Enchentes no Rio Grande do Sul
O ano de 2024 foi marcado por uma tragédia sem precedentes no Rio Grande do Sul. Chuvas intensas, iniciadas em abril, provocaram enchentes devastadoras que afetaram mais de 2 milhões de pessoas, deixando uma grande parcela da população desabrigada.
Famílias perderam suas casas, pertences, animais de estimação e, em muitos casos, entes queridos. A destruição se espalhou por todo o estado, atingindo 94% dos municípios deixando um rastro de dor e desespero.
A necessidade de respostas rápidas e coordenadas para iniciar a reconstrução e recuperação das comunidades afetadas destaca a importância de planejar cidades resilientes. O caso do Rio Grande do Sul é mais um exemplo dos efeitos da crise climática e da emergência ambiental, que têm aumentado a frequência e a gravidade de fenômenos naturais.
Diante dessas novas realidades, é fundamental que as cidades se adaptem e se preparem para enfrentar os desafios impostos por eventos climáticos extremos.
No dia 1º de junho, a equipe do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) lançou o primeiro material de uma série de conteúdos digitais voltados para explorar temas cruciais relacionados à construção de cidades resilientes e à adaptação a eventos climáticos.
Elkin Velásquez - Representante do ONU-Habitat para América Latina e Caribe
A iniciativa do ONU-Habitat teve como objetivo conscientizar governos, instituições, sociedade civil e demais atores urbanos sobre os impactos das mudanças do clima e a importância de construir cidades resilientes. Compartilhar informações baseadas em dados ajuda a fortalecer ações coordenadas e eficazes.
Os principais tópicos abordados foram:
Cidades resilientes têm a capacidade de reagir, recuperar e resolver problemas, protegendo a população diante de eventos climáticos extremos ou mudanças graduais no clima. É preciso agir com urgência para incluir a resiliência no planejamento das cidades.
Para isso, é necessário reduzir os riscos, desenvolver cenários hipotéticos, promover um planejamento e capacitar as instituições para enfrentar os desafios. E esse movimento deve considerar tanto a construção da resiliência como a adaptação às mudanças do clima.
Esclarecer informações falsas sobre mudanças do clima é fundamental para entender os reais desafios e as soluções necessárias.
Por exemplo, um mito bastante comum é a crença de que não há nada a ser feito para evitar tragédias relacionadas às mudanças climáticas nas cidades. O ONU-Habitat desmentiu essa ideia, afirmando que existem medidas eficazes para reduzir esses impactos.
Promover a resiliência urbana é uma estratégia essencial, que envolve adaptar e reforçar a infraestrutura das cidades para suportar eventos extremos como inundações, ondas de calor e tempestades.
Ao fortalecer a infraestrutura urbana para enfrentar esses desafios, é possível proteger as comunidades e assegurar um futuro mais sustentável e seguro para todas as pessoas.
A relação entre clima e saúde é direta. Ondas de calor, queimadas, poluição e outros eventos climáticos extremos impactam diretamente a qualidade de vida das pessoas.
Enchentes e alagamentos, por exemplo, podem resultar em traumas físicos, disseminar doenças infecciosas, provocar intoxicações alimentares, aumentar o contato com animais peçonhentos e/ou substâncias químicas, entre outras consequências.
Também podem sobrecarregar o sistema de saúde, gerar insegurança alimentar e impactar a saúde mental da população. Por isso, uma gestão de riscos eficaz é crucial para prevenir e mitigar esses efeitos adversos.
O ONU-Habitat ofereceu recomendações sobre como devem ser os processos de reconstrução de cidades após crises, destacando que o planejamento pós-desastres precisa contemplar e atender a novas e urgentes necessidades.
Existem alguns princípios que devem guiar este processo:
- Colocar ênfase no processo de planejamento: O planejamento pode funcionar como uma ferramenta de coordenação e interação entre as diferentes partes interessadas, criando um plano alinhado às expectativas tanto dos governos quanto da população.
