“O Plano de Vida guiará a juventude indígena para o futuro”
Migrante, mulher trans e liderança indígena, Paola Abache foi uma das principais vozes na construção do Plano de Vida de sua comunidade.
“Os mais jovens colocaram os seus sonhos neste livro, ideias que muitos trouxeram de um ‘olhar à frente’. Eu escrevi junto com eles, desenhei e sonhei junto cada detalhe e cada palavra que foi colocada ali”, conta, entusiasmada, Paola Abache.
A jovem migrante, indígena Warao e mulher trans de 23 anos, faz parte dos mais de 11 mil indígenas venezuelanos que cruzam a fronteira do território brasileiro desde o início do fluxo migratório. É dela uma das importantes vozes que ajudaram a compor o Plano de Vida dos Povos Originários Indígenas da Venezuela, documento construído com o apoio do UNICEF que auxiliou na identificação das necessidades e oportunidades das famílias indígenas migrantes e seus filhos no Brasil.
Paola explica que mudar de país foi como nascer de novo: adotou novos pronomes, mudou a forma de se vestir e o cabelo. O preconceito que sentia na sua comunidade, no estado de Delta Amacuro, parece não ser tão grande entre as pessoas do refúgio onde foi acolhida.
Antes de se mudar para a Boa Vista, capital de Roraima, Paola morou por um ano em Pacaraima, fronteira do Brasil com a Venezuela. “Cheguei ao Brasil com apenas 19 anos e, ainda em Pacaraima, troquei todos os meus documentos e passei a usar o meu nome social. Claro que eu pensei que não seria aceita, mas logo fiz muitas amigas e amigos. Eles me apoiaram muito”, explicou.
Após quatro meses em um dos abrigos da Operação Acolhida em Boa Vista, chamado Waraotuma a Tuaranoko (que significa “lugar de repouso até que possa partir para outro”, no idioma Warao), Paola foi convidada por um dos aidamos – líderes indígenas - a se tornar sua suplente do cargo de liderança. Nesse meio tempo, aprendeu o que significa ser aidama, como as decisões são tomadas e, quando o líder se ausentou, ela esteve lá, o que a ajudou a se tornar reconhecida e na sua comunidade.
Em uma nova votação realizada em 2021, o resultado foi quase unânime: queriam Paola como líder. O feito a tornou a mulher mais jovem a ser eleita na comunidade, com apenas 20 anos.
“A posição me ajudou a amadurecer. De cara, não fui aceita pelos outros aidamos com quem eu dividia a responsabilidade. Mas ganhei o respeito deles. Esse passo fez com que mais pessoas jovens começassem a se preparar para assumir essa posição e a querer lutar pelo futuro da comunidade”, contou.
Como aidama, a jovem passou a tomar decisões importantes em conjunto com os outros líderes, assim como passou a se colocar em uma posição de inspiração para os mais jovens. Com o cargo, vieram muitas responsabilidades. Entre elas, o convite do UNICEF para compor um grupo com outros representantes indígenas para construir o Plano de Vida.
Participação e representação
O Plano de Vida foi construído em conjunto - homens e mulheres, meninos e meninas, brasileiros e venezuelanos, das mais diversas etnias e idades assumiram um único compromisso ao longo de 24 meses: colocar no papel o que eles desejam para o seu futuro no Brasil. Em parceria com o Conselho Indígena de Roraima (CIR), uma das organizações indígenas mais ativas do Brasil e com suporte da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECID), o UNICEF apoiou a criação do documento, que em um processo de trocas de experiências pessoais e diálogo com os indígenas Warao, E’ñepa e Ka’riña, que vivem nos abrigos indígenas da Operação Acolhida, resultou em um Plano de Vida, conhecido não só pelos adultos, mas também pelas crianças e adolescentes, que participaram ativamente da construção.
Desenhado a muitas mãos, o documento também dispôs da ajuda de lideranças indígenas do Brasil, que no decorrer do intercâmbio entre campos, lavrados e florestas de Roraima, compartilharam suas histórias de lutas, conquistas e seus planejamentos comunitários. Essas histórias, que inspiraram o processo de construção do Plano de Vida, que mais do que um documento, é uma ferramenta para auxiliar organizações e instituições públicas a implementar ações que melhorem a qualidade de vida dessas pessoas que agora fazem parte do Brasil.
“Andei por muitos lugares durante a construção. Em todos eles pude ouvir e ser ouvida. Falamos da construção de uma escola onde podemos ensinar nossa cultura e costumes, de hospitais, transporte e sobre a terra. Um lugar bonito, verde e próximo de um rio para a gente desenvolver. Nossos jovens estão crescendo, e querem continuar aqui”, explicou Paola.
Participar do Plano de Vida despertou em Paola o desejo de levar a sua voz cada vez mais longe. No fim do ano passado, ela foi eleita miss trans da parada LGBTQIAP+ de Roraima. Mas o que ela quer mesmo é usar essa oportunidade para ser uma porta-voz de sua comunidade:
“Para todos os jovens, esta é a minha mensagem: se você é trans, lésbica, gay, bi, hétero, não importa. Não deixem de sonhar. Hoje, muitos jovens deixam o seu país em busca de um futuro melhor. Não importa onde você estiver, você é indígena. Lute pelo seu povo, não deixe de estudar. Sair de um país é difícil, nos sentimos perdidos e sei que muitos ainda se sentem assim. Mas não deixe de sonhar, trabalhe pelo que você deseja alcançar.”
Para saber mais, siga @unicefbrasil nas redes e visite a página sobre o Plano de Vida dos Povos Indígenas Originários da Venezuela.