" - que devem ser superadas agora e pediu mais ações em áreas como resolução de conflitos, política climática, gerenciamento da crise pandêmica, desigualdade de gênero, exclusão digital e a lacuna entre gerações.
"Essa é nossa vez. Um momento de transformação. Uma era para reacender o multilateralismo. Uma era de possibilidades.
Vamos restaurar a confiança. Vamos inspirar esperança. E vamos começar agora!”, disse o secretário-geral.
“Falhas morais” - Em meio à "maior cascata de crises em nossas vidas" - que inclui a pandemia COVID-19, a emergência climática e revoltas em lugares como Afeganistão, Etiópia e Iêmen - Guterres destacou uma imagem perturbadora como indicativa do momento presente, mencionando fotos que vimos em algumas partes do mundo de vacinas contra COVID-19 no lixo, expiradas ou não utilizadas.
“Por um lado, vemos as vacinas desenvolvidas em tempo recorde, uma vitória da ciência e da engenhosidade humana. Por outro lado, vemos esse triunfo desfeito da falta de vontade política, do egoísmo e da desconfiança ”, lamentou o secretário-geral sobre a perda de vacinas pelo mundo.
Para o chefe da ONU, o fato de a maioria da população dos países mais ricos estar vacinada, enquanto mais de 90% dos africanos ainda aguardam a primeira dose, é “uma acusação moral ao estado do nosso mundo” e “uma obscenidade”.
Valores centrais em risco - Enquanto a pandemia e a crise climática expuseram fragilidades profundas, os países evitaram a solidariedade e, em vez disso, buscam o que Guterres descreveu como "um beco sem saída para a destruição".
Além disso, as pessoas correm o risco de perder a fé não apenas em seus governos, mas nos valores da ONU como paz, direitos humanos, dignidade para todos, igualdade, justiça e solidariedade.
“Como nunca antes, os valores essenciais estão na mira. Uma quebra de confiança está levando a uma quebra de valores. Afinal, as promessas não valem nada se as pessoas não veem os resultados em seu dia a dia.”, lamentou o chefe da ONU preocupado com os rumos tomados desde a pandemia.
Eliminando as 'grandes divisões' - Afirmando que “agora é a hora de entregar”, e também de restaurar a confiança e inspirar esperança, o secretário-geral destacou, em tom otimista, que esses problemas podem ser resolvidos. Ele listou seis profundas divisões no mundo, que devem ser superadas. E tudo começa com a conquista da paz.
“Para muitas pessoas ao redor do mundo, paz e estabilidade continuam sendo um sonho distante”, disse ele ao relembrar a conjunturas de lugares como Afeganistão, Etiópia, Mianmar, Síria e a região do Sahel na África.
“Estamos vendo uma explosão nas tomadas de poder pela força” , continuou, lamentando o retorno dos golpes militares.
Além disso, a falta de união internacional é outro obstáculo, com divisões geopolíticas “minando a cooperação internacional e limitando a capacidade do Conselho de Segurança de tomar as decisões necessárias”.
O fato de que as duas maiores economias do mundo estão em desacordo representa outra preocupação, tornando impossível lidar com “dramáticos desafios econômicos e de desenvolvimento”, refletiu o secretário-geral sobre os aspectos econômicos da crise mundial.
Guterres apelou por cooperação, diálogo e compreensão para restaurar a confiança e inspirar esperança entre as nações e por investimento na prevenção, manutenção e consolidação da paz.
Ação climática - A redução da diferença climática exige o aumento da confiança entre o Norte e o Sul, disse ele, ressaltando a necessidade de sucesso da Conferência do Clima da ONU (COP26) em Glasgow, na Escócia, que começa em 31 de outubro.
Os países precisam mostrar mais ambição nas principais áreas de mitigação, financiamento e adaptação, o que inclui o compromisso com a neutralidade de carbono até 2050 e o fornecimento dos 100 bilhões de dólares por ano prometidos há uma década atrás para apoiar os países em desenvolvimento.
“Minha mensagem para cada Estado-membro é esta: Não esperem que os outros dêem o primeiro passo. Façam a sua parte ”, defendeu Guterres.
O chefe da ONU apelou aos governos para que façam uma transição para a economia verde por meio de etapas como a taxação do carbono, o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis e o compromisso de não criar novas usinas a carvão.
“Esta é uma emergência planetária. Precisamos de coalizões de solidariedade - entre países que ainda dependem fortemente do carvão e países que têm os recursos financeiros e técnicos para apoiar sua transição. Temos a oportunidade e a obrigação de agir”, afirmou.
Plano global de vacinação - Acabar com a pandemia para todos, em todos os lugares, é o primeiro passo para diminuir a distância entre ricos e pobres, argumentou Guterres. Ele sublinhou a necessidade de um plano global de vacinas para atingir 70% da população mundial vacinada até meados de 2022, com menos o dobro da capacidade de produção atual.
“Não temos tempo a perder. Uma recuperação desequilibrada está aprofundando as desigualdades. Os países mais ricos podem atingir taxas de crescimento pré-pandêmica até o final deste ano, enquanto os impactos podem durar anos nos países de baixa renda”, alertou.
Ao saudar a recente alocação feita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) de 650 bilhões de dólares em Direitos Especiais de Saque (DES), um tipo de ativo de reserva estrangeira, ele também lamentou que estes estivessem indo principalmente para os países que menos precisam.