- Incluir e consultar a população para incentivar a coesão social e apropriação: O planejamento e a reconstrução pós-crise devem ser centrados nas pessoas. O conhecimento comunitário não se limita a compreender a identidade urbana do passado: ele deve criar novas conexões, mitigar futuros desastres gerando a sensação de pertencimento.
- Planejar em um escopo regional, mas alinhado ao governo local: As necessidades de um determinado local não devem ser isoladas do seu entorno. Pensar os sistemas urbanos e ambiental de forma interconectada é essencial para o planejamento.
- Enquadrar as intervenções imediatas como primeiro passo para a reconstrução a longo prazo: Abordar necessidades de longo prazo exige fazer escolhas que podem ser difíceis de entender ou priorizar no curto prazo. No entanto, é essencial abordar essas preocupações desde o início fornecendo soluções que garantam uma perspectiva de longo prazo.
- Facilitar a reconstrução e aumentar a resiliência urbana: A reconstrução deve abordar o impacto das crises nas cidades como um todo: infraestruturas, serviços, ambiente construído e meios de subsistência. Para além da resiliência social e ambiental, é necessário abordar a econômica. Por isso, o plano de reconstrução deve catalisar a recuperação econômica e os meios de subsistência.
A reconstrução de cidades pós-desastres deve ir além da simples restauração das infraestruturas destruídas; é fundamental adotar um planejamento integrado que crie ambientes urbanos mais resilientes, garantindo a segurança e a sustentabilidade das comunidades afetadas.
O ONU-Habitat apresentou o conceito de placemaking, que é o processo de transformar espaços públicos em lugares vibrantes e inclusivos por meio da participação ativa das comunidades.
Esse conceito abrange o design e a organização de espaços urbanos de forma a promover o bem-estar social, ambiental e econômico das comunidades, tornando as cidades mais habitáveis e resilientes a choques climáticos.
Desastres, como o ocorrido no Rio Grande do Sul, criam uma situação de incerteza prolongada. Por isso, é fundamental que o processo de reconstrução inclua a participação ativa dos habitantes.
Engajar a comunidade no processo garante que os novos espaços atendam às suas necessidades e expectativas, promovendo a criação de cidades mais inclusivas e sustentáveis.
O ONU-Habitat apresentou a metodologia participativa conhecida como Planejamento de Ações para Resiliência da Cidade (CityRAP), projetada para apoiar governos locais de pequenas e médias cidades na criação de estratégias eficazes de resiliência climática.
O CityRAP ajuda a identificar os riscos e vulnerabilidades específicos que uma cidade enfrenta devido às mudanças climáticas. Utilizando uma abordagem colaborativa, a metodologia facilita a elaboração de planos de ação personalizados para mitigar os impactos climáticos e fortalecer a capacidade de adaptação da cidade.
Além de restauração da infraestrutura pública, a reconstrução de casas é imprescindível para recuperar a dignidade e a segurança das pessoas afetadas.
O planejamento e o envolvimento de diversas partes interessadas são essenciais para garantir que as novas construções não apenas substituam o que foi perdido, mas também ofereçam segurança e resiliência a longo prazo.
O ONU-Habitat destaca a importância de incorporar assistência técnica nesse processo visando melhorar os resultados da recuperação por meio do desenvolvimento e reabilitação de capacidades políticas e programas. A assistência abrange várias áreas e pode incluir o treinamento de mão de obra, conscientização comunitária, diálogo com legisladores, engajamento com fornecedores de materiais, entre outros.
A reconstrução após um desastre oferece uma oportunidade para criar estruturas mais seguras e resilientes, melhorando as condições de vida e preparando as comunidades para enfrentar futuros desafios de forma mais eficaz.
A Nova Agenda Urbana
A resiliência urbana ajuda a reduzir os danos causados por eventos extremos e fortalece a capacidade das cidades de se adaptarem e se prepararem para futuros desafios climáticos.
A Nova Agenda Urbana, adotada na Conferência Habitat III em 2016, oferece um marco valioso para guiar esses esforços. O documento estabelece princípios e padrões para o planejamento e desenvolvimento urbano que visam criar ambientes urbanos mais seguros e sustentáveis.
