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ARTIGO: Uma conferência diplomática para chamar de nossa

16 maio 2024

Começou a Conferência Diplomática sobre Recursos Genéticos e Conhecimentos Tradicionais Associados 


Da esquerda para a direita: Diretor geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), Daren Tang; conselheira nacional de Cultura, Daiara Tukano;  representante do Brasil na Presidência da Conferência Diplomática, ministro Guilherme Patriota; e cacique Huni Kuin.

Legenda: Da esquerda para a direita: Diretor geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), Daren Tang; conselheira nacional de Cultura, Daiara Tukano; representante do Brasil na Presidência da Conferência Diplomática, ministro Guilherme Patriota; e cacique Huni Kuin.
Foto: © OMPI

Por Isabella Pimentel*

A Pentadiplandra Brazzeana é um arbusto comumente encontrado no oeste da África. Ela também é conhecida como árvore do oubli (esquecimento, em francês) porque suas bagas são utilizadas pelas indígenas da região no desmame de crianças (ao comer as bagas, as crianças esquecem o peito materno). 

Pesquisadores da universidade de Wisconsin-Madison se interessaram por esse fato e decidiram analisar a fruta, e descobriram que ela tinha uma proteína que pode ser de 500 a 2000 vezes mais doce que o açúcar comum, e com muito menos calorias! 

Eles então isolaram essa proteína, a batizaram de brazzeína e pediram o registro de diversas patentes associadas a essa proteína. Uma grande iniciativa, e a brazzeína vem sendo considerada o edulcorante do futuro. Mas as mulheres indígenas da região, que vinham usando a baga há séculos e provavelmente contribuíram para a domesticação da planta, não foram incluídas entre os inventores ou titulares, e, portanto, não têm direito à participação nos lucros advindos da comercialização da proteína. Além disso, a reprodução sintética da proteína provocou uma queda na venda da baga in natura, uma das principais fontes de sustento das mulheres indígenas do Gabão. 

Este não é um caso isolado de patentes concedidas sobre invenções associadas a recursos encontrados na natureza e originalmente utilizados e domesticados por povos indígenas. De acordo com o museu dos Povos Indígenas do Rio de Janeiro, hoje existem no mundo 453 patentes relacionadas com o guaraná e 271 com o açaí. E ainda existe muita coisa na natureza que ainda não foi explorada, basta ver os inúmeros usos a que a ayahuasca podem se destinar. 

Os países detentores desse tipo de riqueza, conhecidos como recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados, vêm implementando iniciativas para proteger seus recursos locais. Mas as leis só têm alcance dentro das fronteiras dos países, por isso essas iniciativas têm tido impacto limitado.

Por isso, eles levaram a questão à Organização Mundial da Propriedade Intelectual, o fórum internacional para se debater questões relacionadas com patentes, para a adoção de um tratado internacional. Mas um tratado internacional não é algo simples de se conseguir. É preciso ter um número mínimo de países de acordo com um texto base, e isso pode levar anos de negociações - foi exatamente o que aconteceu com esse pleito! 

Agora, mais de 30 anos depois que a Colômbia apareceu com a primeira reivindicação sobre o tema para a OMPI, finalmente os países chegaram a um ponto onde eles se sentem confortáveis em começar a discutir. E assim, começou no dia 13 de maio a Conferência Diplomática da OMPI em Recursos Genéticos e Conhecimentos Tradicionais Associados

A ideia é que até o dia 24 de maio, quando a conferência se encerra, os estados membros tenham um texto consolidado para um tratado internacional que obrigue os inventores a declararem quando as invenções para as quais eles estão pedindo a proteção por patentes contenham algum recurso genético ou conhecimento tradicional associado no estado da técnica, que é como se chama a tecnologia existente que levou àquela invenção. 

Dito assim parece muito simples, mas tem muito mato para capinar ainda! Os povos indígenas brasileiros, por exemplo, reivindicam que as sanções para quem não declarar estão muito brandas, e que o consentimento prévio dos povos indígenas envolvidos com aquela invenção deve ser obrigatório. 


o Brasil está muito atuante na conferência, com a participação nas delegações de lideranças indígenas como Daiara Tukano e o cacique Ninawa Inu Huni Kuin.

Legenda: O Brasil está muito atuante na conferência diplomática internacional, com a participação nas delegações de lideranças indígenas como Daiara Tukano e o cacique Ninawa Inu Huni Kuin (foto).
Foto: © OMPI

Enfim, é um tema sensível e que envolve muito dinheiro, e as negociações prometem ser extensas e elaboradas. A grande novidade dessa conferência diplomática, além da importância do tema, é que pela primeira vez a OMPI está transmitindo a sessão plenária da Conferência ao vivo. Para quem gosta de propriedade intelectual e relações internacionais é uma oportunidade única! Além disso, o Brasil está muito atuante na conferência, com a participação nas delegações de lideranças indígenas como Daiara Tukano e o cacique Ninawa Inu Huni Kuin. 

Vale muito à pena conferir, na página: https://webcast.wipo.int/home 

Encontro vocês lá!

*Isabella Pimentel é conselheira do Escritório da OMPI no Brasil. 

Entidades da ONU envolvidas nesta atividade

OMPI
Organização Mundial de Propriedade Intelectual

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