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UNCTAD sugere criar nova agência ONU para governança de dados online

01 outubro 2021

  • O novo relatório sobre economia digital da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) propõe a criação de uma nova agência ONU para tutelar o fluxo global de informações online.
  • O novo órgão ajudaria a encontrar um meio-termo quando o assunto é governança de dados digitais, campo que hoje encontra-se dividido entre proposições dos Estados Unidos, China e União Européia (UE). Estes três atores acreditam em níveis diferentes de controle de dados. Enquanto para os EUA, o setor privado deve deter os dados digitais, para a China este poder deve ser dado aos governos. Já a UE defende que os indivíduos devem ser empoderados neste processo.
  • O relatório também traz estatísticas alarmantes sobre a temática que revelam a desigualdade no consumo e tratamento destes dados: apenas 20% das pessoas nos Países Menos Desenvolvidos (PMDs) usam a internet. A velocidade de acesso em telefones celulares também evidencia esta disparidade. Em países desenvolvidos, a banda larga móvel é até três vezes mais rápida.
  • A concentração de mercado também foi alvo de preocupação dos autores do documento. Estados Unidos e China sozinhos representam 90% da capitalização de mercado das maiores plataformas digitais do mundo.
  • O novo relatório servirá de guia de debate durante a 15ª conferência quadrienal da UNCTAD, agendada para ocorrer entre 3 e 7 de outubro.
Legenda: Em Bangladesh, a população pode acessar uma ampla gama de informações digitais na plataforma a2i
Foto: © a2i

A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), lançou na última quarta-feira (29) o  novo Relatório de Economia Digital. O documento argumenta que o mundo precisa aumentar o número de pessoas que acessam a internet e distribuir de forma igualitária os rendimentos desta nova economia, através de uma estratégia de governança global. 

Para isto, a sugestão dos autores do documento é a criação de um novo órgão, coordenado pelas Nações Unidas, focado na avaliação e desenvolvimento de políticas globais e boas práticas para gestão de dados digitais. Segundo a UNCTAD, uma nova abordagem para esta área permitiria que informações digitais fossem compartilhadas mundialmente, aumentando a confiança na economia digital e o desenvolvimento online de “bens públicos globais”.

O relatório também enfatizou que um novo sistema global evitaria uma maior fragmentação da internet, diminuindo as desigualdades de acesso existentes e enfrentando desafios políticos que estão emergindo nesta área, como o monopólio das plataformas digitais. As conclusões do relatório irão alimentar as discussões durante a 15ª conferência quadrienal da UNCTAD,  que será realizada online de 3 a 7 de outubro.

“É mais importante do que nunca trilhar um novo caminho para a governança digital e de dados”, escreveu o secretário-geral da ONU, António Guterres, no prefácio do relatório. “O cenário atual de fragmentação de dados pode criar mais espaço para danos substanciais relacionados à violações de privacidade, ataques cibernéticos e outros riscos”, alertou o chefe da ONU.  

Nesta sexta-feira (1), Dia Internacional das Pessoas Idosas, o secretário-geral voltou a reforçar a importância deste tema, afirmando que mulheres e pessoas idosas são as mais afetadas pela desigualdade digital, em especial durante a pandemia de COVID-19. Além de não terem acesso à tecnologias, esses grupos não conseguem aproveitar as oportunidades que aparecem com o progresso tecnológico, fazendo que a democratização da internet seja uma questão fundamental para se alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).  

Nova agência - O relatório indica que os dados digitais desempenham um papel cada vez mais importante e tornaram-se um recurso econômico estratégico, uma tendência reforçada pela pandemia COVID-19. 

Por exemplo, poder compartilhar online informações de saúde para audiências globais passou a ocupar um papel de vital importância, uma vez que estes dados podem ajudar não só os países a combaterem surtos de doenças, como também auxiliarem no desenvolvimento de vacinas eficazes. “A questão da governança digital não pode mais ser adiada", comentou a secretária-geral da UNCTAD, Rebeca Grynspan, durante o lançamento do relatório.

A secretária-geral adjunta da instituição, Isabelle Durant, também insistiu que “a economia global de dados pede um afastamento da abordagem individualista, para uma coordenação global e mais holística”. 

