"A febre dura um dia – já a imunização, a vida toda"
Na sala de vacina em Pacaraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela, a técnica em enfermagem Angélica e equipe vacinam mais de 400 refugiados e migrantes.
São oito horas da manhã em Pacaraima, pequena cidade do estado de Roraima que faz fronteira com a Venezuela. Uma caixa de som anuncia que a equipe da sala de vacina já começou os preparativos para imunizar refugiados e migrantes que entram no País. É nessa hora que Angélica Morales, técnica de enfermagem, chega ao local de trabalho.
“O trabalho começa antes do público chegar. Arrumamos as caixas, organizamos os termômetros e verificamos os lotes e validades das vacinas. Sempre deixamos tudo pronto antes da sala de vacina abrir. Atendemos em torno de 400 pessoas todos os dias”.
Todos os dias, centenas de venezuelanos cruzam a fronteira brasileira passando por Pacaraima, entre eles crianças e adolescentes com atraso no esquema de imunização.
“Temos dois grandes compromissos de saúde para com as crianças que chegam ao Brasil: verificação da situação nutricional e complemento dos esquemas vacinais, garantindo o cuidado inicial que todas merecem. O UNICEF apoia o Governo do Brasil frente à emergência do fluxo migratório e os municípios no fortalecimento de suas estruturas para que abranjam este grupo populacional com atenção primária a saúde de maneira integral”, destaca a Oficial de Saúde e Nutrição do UNICEF, Paula Buck.
As ações são implementadas em parceria com a Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (ADRA) no âmbito da Operação Acolhida, a resposta humanitária liderada pelo Governo Federal. O objetivo é garantir o direito à saúde das crianças que entram, mas também daquelas que vivem no Brasil, evitando o retorno de doenças que podem ser prevenidas por vacina.
Na sala de espera, diversas famílias começam a chegar e formar fila para aguardar o atendimento. Em um canto está a família Suárez, que conversa baixinho. A mãe, Laura Suárez, e o pai, Edgardo Urbano, tranquilizam os filhos Alan, de nove anos, e Carlos, de 14, ambos com síndrome de Down, sobre o que está prestes a acontecer.
Depois de uma longa viagem de ônibus, haviam acabado de chegar ao Brasil quando foram encaminhados para a sala de vacina – etapa essencial para a regularização no país. Laura conta que a viagem havia sido tranquila e que o processo na fronteira também estava. Em um momento, os pais decidem compartilhar uma preocupação: o medo dos meninos não se adaptarem ao Brasil.
“Por conta da síndrome de Down, meus meninos têm um desenvolvimento mais lento do que de outros meninos da sua idade. Minha esperança nesse novo país é que eles possam aprender, ter uma vida melhor e que sejam independentes de todas as formas possíveis. Decidimos vir ao Brasil para tentar dar uma vida melhor e de qualidade para nossos filhos. Essa é a nossa prioridade”, compartilhou Laura.
Dentro da sala de vacina, tudo está pronto para atender a população. Após a primeira família, que é vacinada e logo liberada, chega a vez da família Suarez. A técnica em enfermagem Angélica, que é ela própria venezuelana, recebe todos com um sorriso no rosto: conversa com as crianças, adolescentes, adultos e idosos que aguardam na sala para vacinar.
“Eu me sinto bem em poder atender o meu povo na sua língua materna. Explico o que vai ser feito, onde vou tocar e o porquê daquelas vacinas. Eu quero que eles se sintam bem e tranquilos nesse recomeço”, complementa Angélica.
Quando chega a vez de Alan e Carlos serem atendidos, Angélica cumprimenta os pais e já inicia a conversa diretamente com as crianças. Carlos, que é o irmão mais velho, se voluntaria para ser o primeiro. Faz cara feia, mas mostra coragem para incentivar o irmão mais novo a não ter medo. Ao todo, ele toma cinco vacinas e, apesar de a última ter sido a mais dolorida, não deixou que isso o abalasse.
“A vacina será boa para minha saúde. Mesmo que doa, sou forte”, completa.
Na vez do irmão mais novo, mesmo com o esforço de Carlos, Alan continua com medo. Angélica o acolhe, e permite que fique abraçado com a mãe no momento da vacina.
“Quando converso com as crianças, elas se sentem mais seguras. Tento tranquilizá-las, mostro como a agulha é pequena e falo ‘olha como a agulha é pequenininha, não vai doer’, e sempre começo com a tríplice viral (que previne sarampo, caxumba e rubéola), que é a vacina que não dói”, explica Angélica.
Como grande parte de refugiados e migrantes que entram no país não receberam todas as vacinas indicadas no calendário de vacinação brasileiro ou estão em atraso, o UNICEF, em parceria com a ADRA, monitora o seu status de vacinação também em abrigos de Roraima. Por meio dos monitores de saúde, foram realizadas em 2023 mais de 43 mil avaliações de cadernetas de vacinação, com 6.465 crianças menores de cinco anos sendo vacinadas. Além disso, o UNICEF apoia as secretarias municipais de saúde de Boa Vista e Pacaraima no projeto de implementação de campanhas de vacinação, colaborando com a equipe de vacinação itinerante.
Já na sala de vacinação, os pais dos meninos também se vacinam e o atendimento dura poucos minutos. A família, que acabara de atualizar o seu esquema vacinal, poderia seguir para conseguir a sua documentação e liberação para permanecer no país.
“Estou muito feliz que todos os profissionais aqui no posto de vacinação foram tão amáveis com minha família, pelo carinho com meus filhos”, destacam os pais Laura e Edgard.
A família seguiu em frente à sua nova vida, mas na sala de vacinação o dia estava apenas começando. Desde 2022, a profissional conta que já atendeu mais famílias do que poderia se lembrar.
“Eu não sou nem ‘a quarta parte’ de quem eu era antes. Eu amadureci, aprendi a importância da vacina e me tornei uma multiplicadora dessa importância. Todos os dias, centenas de pessoas cruzam a fronteira procurando uma vida melhor e acredito que a melhor maneira de iniciar essa vida é se imunizando e protegendo sua família e a comunidade. O Sistema Único de Saúde oferta todas as vacinas que uma criança e um adulto precisam. Em outros lugares não temos essa possibilidade, não de maneira gratuita. Existe essa facilidade de acesso a algo que protege a todos pelo resto da vida sem pagar nada por isso. A febre dura um dia – já a imunização, a vida toda”, finaliza a profissional.
Este trabalho, que compõe a resposta ao fluxo migratório da Venezuela em Roraima, é possível graças ao apoio estratégico do Departamento de Proteção Civil e Ajuda Humanitária da União Europeia (ECHO, na sigla em inglês) e do Escritório para População, Refugiados e Migração do Departamento de Estado dos Estados Unidos (PRM, na sigla em inglês).
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