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ARTIGO: A minha mensagem de Hiroshima

05 agosto 2022

Em artigo de opinião, o secretário-geral da ONU, António Guterres faz um apelo em prol do desarmamento nuclear.

No último final de semana, o líder das Nações Unidas participou de uma cerimônia no Memorial da Paz de Hiroshima pelo 77º aniversário do bombardeio atômico da cidade japonesa, onde se reuniu com sobreviventes.

Leia a mensagem na íntegra:

O secretário-geral, António Guterres, participa de cerimônia no Memorial da Paz em Hiroshima.
Legenda: O secretário-geral, António Guterres, participa de cerimônia no Memorial da Paz em Hiroshima.
Foto: © Ichiro Mae/UN Photo

No sábado, foi com orgulho que estive ao lado do primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida, e do povo de Hiroshima para recordar uma catástrofe sem precedentes.

Há setenta e sete anos foram lançadas armas nucleares sobre o povo de Hiroshima e de Nagasaki.

Num piscar de olhos, dezenas de milhares de mulheres, crianças e homens foram mortos, incinerados por um fogo infernal. Edifícios ficaram reduzidos a pó. Sangue correu pelos belos rios destas cidades.

Os sobreviventes foram condenados a um legado radioativo, castigados com problemas de saúde e sujeitos ao longo da vida, a esse estigma causado pelo bombardeamento nuclear.

Tive a grande honra de conhecer um grupo desses sobreviventes – os hibakusha, cujo número diminui a cada ano – que me contaram, com inabalável bravura, o que testemunharam naquele dia aterrador em 1945. 

É hora de os líderes mundiais serem tão lúcidos quanto os hibakusha e verem as armas nucleares como elas são. As armas nucleares não fazem sentido. Não podem garantir segurança ou proteção. Por natureza, apenas matam e destroem. 

Já passaram três quartos de século desde que nuvens em forma de cogumelo pairaram sobre Hiroshima e Nagasaki. Desde então, a humanidade sofreu uma Guerra Fria, décadas de loucura absurda e vários quase-acidentes aterradores que colocaram a humanidade a poucos minutos da aniquilação.

Mas mesmo durante os momentos mais críticos da Guerra Fria, as potências nucleares reduziram significativamente os seus arsenais nucleares. Houve uma ampla aceitação dos princípios contra o uso, a proliferação e o teste de armas nucleares.

 

Hoje, corremos o risco de esquecer as lições de 1945.

Uma nova corrida armamentista está ganhando velocidade, com governos gastando centenas de bilhões de dólares para atualizar as suas reservas de armas nucleares. Há cerca de 13 mil armas nucleares armazenadas em arsenais em todo o mundo. As crises geopolíticas com graves implicações nucleares estão disseminando-se rapidamente, do Médio Oriente à Península Coreana, até à invasão da Ucrânia pela Rússia.

Uma vez mais, a humanidade está brincando com o fogo. Estamos a uma falha, a um mal-entendido, a um erro de cálculo do Armageddon.

Os líderes devem parar de bater à porta do Apocalipse e abandonar para sempre a opção nuclear. 

É inaceitável que os Estados detentores de armas nucleares admitam a possibilidade de uma guerra nuclear, o que significaria o fim da humanidade.

Da mesma forma, os países com armas nucleares devem comprometer-se a não tomar a iniciativa de utilização dessas armas. Devem também assegurar aos Estados que não possuem armas nucleares de que não as usarão – ou não ameaçarão usá-las contra eles, e serem transparentes em todos os aspetos. A ameaça tem de parar. 

Na realidade, há apenas uma solução para a ameaça nuclear: não ter armas nucleares. Para tal, é necessário abrir todas as vias de diálogo, de diplomacia e de negociação para aliviar as tensões e eliminar estas armas mortais de destruição em massa.

Estamos a assistir a novos sinais de esperança em Nova Iorque, onde o mundo se reuniu para a 10ª Conferência de Revisão do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. O Tratado é uma das principais razões pelas quais as armas nucleares não são usadas desde 1945, contendo compromissos juridicamente vinculativos para alcançar o desarmamento nuclear e podendo ser um poderoso catalisador para o desarmamento – a única maneira de eliminar essas armas horrendas de uma vez por todas.

E em junho, os membros do Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares reuniram-se pela primeira vez para desenvolver um plano para um mundo livre desses dispositivos apocalípticos.

Não podemos continuar a aceitar a presença de armas que ameaçam o futuro da humanidade.

É hora de prestar atenção à mensagem atemporal dos hibakusha: “Chega de Hiroshimas! Chega de Nagasakis!”

É hora de promover a paz.

Juntos, passo a passo, vamos retirar estas armas da face da terra.

 

 António Guterres

António Guterres

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