Cerimônia marca devolução de território indígena no Pará
Solenidade liderada por mulheres devolveu terra a 2.500 indígenas dos povos Tembé, Timbira e Kaapor. Depois de 30 anos, área foi desocupada pacificamente.
Em uma solenidade liderada por três mulheres indígenas, a Terra Indígena Alto Rio Guamá, no estado do Pará, foi devolvida aos povos Tembé, Timbira e Kaapor, após um processo pacífico de retirada de cerca de 1.600 não-indígenas que viviam ilegalmente no território.
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Joenia Wapichana, e a secretária dos Povos Indígenas do Pará, Puyr Tembé, estiveram na Aldeia Central para o evento.
Após 30 anos de espera, os 2.500 indígenas que vivem nas 42 aldeias do Alto Rio Guamá terão direito ao uso exclusivo dos 282 mil hectares que compõem seu território, homologado em 1993.
A desintrusão, como é conhecido o processo de retirada de não-indígenas, levou 60 dias e cumpriu uma sentença da Justiça Federal de 2018 favorável a pedidos de ação de reintegração de posse. A maior parte das pessoas saiu da Terra Indígena voluntariamente.
O evento que marcou a devolução do território aos Tembé, Timbira e Kaapor foi realizado no dia 28 de junho e contou com a participação de homens, mulheres e crianças, que se reuniram a 10 lideranças indígenas, à secretária-executiva da Secretaria-Geral da Presidência da República, Maria Fernanda Coelho, e a representantes das diversas instituições dos governos federal e estadual que participaram do esforço de desocupação da terra indígena.
O Cacique Naldo Tembé agradeceu a todos os envolvidos na operação, liderada pela Secretaria-Geral da Presidência da República, e falou sobre as décadas de luta de seu povo:
“É uma satisfação imensa. Nós estamos nessa luta há mais de 40 anos. Meu avô, meu pai, meus tios que tanto lutaram. Muitos já se foram, não conseguiram ver essa imensa alegria que está sendo realizada hoje. Com tantos anos de luta, a angústia chegou ao fim”.
A coordenadora residente da ONU no Brasil, Silvia Rucks, viajou até a Terra Indígena Alto Rio Guamá a convite do governador do Pará, Helder Barbalho, e da secretária Puyr Tembé.
“As Nações Unidas vêm trabalhando pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia, inclusive em parceria com o Consórcio Interestadual da Amazônia Legal, com foco principalmente nas pessoas que vivem na região, em sua diversidade”, declarou Silvia Rucks durante o evento.
Ela recebeu a pintura sagrada das guerreiras Tembé e agradeceu aos caciques, às mulheres indígenas e às crianças pela recepção calorosa:
“É uma honra estar aqui nesta solenidade em que os indígenas do Alto Rio Guamá recebem de volta o seu território. É um momento histórico não só para estes povos e para o Brasil, mas também para outros países da América Latina, cujos povos indígenas enfrentam desafios similares”.
Luta
“É muito difícil olhar para trás e lembrar que, às vezes, a gente corria quando ouvia o barulho da motosserra por perto. Escutava um caminhão chegando e se escondia porque vinha uma ameaça de nos matar. A gente se escondia e depois voltava, a vida seguia.. mas não desistia de lutar. A gente resistia e foi assim que a gente conseguiu segurar esse território. E a gente vai continuar segurando esse território que o governo entrega em nossas mãos”, afirmou a secretária dos Povos Indígenas do Pará, Puyr Tembé.
Ela destacou a necessidade de combater atividades ilegais na Amazônia, como o garimpo e o desmatamento:
“É esse o nosso papel e é isso que vamos fazer”.
Joenia Wapichana falou sobre a persistência de gerações de indígenas na luta por sua terra:
“Para mim é muito emocionante vir aqui celebrar, mas principalmente fazer um ato de retorno da terra para as mãos dos povos indígenas. Essa luta não começou agora. Teve gerações e gerações que testemunharam e viram pais, netos, avós e nunca desistiram. Quando eu digo obrigada, estou dizendo obrigada por resistirem e não desistirem jamais desse reconhecimento”.
“Caciques, mulheres, crianças, parabéns pela luta, pela perseverança, pela persistência, honrando os ancestrais que lutaram durante todo esse período. É uma alegria estar aqui com vocês hoje”, afirmou a secretária-executiva Maria Fernanda Coelho.
Ela chamou a atenção para a importância do envolvimento dos vários níveis de governo no processo:
“A articulação interfederativa é fundamental para execução do trabalho”.
A ministra Sônia Guajajara destacou a transversalidade do esforço de desintrusão, que demandou o envolvimento de vários ministérios e órgãos federais e o cuidado com as pessoas que viviam irregularmente na terra:
“Esse território nas mãos dos povos indígenas é garantia de proteção da cultura, de proteção da biodiversidade e de contribuição para o equilíbrio climático”.
Processo
Na primeira fase da desintrusão, entre maio e junho deste ano, as famílias não-indígenas foram cadastradas para encaminhamento a programas sociais pertinentes. Prefeituras, governo estadual e órgãos federais trabalharam juntos para garantir a assistência necessária.
Após o término da saída voluntária, oficiais de justiça notificaram eventuais remanescentes e atestaram a saída de todos os ocupantes ilegais. Ao longo do mês de julho, o poder público ainda vai inutilizar acessos e instalações irregulares, para impedir que intrusos voltem a ocupar a terra.
Participaram da operação conjunta de desintrusão Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Força Nacional e Exército Brasileiro, sob coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da República e com a participação da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.