ARTIGO: Promessa de acabar com a AIDS até 2030 está ameaçada, é hora de agir
28 julho 2022
Em artigo de opinião publicado no jornal Folha de S.Paulo, a diretora e representante do UNAIDS no Brasil, Claudia Velasquez, analisa os dados do novo relatório Em Perigo, divulgado nesta semana.
Os dados apontam que se for mantida a trajetória atual, serão 1,2 milhão de novas infecções por HIV em todo o mundo em 2025 - mais de três vezes acima da meta original para o ano, que era de 370 mil.
Ela lembra que 27% das pessoas vivendo com HIV no Brasil ainda não recebem o tratamento antirretroviral que pode salvar suas vidas e aponta os caminhos para que o país fortaleça e expanda a resposta ao HIV.
Leia a íntegra a seguir:
No ano passado, lideranças mundiais se reuniram nas Nações Unidas, em Nova York, e concordaram com uma declaração política inovadora sobre AIDS. É um plano ambicioso, que incorpora uma urgente resposta às desigualdades, ao estigma e à discriminação, e cujo objetivo é acabar com a pandemia de Aids como uma ameaça global à saúde pública até 2030.
Entretanto, dados divulgados recentemente no novo relatório do UNAIDS, Em Perigo, mostram que, infelizmente, o mundo não está no caminho certo para cumprir com essa meta fundamental para a vida de milhões de pessoas.
Embora no ano passado tenha havido uma redução de 3,6% nas infecções por HIV no mundo, a realidade é que esta é a menor queda anual desde 2016. Mantida a trajetória atual, a projeção do UNAIDS é de que haverá 1,2 milhão de novas infecções por HIV em todo o mundo em 2025, mais de três vezes acima da meta original para aquele ano, que era de 370 mil.
Neste contexto, o Brasil sempre foi considerado um exemplo na resposta ao HIV. A possibilidade de acesso às estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento do HIV pelo Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo o acesso gratuito aos medicamentos antirretrovirais, é um modelo que serve de referência para muitos países.
Mas o país não está imune ao perigo identificado no relatório global do UNAIDS. O fato de que exista uma oferta pública de serviços de prevenção, diagnóstico e tratamento do HIV e AIDS não implica, necessariamente, que as pessoas conseguirão acessar estes serviços. As desigualdades, potencializadas pela discriminação e pelo estigma, são um fator determinante para que especialmente as populações em situação de maior vulnerabilidade tenham dificuldades ou sejam impedidas de ter acesso aos serviços de HIV que podem lhes garantir uma vida saudável e produtiva.
No Brasil, 27% das pessoas vivendo com HIV ainda não recebem o tratamento antirretroviral que pode salvar suas vidas. Isto significa que existe um trabalho ainda a ser feito para reforçar os mecanismos que permitem o diagnóstico no tempo adequado e a imediata adesão ao tratamento antirretroviral e ao acompanhamento de saúde. Este é um ponto particularmente crítico para as populações em situação de maior vulnerabilidade.
Um exemplo de ação propositiva é a possibilidade de dispensação da profilaxia pré-exposição (PrEP), um elemento importante das estratégias de prevenção combinada do HIV. Isto é impactante porque em muitas cidades e comunidades existe ainda um déficit de profissionais médicos que possam fazer este atendimento, o que impacta as pessoas em maior vulnerabilidade. A possibilidade de profissionais de enfermagem também fazerem a dispensação do PrEP amplia a possibilidade de acesso a quem mais precisa, especialmente populações-chave e prioritárias (profissionais do sexo, jovens, população negra). Este modelo poderia ser ampliado para outras categorias profissionais ligadas ao serviço de saúde.
Outros elementos de desigualdade, como o racismo estrutural, que faz com que as pessoas negras sejam mais afetadas pela pandemia de HIV, precisam ser encaradas de frente e revertidas. Não é possível aceitar que ao longo de dez anos os casos de AIDS tenham aumentado 12,9% entre a população negra, ao mesmo tempo em que tenham diminuído 9,8% entre a população branca. Na mesma linha, não podemos aceitar que travestis e mulheres trans, além das violências físicas e psicológicas que sofrem pela transfobia, estigma e discriminação, ainda corram um risco 40 vezes maior de ser infectadas pelo HIV do que a média da população.
A boa notícia é que é possível acabar com a AIDS como ameaça à saúde pública.
Aqui estão cinco maneiras pelas quais o Brasil pode fortalecer e expandir sua resposta ao HIV:
Garantir uma resposta firme às desigualdades que dificultam ou impedem as pessoas em maior vulnerabilidade de receber serviços de prevenção, testagem e tratamento do HIV.
Garantir o respeito e o fortalecimento dos direitos humanos e da igualdade de gênero, incluindo a remoção de leis e políticas punitivas e discriminatórias e a integração de esforços e de recursos para acabar com a violência de gênero, o estigma e a discriminação na resposta ao HIV.
Fortalecer e tornar mais abrangentes as estratégias de prevenção do HIV, incluindo o avanço na garantia de acesso de todas as pessoas que desejem e precisem a inovações como a profilaxia pré-exposição (PrEP).
Integrar as organizações da sociedade civil e comunidades aos processos de planejamento, implementação e monitoramento das respostas ao HIV nos âmbitos nacional, regional e local, incluindo o acesso a recursos e outros tipos de apoio.
Priorizar e disponibilizar recursos estratégicos suficientes para garantir que a resposta ao HIV siga sendo executada de forma abrangente e sustentável.
Acabar com a Aids como ameaça à saúde pública até 2030 está em nossas mãos.
Entretanto, para que esta promessa seja cumprida, precisamos agir agora.