Uma das conclusões da UNCTAD é a necessidade da formação de um novo órgão de coordenação dentro das Nações Unidas, com foco no desenvolvimento da governança de dados digitais globais. A nova agência teria como umas de suas principais atribuições remediar a sub-representação dos países em desenvolvimento neste campo e fornecer espaço político suficiente para garantir que os países com diferentes níveis de preparação e capacidades digitais possam realmente se beneficiar dos ganhos da economia digital.

 Meio-termo - O relatório observa que atualmente existem três abordagens amplamente divergentes sobre a governança destes dados, defendidas pelos Estados Unidos, China e União Europeia (UE). Em essência, a abordagem dos EUA defende que o setor privado controle os dados digitais, já o modelo chinês enfatiza a necessidade da regulamentação destas informações serem feitas pelo governo, enquanto a UE empodera os cidadãos nesta equação, com base em direitos e valores fundamentais.

“A ausência de uma estrutura global de governança de dados prejudica a capacidade dos países de colherem os benefícios da economia digital”, disse a diretora de tecnologia e logística da UNCTAD, Shamika Sirimanne. “Isso também prejudica a proteção da privacidade das pessoas do uso destes dados pelo setor privado ou governos, além de levantar questões relacionadas à aplicação da lei e à segurança nacional”, conclui.

Uma abordagem única e global para este tema permitiria que os países aproveitassem melhor os dados para benefício público, protegeria direitos e princípios, além de aumentar a cooperação internacional, favorecendo uma padronização legislativa.

O relatório também informa que a governança dos fluxos de dados globais está em um impasse devido a visões e posições divergentes sobre sua regulamentação. A nova abordagem de governança global de dados proposta no relatório poderia contribuir para o desenvolvimento de uma solução intermediária, visto que as atuais estruturas regulatórias regionais e internacionais tendem a ser muito rígidas em escopo ou com uma aplicação limitada geograficamente.

Desigualdade estatística - Outro ponto abordado pelo relatório foi a desigualdade no consumo e tratamento destes dados, resultando em cenários onde muitos países em desenvolvimento se tornam meros provedores de informações brutas para plataformas digitais,  ao mesmo tempo em que precisam pagar pela inteligência digital gerada a partir de seus próprios dados.

De acordo com o estudo feito pela UNCTAD, apenas 20% das pessoas nos Países Menos Desenvolvidos (PMDs) usam a Internet e, quando o fazem, é normalmente em condição de baixa velocidade de download, atrelada a um preço relativamente alto pelo serviço.

Além disso, o relatório também  indica que a velocidade média da banda larga móvel é cerca de três vezes maior em países desenvolvidos. Outra estatística de desigualdade apresentada foi o consumo online: embora até oito em cada dez usuários comprem online em países desenvolvidos, menos de um em cada dez o faz nos PMDs.

Monopólio - De acordo com o relatório, os EUA e a China concentram a exploração destes dados. Juntos, os dois países respondem por metade dos centros de dados em hiperescala do mundo, detêm as taxas mais altas do mundo de adoção de 5G, representam 70% dos principais pesquisadores de inteligência artificial (IA) do mundo e 94% de todo o financiamento para startups nesta mesma área.

As duas nações também respondem por cerca de 90% da capitalização de mercado das maiores plataformas digitais do mundo e, durante a pandemia, seus lucros e valores de ações aumentaram exponencialmente.

Iniciativa privada - O relatório também chama atenção para o fato de que se tornou cada vez mais difícil considerar as regulamentações de fluxos de dados internacionais, sem levar em conta as práticas das corporações privadas.

Estas plataformas continuam a expandir seus próprios ecossistemas de dados e detêm fatias cada vez maiores em todos os estágios da cadeia de valor global de dados.

As maiores plataformas digitais, Apple, Microsoft, Amazon, Alphabet (Google), Facebook, Tencent e Alibaba, estão fazendo investimentos robustos em todas as partes desta cadeia. A Amazon, por exemplo, investiu cerca de 10 bilhões de dólares em banda larga via satélite e juntamente com a Apple, Facebook, Google e Microsoft, lidera a lista de maiores investidores em startups de inteligência artificial, entre 2016 e 2020. Quatro plataformas principais (Alibaba, Amazon, Google e Microsoft) responderam por 67% das receitas globais de serviços de infraestrutura em nuvem no último trimestre de 2020.

Entidades da ONU envolvidas nesta atividade

UNCTAD
Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento

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