A Nova Agenda Urbana promove práticas que integram a resiliência climática ao planejamento urbano, incluindo a criação de infraestrutura adaptativa, o engajamento das comunidades na tomada de decisões e a implementação de políticas públicas eficazes.
“Como aponta a Nova Agenda Urbana, a construção de resiliência econômica, social e ambiental deve ser o cerne das estratégias urbanas do futuro. Cidades bem planejadas e administradas estão mais bem equipadas para enfrentar os impactos crescentes dos eventos climáticos. É essencial que essas ações considerem especialmente as populações mais vulnerabilizadas, garantindo a inclusão social e a proteção dos direitos humanos em todas as etapas.”
Elkin Velásquez - Representante do ONU-Habitat para América Latina e Caribe
Ao incentivar o planejamento a longo prazo e a colaboração entre diferentes partes interessadas é possível preparar que as cidades para lidar com desastres futuros e proteger melhor suas comunidades.
Aplicando os princípios da Nova Agenda Urbana, é possível transformar as cidades em lugares mais resilientes e capazes de enfrentar as adversidades climáticas de maneira mais eficaz.
Para saber mais:
- Acesse a Nova Agenda Urbana Ilustrada em português.
- Acesse a Nova Agenda Urbana em outros idiomas aqui.
Links úteis:
Planejamento de Ações para Resiliência da Cidade (CityRAP): A ferramenta CityRAP é usada para treinar gestores municipais e técnicos em cidades de pequeno e médio porte. Ela permite que as comunidades compreendam e planejem ações para reduzir riscos, por meio da criação de um Plano de Ação para Resiliência.
Placemaking Toolkit: Designing people places: Publicação com ferramentas para comunidades e designers projetarem e implementarem espaços públicos utilizando o contexto da Palestina. A publicação se divide em três partes:
- Exploração do conceito de criação de lugares e espaços voltados para as pessoas.
- Insights sobre os envolvidos e os passos para projetar e construir esses espaços.
- Componentes e princípios úteis para criar um espaço voltado para as pessoas.
Turning spaces into places | Este manual visa estimular discussões e aumentar a conscientização sobre a diferença entre criação de lugares e manutenção de espaços. O documento explica o conceito de criação de lugares, seu impacto na vida das pessoas e como implementá-lo, apresentando princípios de design e exemplos inspiradores.
Urban Planning Responses in Post-Crisis Contexts |
Respostas de Planejamento Urbano em Contextos Pós-Crise é um documento do ONU-Habitat que destaca estratégias e lições do Laboratório de Planejamento e Design Urbano entre 2014 e 2019. Ele busca orientar profissionais e promover a colaboração entre as comunidades humanitária e de planejamento urbano, enfatizando a importância do planejamento urbano no desenvolvimento de respostas abrangentes a crises.
Urban Recovery Framework | O Quadro de Recuperação Urbana (URF) é um instrumento que visa melhorar a resposta a crises urbanas, promovendo uma recuperação eficaz em áreas afetadas. Ele define estruturas de governança, políticas e mecanismos necessários para intervenções de curto e médio prazo, enquanto apoia a resiliência a longo prazo. A análise urbana integrada ajuda a entender deslocamentos e danos, facilitando respostas adaptadas às particularidades das cidades.
MCR2030 | Making Cities Resilient é uma iniciativa que apoia cidades na compreensão e redução de riscos, além de promover a resiliência. Todas as cidades e governos locais são incentivados a se tornarem membros. Também são bem-vindos a participar governos nacionais, ONGs, instituições acadêmicas e o setor privado que possam ajudar nesse processo.
Referências
- Defesa Civil RS: Balanço detalhado das enchentes no Rio Grande do Sul, com atualizações da Defesa Civil sobre os impactos, áreas afetadas e medidas adotadas até o momento.
- ACNUR Brasil: Informações fornecidas pelo ACNUR sobre a situação de emergência causada pelas enchentes no RS, com foco na assistência humanitária.
- Governo do Estado do Rio Grande do Sul | SOS Rio Grande do Sul: Plataforma oficial do governo estadual com informações sobre a resposta às enchentes, doações e iniciativas de apoio às vítimas e áreas atingidas.