O secretário-geral aconselhou as economias mais ricas a realocarem seus excedentes de DES para os países necessitados e renovou seu apelo para que a suspensão da dívida seja estendida até 2022, chamando-a de “solidariedade em ação”.
'Passos ousados' para a igualdade de gênero - A pandemia também expôs e ampliou o desequilíbrio de poder entre homens e mulheres: “a maior injustiça do mundo”, segundo o chefe da ONU.
“A redução da desigualdade de gênero não é apenas uma questão de justiça para mulheres e meninas. É uma virada de jogo para a humanidade ”, afirmou.
“A igualdade das mulheres é essencialmente uma questão de poder. Devemos transformar urgentemente nosso mundo dominado pelos homens e mudar o equilíbrio de poder, para resolver os problemas mais desafiadores de nossa época”, argumentou Guterres.
Para ele, essa transformação precisa de mais mulheres líderes no governo e nos negócios, e uma representação total das mulheres em todos os lugares. Ele pediu “medidas ousadas” na implementação de cotas e padrões de referência para a paridade de gênero.
“Ao mesmo tempo, precisamos reagir contra as leis regressivas que institucionalizam a discriminação de gênero. Os direitos das mulheres são direitos humanos ”, clamou o secretário-geral ao refletir sobre leis retrógradas que não incluem as mulheres.
Ele defendeu que os planos de recuperação econômica se concentrem nas mulheres, inclusive por meio de investimentos em grande escala em economia de bem-estar social. "E precisamos de um plano de emergência para combater a violência de gênero em todos os países”, disse ainda.
Perigos da tecnologia digital - Restaurar a confiança e inspirar esperança significa reduzir a exclusão digital, salientou Guterres, observando que metade do planeta ainda não tem acesso à internet.
No entanto, dado o crescente alcance das plataformas digitais e o uso e abuso de dados, o secretário-geral também apontou para os perigos da conectividade digital.
“Uma vasta biblioteca de informações está sendo montada sobre cada um de nós. No entanto, nem mesmo temos as chaves dessa biblioteca. Não sabemos como essas informações foram coletadas, por quem ou para que fins. Mas sabemos que nossos dados estão sendo usados comercialmente - para aumentar os lucros corporativos”, disse ele.
O chefe da ONU reforçou também a necessidade de uma discussão séria sobre essas e outras questões tecnológicas relacionadas, como o uso de armas autônomas, reforçando a proibição destas.
Fim da diferença entre as gerações - A última divisão a ser superada é a lacuna geracional entre os jovens que herdarão as consequências das decisões tomadas hoje, sejam boas ou más.
No entanto, ele enfatizou que os jovens precisam muito mais do que apoio, precisam de “um assento à mesa”. Isto levou o secretário-geral a nomear um Enviado Especial para as Gerações Futuras e um Escritório da Juventude da ONU.
O chefe da ONU citou uma pesquisa recente que revelou que a maioria dos jovens em 10 países pesquisados sofre de altos níveis de ansiedade e angústia em relação ao estado do planeta.
Além disso, cerca de 60% dos futuros eleitores em todo o mundo se sentem traídos por seus governos.
“Os jovens precisam de uma visão de esperança para o futuro”, insistiu o secretário-geral.
“Devemos provar às crianças e aos jovens que, apesar da gravidade da situação, o mundo tem um plano - e os governos estão empenhados em implementá-lo. Precisamos agir agora para fazer a ponte entre as Grandes Divisões e salvar a humanidade e o planeta", concluiu.
Falta apoio político - Também discursando na abertura da 76ª Assembleia Geral da ONU, o presidente eleito da sessão, Abdulla Shahid, apresentou suas prioridades para o próximo ano.
Ele defendeu que entre os pilares de seu trabalho estarão alcançar igualdade na vacinação, vencer a pandemia de COVID-19, fortalecer as discussões sobre os desafios climáticos e dos direitos humanos, além de continuar a revitalização das Nações Unidas.
Em seu discurso, Shahid lembrou os importantes avanços tecnológicos que o mundo vem sendo capaz nos últimos anos e o quanto eles são fundamentais para a superação dos crescentes desafios globais.
O presidente da Assembleia Geral destacou que foram criados meios inovadores no desenvolvimento de vacinas e em alternativas energéticas com fontes renováveis. "Nos falta apenas apoio político e financiamento", defendeu.
Shahid lembrou os episódios de união que se espalharam por todo o mundo durante os fechamentos das cidades, medida usada em diversos lugares para conter a pandemia. Ele afirmou que, naquele momento, a população se reunia pela esperança de dias melhores. Nesse contexto, o presidente da Assembleia Geral pediu aos líderes presentes que levassem novamente o sentimento de esperança à sociedade.
O novo presidente desafiou os chefes de Estado e governo no evento a serem as “Nações Unidas que querem que sejamos”. Ele destacou que as mais de 7 bilhões de pessoas no mundo, ao verem líderes mundiais icônicos debaterem, não pensam “se ajudarão, mas sim como ajudarão”. Assim, o pedido dele é que os cidadãos não sejam desapontados.
Debate de alto nível - Após as falas dos representantes da ONU, o debate de alto nível da 76ª Assembleia Geral seguiu com as intervenções dos chefes de Estado e de governos. Conforme a tradição, o presidente do Brasil foi o primeiro a discursar, seguido pelo presidente do Estados Unidos. Os debates acontecem entre os dias 21 e 27 de setembro.