Ameaças Existenciais Impostas pelo Aumento do Nível do Mar
Discurso do secretário-geral da ONU, António Guterres, na Reunião de Alto Nível realizada na sede das Nações Unidas em 25 de setembro de 2024.
Presidente da Assembleia Geral, Excelências, Senhoras e Senhores,
Nosso mundo está em águas perigosas.
Os cientistas nos dizem que o nível global do mar está subindo mais rápido do que em qualquer outro momento nos últimos 3.000 anos, e acelerando - a taxa de aumento mais do que dobrou desde a década de 1990.
Eles nos dizem que a causa é clara:
Os gases de efeito estufa - provenientes, em sua maioria, da queima de combustíveis fósseis - estão aquecendo nosso planeta, expandindo a água do mar e derretendo o gelo.
Mas eles não podem nos dizer onde isso vai parar.
Isso cabe às lideranças mundiais de hoje.
Suas escolhas determinarão a escala, o ritmo e o impacto da futura elevação do nível do mar.
Aumentos de temperatura superiores a 1,5 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais podem levar o mundo a ultrapassar pontos de inflexão perigosos, o que pode levar ao colapso irreversível e de longo prazo das camadas de gelo da Groenlândia e da Antártica Ocidental.
Na pior das hipóteses, as pessoas vivas hoje poderiam testemunhar o aumento do nível do mar em metros.
Excelências,
As zonas costeiras baixas são o lar de cerca de 900 milhões de pessoas.
A elevação dos mares significa uma maré crescente de miséria:
- Tempestades mais intensas, erosão costeira e inundações costeiras;
- Comunidades alagadas, água doce contaminada, colheitas arruinadas, infraestrutura danificada, biodiversidade destruída e economias dizimadas - com setores como pesca, agricultura e turismo sendo atingidos.
As pessoas mais pobres e mais vulneráveis são as mais atingidas.
Vi isso recentemente no Pacífico, onde os ciclones estão destruindo as economias das ilhas. Em 2015, Vanuatu sofreu danos equivalentes a bem mais da metade de seu PIB.
Enquanto isso, no Panamá, centenas de famílias das ilhas foram realocadas para o continente.
Em Bangladesh, a água salgada está poluindo a água potável, matando plantações e criando uma ameaça à saúde que pode ser mortal, principalmente para mulheres grávidas.
Na cidade de Saint Louis, no Senegal, casas, escolas, pequenas empresas e mesquitas foram abandonadas pela maré invasora.
Tais eventos são reproduzidos em todo o mundo.
É assim que se parece a injustiça climática. Essa é a face da desigualdade.
Mas os ricos não estão imunes.
As economias avançadas estão gastando bilhões - em danos e adaptação.
E, se não agirmos rapidamente, teremos uma situação muito pior.
Como o título do debate de hoje nos lembra, para alguns, isso pode ser existencial:
- Ilhas inteiras perdidas.
- Comunidades litorâneas destruídas à medida que as terras se tornam inabitáveis e não podem ser seguradas.
O deslocamento em massa pode aumentar a pressão sobre recursos escassos em outros lugares, inflamando situações já terríveis.
O comércio global, os sistemas de alimentos e as cadeias de suprimentos serão afetados à medida que os portos forem danificados e as terras agrícolas e a pesca forem arruinadas.
A elevação dos mares remodelará não apenas os litorais, mas também as economias, a política e a segurança.
Excelências,
Somente ações drásticas para reduzir as emissões podem limitar o aumento do nível do mar.
E somente uma ação drástica de adaptação poderá manter as pessoas a salvo do aumento das águas.
Todos devem estar protegidos por um sistema de alerta até 2027, de acordo com a nossa iniciativa Alerta Precoce para Todas as Pessoas.
E todos os países devem entregar novos planos nacionais de ação climática - ou Contribuições Nacionalmente Determinadas - bem antes da COP30 no próximo ano.
Esses planos devem estar alinhados com a meta de 1,5 grau, abranger todos os setores da economia e nos colocar no caminho certo para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis, de forma rápida e justa.
O G20 - responsável por cerca de oitenta por cento das emissões globais - deve liderar. E alinhar seus planos de produção e consumo de combustíveis fósseis com 1,5 grau.
O dinheiro é indispensável.
Precisamos de um resultado financeiro sólido na COP29 deste ano, inclusive em relação a fontes de capital novas e inovadoras.
Precisamos de contribuições significativas para o novo Fundo de Perdas e Danos, como um passo em direção à justiça climática.
Precisamos que os países desenvolvidos dobrem o financiamento da adaptação para, pelo menos, US$ 40 bilhões por ano até 2025 e mostrem como fecharão a lacuna do financiamento da adaptação.
E precisamos reformar os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento para que se tornem maiores, mais ousados e capazes de fornecer financiamento muito mais acessível aos países em desenvolvimento.
Fizemos um progresso real na Cúpula do Futuro. Precisamos continuar avançando, inclusive na Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Social e na conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento no próximo ano.
Também devemos abordar as lacunas em nossa estrutura jurídica internacional com relação ao aumento do nível do mar: para garantir o acesso contínuo aos recursos e, ao mesmo tempo, proteger as fronteiras marítimas existentes; bem como para proteger as pessoas afetadas e - em cenários extremos - abordar as implicações relacionadas à condição de Estado.
Excelências,
Não podemos deixar as esperanças e aspirações de bilhões de pessoas morrerem na água.
Não podemos permitir a destruição em massa de países e comunidades.
É hora de virar a maré.
E nos salvarmos da elevação dos mares.
Obrigado.
Para saber mais, visite a página da campanha pela #AmbiçãoClimática e acompanhe a cobertura completa da ONU News em português: https://news.un.org/pt/