ARTIGO: Quesito quilombola no Censo conecta Brasil aos compromissos ONU
28 setembro 2022
Em um artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, a representante do Fundo de População da ONU (UNFPA) no Brasil, Astrid Bant, comemora a inédita inclusão da denominação quilombola no Censo 2022.
Para Bant, esta inclusão no Censo, que acontece em um contexto de pandemia, pode agora apresentar uma nova leitura em termos demográficos sobre brasileiras e brasileiros e representa uma oportunidade de reparar séculos de apagamento desses povos.
Ela também defende que agora será possível sistematizar de forma mais moderna as informações que poderão subsidiar políticas públicas de acordo com as necessidades e potencialidades dos quilombolas, respondendo assim às propostas da Década Internacional de Afrodescendentes.
Por Astrid Bant*
As Nações Unidas declararam que, entre 2015 e 2024, a comunidade internacional deveria estar convocada a promover ações de reconhecimento, justiça e desenvolvimento para os povos de ascendência africana. Conhecida como Década Internacional de Afrodescendentes, essa convocação busca promover direitos e ampliar liberdades para os afrodescendentes, que só nas Américas somam mais de 200 milhões de pessoas.
O Brasil é o país com o maior número de pessoas autodeclaradas negras (pretas e pardas) fora do continente africano. Pessoas negras representam 56,2% da população brasileira, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2019) —não obstante, é também o grupo onde se observa, com mais evidência, as desigualdades de toda ordem e a violação constante de direitos.
Para fazer frente a essa situação de desrespeito e desequilíbrio gritante é preciso conhecimento sobre quantos são, onde estão e em que condições vivem —cada grupo que forma uma determinada comunidade. O melhor instrumento para fazer essa fotografia em alta definição é o Censo, a espinha dorsal do sistema estatístico brasileiro.
O Brasil é uma referência para o mundo nesse tipo de coleta, ordenação e análise de dados populacionais, e as pesquisas com intuito de conhecer e reconhecer a nação brasileira a partir do quesito étnico-racial são antigas. Antes da abolição da escravatura, o Brasil já observava e contabilizava as pessoas entre livres e escravizadas e segundo raça/cor. Nos períodos subsequentes, o país seguiu produzindo esse tipo de investigação e, a partir da década de 1990, o quesito raça/cor foi aprimorado, incluindo também a população indígena, e a autodeclaração se estabeleceu.
Os dados permitiram que a sociedade civil brasileira —especialmente o movimento social negro, a academia e os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário— apresentassem uma série de políticas públicas, programas e ações de enfrentamento ao racismo e promoção da equidade étnico-racial, evidenciadas a partir dos anos 2000.
Direitos - Essas políticas são muito conectadas aos princípios dos direitos humanos e aos compromissos firmados na 3ª Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, realizada em 2001 em Durban, na África do Sul, da qual o Brasil é signatário e teve um papel muito relevante.
Agora, o Censo 2022, que acontece em um contexto de pandemia e pode apresentar uma nova leitura em termos demográficos sobre brasileiras e brasileiros, incluirá, pela primeira vez, a população quilombola.
Essa inclusão, que abre a possibilidade de o país dar um salto rumo à equidade, é resultado de um longo processo conduzido pelo IBGE em diálogo com as representações de quilombolas e com o apoio do Fundo de População da ONU (UNFPA).
Com o resultado dessa ação, o Brasil terá a oportunidade de reparar séculos de apagamento desses povos, sistematizar da melhor e mais moderna forma possível as informações que poderão subsidiar a sociedade civil organizada e o desenho e a execução de políticas públicas de acordo com as necessidades e potencialidades dos quilombolas, respondendo e se direcionando, com uma ação propositiva, rumo à Década Internacional de Afrodescendentes.
*Antropóloga, socióloga e psicóloga, Astrid Bant é representante do Fundo de População da ONU no Brasil.