Presidente da Ucrânia pede ao Conselho de Segurança que aja pela paz ou se 'dissolva'
06 abril 2022
Em uma reunião do Conselho de Segurança após a revelação de imagens de corpos de civis na cidade ucraniana de Bucha, o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky fez um discurso contundente em que demandou ação do órgão da ONU e colocou em xeque sua arquitetura. “Estamos lidando com um Estado que está transformando o direito de veto no Conselho de Segurança no direito de matar”, afirmou Zelynskyy, ao se referir à Federação Russa.
O embaixador russo na ONU, Vassily Nebenzia, rebateu as acusações, classificando-as como “infundadas”, e culpou Kyiv e a mídia ocidental por promover “inconsistências flagrantes”.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, reforçou seu pedido por investigações independentes e confiáveis sobre os supostos crimes de guerra para que os responsáveis sejam levados à Justiça.
Guterres também expressou profundo pesar pelas divisões que impediram o Conselho de agir não apenas na Ucrânia, mas em outras ameaças à paz em todo o mundo. Ele instou o principal órgão de segurança da Organização a fazer “tudo ao seu alcance” para acabar com a guerra.

Em um discurso apaixonado ao Conselho de Segurança, em que evocou a destruição cinzenta forjada durante a Segunda Guerra Mundial, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, descreveu em detalhes o que chamou de massacre deliberado de civis em Bucha pelas forças russas. Na reunião de na terça-feira (05), o líder ucraniano colocou em xeque a existência do principal órgão de segurança da ONU para seus membros, questionando todo o futuro da arquitetura de segurança mundial, fundada em 1945.
“Estamos lidando com um Estado que está transformando o direito de veto no Conselho de Segurança da ONU no direito de matar”, alertou Zelynskyy em fala por vídeo conferência. Segundo ele, se isso continuar, os países não mais confiarão no direito internacional ou nas instituições globais para garantir a segurança, mas sim no poder de suas próprias armas.
Ao relatar que havia acabado de voltar de Bucha - o recém-libertado subúrbio de Kiev que se tornou notório desde que imagens de mortes em massa de civis surgiram no fim de semana, o presidente contou como as forças russas procuraram e mataram propositalmente qualquer um que servisse à Ucrânia.
Ele atribuiu sua fala ao Conselho como uma homenagem aos mortos: “aqueles baleados na cabeça depois de serem torturados, jogados em poços, esmagados por tanques enquanto estavam sentados em seus carros, e aqueles cujos membros foram cortados e as línguas arrancadas porque os agressores ‘não ouviram o que queriam ouvir’”.
Táticas usadas por terroristas - Zelynskyy acusou a Rússia de querer “transformar os ucranianos em escravos silenciosos” e roubar tudo abertamente, “começando com comida e terminando com brincos de ouro que são arrancados e cobertos de sangue”.
Essas táticas, segundo ele, não são diferentes daquelas usadas pelo grupo terrorista Da'esh, exceto que agora estão sendo perpetradas por um membro permanente do Conselho de Segurança.
“Onde está a segurança que o Conselho de Segurança deve garantir?”, questionou o presidente ucraniano.
'O poder da paz deve dominar' – Ao lembrar que o organizador do Holocausto Adolf Eichmann não ficou impune, Zelynskyy disse que era hora de uma reforma. “O poder da paz deve se tornar dominante”, declarou.
Ele desafiou o Conselho a remover a Federação Russa como fonte de guerra, para que não possa mais bloquear as decisões tomadas sobre sua própria agressão, ou simplesmente “dissolver-se completamente” se não houver nada a fazer além de discursos. “Vocês estão prontos para fechar as Nações Unidas? Vocês acham que o tempo para o direito internacional acabou?”, perguntou.
“A Ucrânia precisa de paz. A Europa precisa de paz. O mundo precisa de paz”, insistiu Zelynskyy.
Apelo secretário-geral - Reforçando esse apelo em uma fala anterior, na abertura da reunião do Conselho, o secretário-geral da ONU, António Guterres, expressou profundo pesar pelas divisões que impediram o Conselho de agir não apenas na Ucrânia – mas em outras ameaças à paz em todo o mundo. Ele instou o principal órgão de segurança da Organização a fazer “tudo ao seu alcance” para acabar com a guerra, descrita por ele como “um dos maiores desafios de todos os tempos para a ordem internacional e a arquitetura de paz global, fundada na Carta das Nações Unidas”.
Em seu pronunciamento, Guterres reforçou seu pedido por uma investigação independente sobre as alegações de crimes de guerra em Bucha que leve à responsabilização dos perpetradores.
O chefe da ONU também reiterou seu apelo por um cessar-fogo imediato, destacando as consequências do conflito não só na Ucrânia, mas na segurança alimentar de todo o mundo. Guterres também relatou que, dada à urgência da situação, encarregou o coordenador de Ajuda de Emergência da ONU, Martin Griffiths, de viajar para a Rússia e a Ucrânia para pressionar por um cessar-fogo humanitário urgente.
