Artigo: Desafios para a universalização do acesso a água e saneamento
06 junho 2022
O economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA), Pablo Acosta, assina esta coluna publicada originalmente no jornal Folha de São Paulo.
No texto, o economista revisa alguns temas fundamentais debatidos na Semana da Água do Brasil 2022 que aconteceu na última semana de maio.
Entre os tópicos abordados no evento estão questões e oportunidades de planejamento e concessões privadas, regulações, criação de infraestrutura de água e saneamento rural e urbana eficientes, e mecanismos financeiros inovadores para este setor.
Por Pablo Acosta*
Uma nova fase para desenvolver e consolidar o setor de água e saneamento no Brasil se tornou realidade. O marco legal aprovado em 2020 representa uma mudança regulatória importante que pode trazer benefícios econômicos e operacionais para o setor. Nesse sentido, na semana passada a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental realizou a Semana da Água do Brasil 2022. O evento é planejado para reunir instituições governamentais, profissionais da área, o setor privado, acadêmicos e organizações internacionais.
Em pauta, questões e oportunidades de planejamento e concessões privadas, regulações, criação de infraestrutura de água e saneamento rural e urbana eficientes, e mecanismos financeiros inovadores. O estímulo a todas as partes que apoiam esse importante setor é um passo muito importante para identificar soluções e gargalos relacionados à implementação do marco legal. Embora o país esteja no caminho certo, ainda há muitos desafios em termos de reformas das políticas públicas para alcançar os objetivos de universalização do acesso a água e saneamento.
Desde a última Semana da Água realizada em 2020, o mundo vivenciou a pandemia global da COVID-19 que resultou em enormes prejuízos econômicos, sanitários e à vida humana. Só no Brasil, os lockdowns causaram perdas para as empresas prestadoras de serviços de água e saneamento entre 1 bilhão e 1,3 bilhão de dólares. Nas regiões norte e nordeste do Brasil, que registram os maiores déficits na cobertura e qualidade dos serviços de água e saneamento, os impactos da COVID-19 foram mais onerosos para a população mais pobre do que no restante do país. Essas condições, junto com as frágeis capacidades fiscais e financeiras dos estados e municípios, criam lacunas financeiras e de investimentos constantes.
Uma inovação importante do novo marco legal é a atribuição de um papel mais robusto à Agência Nacional de Águas (ANA), que passa a definir diretrizes normativas nacionais para os serviços de água e saneamento. Dessa forma, espera-se que o país consiga coordenar e fortalecer as capacidades das agências regulatórias de implementar as normas atualizadas do setor. Além disso, há instrumentos econômicos e mecanismos de políticas públicas que precisam ser modificados ou reformulados (como, por exemplo, os subsídios tarifários) a fim de maximizar a disponibilidade dos recursos financeiros necessários nos três níveis de governo (federal, estadual, municipal) visando satisfazer a demanda crescente pelos serviços.
Para que o marco legal de água e saneamento seja implementado efetivamente no Brasil, devem prevalecer condições favoráveis e políticas sólidas. Especificamente, melhorar as finanças dos fornecedores de água e saneamento no Brasil criará resiliência contra turbulências econômicas e financeiras. Em 2021, o Banco Mundial realizou um estudo detalhado sobre as vulnerabilidades financeiras de prestadores de serviços públicos e privados de água e saneamento em toda a América Latina e descobriu que prestadores de serviços com planejamento financeiro resistiram melhor aos choques financeiros.
Outra política sólida ocorreu durante a pandemia da COVID-19 e a profunda crise fiscal. O país foi um dos poucos na região a implementar medidas ambiciosas de mitigação desses impactos na sustentabilidade operacional das prestadoras de serviços. As principais medidas foram: prorrogar o vencimento das contas de água e esgoto, proibir a suspensão dos serviços, isentar os grupos especialmente vulneráveis de pagamento, congelar as tarifas, promover o pagamento de contas e o atendimento ao cliente de forma remota.
Para que o novo marco legal seja eficaz, o governo federal deverá participar de forma assertiva na articulação com as unidades subnacionais e na criação de incentivos para que os proprietários dos serviços e os municípios possam estar alinhados com as diretrizes nacionais. No entanto, o governo brasileiro também deveria usar melhor os recursos públicos alocados ao setor, e mobilizar e alavancar financiamento adicional por meio de mecanismos financeiros inovadores que possam reduzir os riscos da participação do setor privado e das finanças do setor público.
Entre os principais desafios que o Brasil enfrenta estão as alocações voláteis do orçamento público para o setor e a baixa eficiência de gastos dos governos locais. As alocações do orçamento público para serviços de água e saneamento representam uma parcela menor do PIB. O Brasil vem investindo menos da metade do que é necessário para a universalização até 2033. O setor também sofreu com a alta subexecução do orçamento federal, uma lenta reforma tarifária para aumentar as receitas e um fraco direcionamento da política de subsídios cruzados na última década.
Para isso, no entanto, as instituições do setor de água e saneamento deveriam ter capacidades técnicas sólidas e recursos financeiros suficientes. Isso é especialmente importante para o sucesso de parcerias público-privadas e do novo marco legal aprovado em 2020. A nova legislação abre oportunidades para programas federais de incentivo ou programas especiais de apoio aos municípios.
Promover a melhoria de instituições, regulamentações, gastos e a resiliência do setor de água e saneamento depende ainda de informações relevantes para avaliar o progresso e de parâmetros de desempenho de referência. Ferramentas analíticas recentes foram desenvolvidas pela Prática Global de Água do Banco Mundial como referência para todos os países da América Latina e do Caribe em termos de segurança hídrica e riscos e a recuperação dos serviços de água e saneamento para as concessionárias na era pós-COVID-19.
Considerando que o governo sozinho provavelmente não conseguirá vencer o desafio da universalização do acesso a água e saneamento no país até 2033, a infraestrutura e a substituição de ativos dos serviços de água e saneamento devem estar na linha de frente das políticas estratégicas de desenvolvimento nacionais e locais.
*Pablo Acosta é economista líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em Economia pela Universidade de Illinois (EUA). Esta coluna foi publicada originalmente no jornal Folha de São Paulo, no dia 30 de maio. O texto foi escrito em colaboração com Luis Alberto Andres, líder do setor de Infraestrutura no Brasil do Banco Mundial, e Christian Borja-Vega, economista sênior do Banco Mundial.