Acessibilidade e dignidade: promovendo espaços verdes inclusivos na maior cidade da América Latina
"Por que as crianças com deficiência não frequentam os parques? Poucos locais têm brinquedos com acessibilidade."
A paulistana Rafaela Moreira de Freitas é uma pessoa rara: simpática, consciente e combativa, não deixa que ninguém fale por ela aquilo que quer expressar, independentemente dos desafios que a vida impõe.
Nascida e criada na maior metrópole da América Latina, ela sempre apreciou os refúgios de verde que encontra em plena cidade cinza, contente em poder estar em meio à natureza – e desejando que essa sensação fosse ainda mais acessível para todos.
Rafaela é, também, uma mulher com uma deficiência física rara: portadora de ataxia espinocerebelar, uma doença que causa a degeneração progressiva do cerebelo e suas vias, levando a alterações do equilíbrio e de outras funções, ela tem visto os mesmos parques de São Paulo em que corria, anos antes, cada vez mais distantes de poderem recebê-la novamente.
Não por falta de vontade, nem de força de vontade – ambas, a estudante de Ciências Sociais e integrante do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito de São Paulo tem de sobra. Mas por falhas na acessibilidade.
"A gente não está nos parques porque não tem acessibilidade."
"E para mim foi muito difícil, porque eu estava acostumada com uma rotina que mudou há seis anos. Eu não nasci [assim], eu me tornei assim", explica Rafaela, avaliando de maneira ampla o quanto essas áreas verdes, antes tão convidativas, se tornaram locais de difícil acesso.
Avaliar os parques para promover mudanças em São Paulo – incluindo a percepção de Rafaela e de centenas de pessoas que estão participando de avaliações, capacitações e oficinas – é um dos objetivos do Viva o Verde SP, parceria entre o ONU-Habitat e a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), da Prefeitura de São Paulo.
E a disposição para absorver essa amálgama de percepções de mundo é, para Rafaela, um dos destaques da iniciativa. Na análise dos mais de cem parques da capital paulista, foi aplicada a Avaliação de Espaços Públicos da Cidade (City-Wide Public Space Assessment), ferramenta do Programa Global de Espaços Públicos do ONU-Habitat. De outubro a dezembro de 2023, agentes de pesquisa visitaram parques urbanos, lineares, de orla e naturais para realizar a observação detalhada da estrutura de cada um.
"Por que as pessoas com deficiência não frequentam os parques?", instiga Rafaela. "Poucos locais têm brinquedos com acessibilidade. Os banheiros acessíveis ficam trancados: se estivermos com um acompanhante, o que nem sempre é o caso, precisamos que peçam para abrir o banheiro. Não tem um funcionário que se comunique por Libras... é esse tipo de experiência que nós passamos. São coisas pequenas, e eu fico triste porque a gente não é menos cidadão, paga imposto igual, tem direito à cidade igual", destaca.
O coordenador de programas do ONU-Habitat, Jordi Sánchez-Cuenca, salienta que o Viva o Verde SP segue o princípio da Agenda 2030 de não deixar ninguém para trás.
"Neste mesmo espírito, as ferramentas que estamos aplicando em São Paulo têm a acessibilidade universal no espaço público como uma questão central."
"O Viva o Verde SP também cumpre a legislação específica e as políticas públicas nacionais e municipais para as Pessoas com Deficiências: o projeto está fortalecendo a abordagem intersetorial na implantação e gestão dos parques municipais, juntando meio ambiente, inclusão, acessibilidade, lazer, saúde, segurança e governança democrática", reforça ele.
A parceria e o ativismo de Joana Darc e Vitoria
Do artesanato à pintura, da televisão às redes sociais, Vitoria Regia Rosalvo tem muitos hobbies e talentos. Sempre com o apoio da mãe, Joana Darc Rosalvo – do nome forte, de uma guerreira e santa francesa, essa mãe guarda especial orgulho –, Vitoria explora diversas possibilidades na vida. Aos 38 anos, carrega força por onde passa. Ela nasceu com paralisia cerebral espástica, que dificulta sua mobilidade e provoca espasmos e movimentos involuntários.
Joana, assim como a filha, também não para: é palestrante, coordenadora do projeto Vozes Femininas, artesã, auxiliar de enfermagem e ainda estudante de Serviço Social. Na casa onde mora, decorada com diversos quadros pintados por Vitoria, ela cultiva um jardim que é seu xodó: um respiro de natureza no povoado distrito de Brasilândia, na zona norte da capital paulista.
Joana Darc e Vitoria também participaram das ações do Viva o Verde SP, avaliando parques, mostrando as dificuldades que passam e sugerindo melhorias. "A sensação de estar dentro do parque é de liberdade, de um ar mais puro. É maravilhoso", celebra Joana.
"Nós não temos o hábito de ir em parques por uma questão de acessibilidade. Esse é um dos pontos fundamentais para não irmos: nem nós, nem pessoas com deficiência em geral. Então foi muito rica essa troca. E, para nós, foi ainda mais especial porque tivemos a oportunidade de mostrar para outras pessoas o mundo da pessoa com deficiência".
Além de avaliar os mais de cem parques urbanos da cidade, o Viva o Verde SP prevê análises específicas de dez desses espaços, a elaboração de planos de gestão e a promoção de inovação financeira para a manutenção dos espaços públicos verdes. Um dos grandes focos da iniciativa é a participação popular – diferencial necessário para abarcar diversidades.
Ainda há um longo caminho, porém, para que os desejos de pessoas como Rafaela, Joana Darc e Vitoria sejam contemplados e mais parques se tornem, de fato, convidativos para todas as pessoas.
"Com apoio do ONU-Habitat, através do Viva o Verde SP, os parques paulistanos receberão melhorias que permitirão que a Rafaela, a Joana Darc, a Vitoria possam frequentar todos os parques de São Paulo sem barreiras e com segurança", destaca Jordi, coordenador da iniciativa.
Joana reflete que todos os dias busca promover a inclusão, mas precisa provar a própria capacidade e a da filha, "para que as pessoas não te olhem de cima pra baixo".
"Todo dia, lutamos para não permitir que nos diminuam, para mostrar que sabemos do que estamos falando. Com quem se dispõe a de fato nos ouvir, vemos que a escuta ativa muda a visão da pessoa. E eu não deixo barato. Cada vez que vou enfrentar um desafio, eu e a Vi, lembro do que essas batalhas representam. E nós estamos aqui para vencê-las".
Para saber mais sobre o Viva o Verde SP, siga @onuhabitatbrasil nas redes!
Essa história integra a série de destaques da ONU Brasil para o Dia Mundial do Meio Ambiente 2024. Visite a página da campanha e faça parte da #GeraçãoRestauração: https://www.worldenvironmentday.global/pt-br