Mortes de civis dobraram - A subsecretária-geral da ONU para Assuntos Políticos e de Consolidação da Paz, Rosemary DiCarlo, observou ao Conselho que as condições se deterioraram seriamente desde seu briefing de 17 de março. Segundo ela, o número de civis ucranianos mortos mais que dobrou; as cidades ucranianas continuam a ser impiedosamente atacadas, muitas vezes indiscriminadamente, por artilharia pesada e bombardeios aéreos; e centenas de milhares de pessoas permanecem presas em áreas cercadas, em condições que se assemelham a um pesadelo da vida real.
“A devastação causada em Mariupol e outras cidades ucranianas é uma das marcas vergonhosas desta guerra sem sentido”, destacou.
Ela pediu a Kyiv e Moscou que traduzam rapidamente qualquer progresso em suas negociações em andamento em ações no terreno, enfatizando que ataques indiscriminados são proibidos pelo direito internacional humanitário e podem constituir crimes de guerra.
“A destruição massiva de bens civis e o alto número de baixas civis indicam fortemente que os princípios fundamentais de distinção, proporcionalidade e precaução não foram suficientemente respeitados”, ressaltou.
Condições “perigosas” obstruem o acesso da ONU - Falando por vídeo desde Genebra, o coordenador de Ajuda de Emergência da ONU relatou que mais de um quarto da população da Ucrânia – mais de 10 milhões de pessoas - teve que deixar suas casas, no movimento de deslocamento mais rápido desde a Segunda Guerra Mundial.
“As condições perigosas estão dificultando nossos esforços para acessar civis – ou para que eles nos acessem”, enfatizou.
Em um sinal de progresso, ele anunciou que no dia anterior, outro comboio foi enviado do centro de coordenação humanitária em Dnipro para Sievierodonetsk - no extremo oriente do país - levando alimentos, roupas de inverno, itens não alimentares, remédios e kits de higiene para a Cruz Vermelha ucraniana.
Negociações por cessar-fogo humanitário - O coordenador de Assistência de Emergência também descreveu trocas “longas e francas” com o ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov, e seu vice, Sergey Vershinin, em 4 de abril, e separadamente com o vice-ministro da Defesa, com quem compartilhou sugestões para tréguas militares mutuamente acordadas para permitir a evacuação de civis e a passagem segura de ajuda.
Griffiths disse que saiu desses encontros acreditando que “temos um longo caminho pela frente – mas ele deve ser percorrido, e nós o percorreremos”. No dia 7 de abril, ele pretende viajar para a Ucrânia para liderar discussões com altos funcionários do governo sobre essas mesmas questões.

Vidas enfiadas em mochilas - No debate que se seguiu, a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Linda Thomas-Greenfield, lembrou que, por trás das imagens de prédios bombardeados, estão muitas pessoas que “enfiaram suas vidas em mochilas” e deixaram a única casa que conheceram.
Ela deu seu próprio relato da crise de refugiados em partes da Europa, tendo retornado em 4 de abril da República da Moldávia e da Romênia.
Com base nas informações disponíveis, os Estados Unidos avaliam que as forças russas cometeram crimes de guerra na Ucrânia e estão buscando a suspensão da Federação Russa do Conselho de Direitos Humanos da ONU, já que, segundo a diplomata, Moscou usa sua adesão como plataforma para sua propaganda.
Embaixador da Rússia rebate acusações - O embaixador russo, Vassily Nebenzia, respondeu que, de fato, seu país salvou 123.500 pessoas em Mariupol, sem qualquer ajuda da Ucrânia. Segundo ele, mais de 600 mil pessoas foram evacuadas para o território russo desde o início de sua “operação especial”. “Não estamos falando de coação ou sequestro”, esclareceu, acrescentando que essas decisões voluntárias são apoiadas por vídeos nas mídias sociais.
Ao presidente da Ucrânia, ele declarou: “colocamos em sua consciência as acusações infundadas contra os militares russos”, reafirmando que os relatos não são corroborados por testemunhas oculares.
Ele afirmou que as esperanças ligadas à eleição do presidente não se concretizaram após o lançamento de uma “inquisição linguística” contra falantes de russo na região de Donbas. “Estávamos à beira de corrigir injustiças provocadas pelos eventos de 2014 em Maidan”, disse ele.
Em resposta às acusações contra os supostos crimes de guerra das forças russas em Bucha, Nebenzia culpou Kyiv e a mídia ocidental por promover “inconsistências flagrantes” e disse que há gravações de radicais ucranianos atirando em civis. Segundo ele, os cadáveres vistos em um vídeo apresentado ao Conselho pelo presidente Zelenskyy “de forma alguma” se assemelham aos que supostamente estavam no chão há quatro dias.
O embaixador russo implorou ao presidente da Ucrânia que reconhecesse que seu país é apenas um peão no jogo geopolítico contra a Federação Russa.
Perspectiva Europeia - O chefe da delegação da União Europeia, Olof Skoog, apresentou o ponto de vista europeu. Segundo ele, a guerra de agressão da Rússia põe em risco a ordem baseada em regras, bem como a segurança europeia e global. A Europa tem acolhido a maior parte dos milhões de refugiados que fogem da Ucrânia.
Skoog descreveu as imagens de Bucha como uma “mancha em nossa humanidade comum” e exigiu que Moscou pare imediatamente sua agressão militar, retire incondicionalmente todas as forças da Ucrânia e respeite plenamente sua integridade territorial, soberania e independência dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas.