Para ex-diretor da OIT, ONU é organizadora do pensamento da civilização
Hoje aposentado, João Alexim liderou projetos pioneiros para o mercado de trabalho
Poucas áreas passaram por mudanças tão bruscas nos últimos 40 anos quanto o mercado de trabalho. A formação dos profissionais, a concorrência entre seres humanos e tecnologia, além de crises econômicas transformaram não só o cotidiano de trabalhadores e empregadores, como também das organizações nacionais e internacionais que regem o setor. O tsunami de mudanças, no entanto, parece não abater o ex-diretor do escritório de Brasília da Organização Internacional do Trabalho (OIT), João Carlos Alexim.
Do alto de seus 84 anos, o que mantém estável a fé do ex-funcionário é a missão da Organização de ser uma referência para a civilização e não uma instituição que resolve problemas por si só. “Para mim, as Nações Unidas continuam a ser o centro fundamental da organização do pensamento humano e da civilização, mesmo com todas as críticas que muitas vezes são imputadas a ela de forma errônea”, diz o aposentado. “Ela oferece uma referência dos valores fundamentais dos seres humanos em áreas como cultura, convívio, diplomacia. Sem as Nações Unidas seria o caos. E trabalhar oferecendo um exemplo, em conjunto, já é um esforço inacreditável”, pontua.
De exemplo, Alexim entende. Ingressou no sistema ainda nos anos 1980 com a missão de liderar o Centro Interamericano para o Desenvolvimento do Conhecimento na Formação Profissional. Passou 14 anos em Montevidéu ajudando a estreitar relações entre empresários, governos e instituições de ensino em toda América Latina, a fim de reduzir a dependência do continente da formação profissional e tecnologia estrangeiras, capacitando trabalhadores em todos as nações da região.
De lá, voltou para chefiar o escritório brasileiro da OIT, uma missão que lhe rendeu projetos pioneiros nas áreas de combate à exploração do trabalho infantil, igualdade de oportunidade de empregos e equidade salarial para negros e mulheres, além de implementar ferramentas de produtividade inéditas no país como a certificação profissional, mecanismo hoje adotado por todo o mercado de trabalho.
Sociólogo, Alexim acredita que todos esses importantes avanços ajudaram a moldar as relações de trabalho, item que ele julga ser primordial para a felicidade das nações e cidadãos. “Famílias são desestruturadas em funções de políticas ruins de emprego”, avalia. No entanto, o ex-diretor reconhece que os novos desafios globais colocam em xeque o trabalho feito até o momento. “O que instituições como a OIT podem garantir coletivamente, quando assistimos uma corrente anti-multilateralismo, que trabalha pelo individual, ganhar força? Neste cenário, instituições como a OIT precisam se agarrar a questões sociais fundamentais, como por exemplo, a causa do trabalho e não do emprego. O trabalho tem muitas formas de se apresentar e uma delas é através do emprego”.
Voltar aos valores fundamentais e oferecer este exemplo parece ser a saída para os desafios modernos. Também presidente emérito da Associação dos Antigos Funcionários Internacionais das Nações Unidas do Brasil (AAFIB), Alexim é enfático ao dizer que os valores que fundaram a organização continuam relevantes nos tempos atuais. “O individualismo tem corroído as estruturas, fazendo com que a OIT e a ONU percam seus correspondentes nos governos locais. No meu entender, este é o principal confronto que a sociedade ocidental tem de enfrentar atualmente. Entendendo que esta organização é um órgão que assume o poder transferido pelas nações. Ela é a soma das partes e, portanto, maior que as nações individualmente”, conclui.
Aniversário - A ONU completou 76 anos em 24 de outubro. Para marcar a data, a ONU Brasil contou semanalmente a trajetória profissional de pessoas que ajudaram a construir a história da instituição no país.