Religiosa brasileira que defende refugiados ganha prêmio global das Nações Unidas
Irmã Rosita Milesi, do Brasil, é a Laureada Global do Prêmio Nansen sobre Refugiados do ACNUR de 2024
Quando perguntada como a filha de agricultores que se tornou Irmã católica acabou sendo uma das defensoras de refugiados mais influentes do Brasil, a irmã Rosita Milesi, de 79 anos, oferece uma resposta simples: determinação e fé.
"Sempre fui uma pessoa muito determinada, desde a infância. Se eu assumo algo, eu vou virar o mundo para fazer acontecer", disse ela em uma tarde quente na cidade de Boa Vista, no norte do Brasil, onde a organização que ela lidera – o Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) – apoia refugiados e migrantes da vizinha Venezuela e de outros países.
Por seu compromisso de décadas com o apoio aos refugiados e seu papel de liderança na formação das políticas acolhedoras do Brasil, a irmã Rosita Milesi foi escolhida como Laureada Global do Prêmio Nansen sobre Refugiados do ACNUR de 2024.
A determinação da irmã Rosita não é movida por ambição pessoal, mas por uma fé profunda e um compromisso com o próximo. Esses valores foram construídos desde a infância por seus pais, de origem italiana, que terminavam cada dia de trabalho rezando com seus 11 filhos. Apesar de terem pouco a oferecer, também ofereciam trabalho, comida e um lugar para dormir às pessoas necessitadas que pediam ajuda ou que transitavam pela região.
Aos 9 anos, Rosita deixou a casa da família no estado do Rio Grande do Sul para residir num colégio próximo, administrado pelas Irmãs Missionárias Scalabrinianas. A congregação foi fundada no final do século 19 para ajudar migrantes italianos que chegavam às Américas, e embora seu trabalho tenha se afastado temporariamente de seu foco original, essa missão fundadora acabaria por definir a vida e o trabalho da irmã Rosita.
Depois de fazer seus votos e se tornar membro da Congregação Scalabriniana em 1964, quando tinha apenas 19 anos, a irmã Rosita passou as duas décadas seguintes trabalhando como professora e na área administrativa de um hospital, em instituições geridas pela congregação para ajudar os pobres. Durante esse tempo, sua determinação ajudou a superar os questionamentos dentro da congregação quando ela se candidatou para estudar direito, eventualmente conquistando um mestrado.
Defensora dos refugiados
"Quando me perguntavam por que eu estava fazendo esse curso, eu dizia: 'vou ser advogada dos pobres', porque essa era nossa missão naquela época – ajudar os necessitados. Os refugiados e migrantes ainda não faziam parte do cenário, missão que foi contemplada pela Congregação em 1977".
Sua formação jurídica garantiu que, quando as Irmãs Scalabrinianas decidiram, na década de 1980, voltar às suas raízes e reassumir a missão com refugiados e migrantes, a irmã Rosita fosse a pessoa encarregada de estabelecer um Centro de Estudos de Migrações na capital, Brasília.
"Eu sabia pouco sobre o assunto, mas tive que me preparar. Meu foco voltou-se, então, a estudar o tema das pessoas em mobilidade, deslocadas, e decidi dedicar meu conhecimento e trabalho aos refugiados e migrantes", disse ela.
Por meio deste caminho indireto, consolidou-se uma formidável defensora das pessoas refugiadas. Sua experiência e poder de persuasão discreto foram fundamentais quando o projeto da Lei de Refúgio do Brasil foi proposto em 1996. A irmã Rosita mobilizou apoio para ampliar a definição de refugiados desta lei, tendo por base a Declaração de Cartagena de 1984, garantindo que muito mais pessoas em busca de proteção internacional fossem reconhecidas como refugiadas pela adoção da lei em 1997. Ela contribuiu e alcançou resultados igualmente impressionantes durante o debate e aprovação da Lei de Migração do Brasil em 2017.
"Qualquer lei dura muitos anos. Boa ou ruim, é difícil desfazer. Então, não podíamos deixar que uma lei com um conceito limitado fosse aprovada se houvesse a possibilidade de ampliá-la", disse ela sobre a Lei 9474 de 1997. "Até escrevi para o Vaticano em Roma, pedindo que enviassem uma carta ao governo brasileiro dizendo o quão importante era ampliar o conceito de refugiado. E o Vaticano colaborou. Enviaram a carta, graças a Deus."
Luana Guimarães Medeiros, Diretora do Departamento de Migração do Ministério da Justiça e Segurança Pública do Brasil, destacou o “papel crucial” da Irmã Rosita na aprovação de ambas as peças da legislação e sua contribuição contínua como parceira próxima e conselheira do Ministério.
"Ela é uma pessoa que está sempre presente – não importa qual governo esteja no poder – para dar bons conselhos, conselhos realistas, concretos sobre como podemos melhorar as coisas de uma maneira muito prática, humana e acolhedora", acrescentou Medeiros.
"Eu não poderia pensar em ninguém melhor no Brasil – ou talvez no mundo – para receber este prêmio porque ela literalmente dedicou toda a sua vida de trabalho à causa dos refugiados."
Papel prático
Além de seu trabalho jurídico, a irmã Rosita coordena uma rede de cerca de 70 organizações nacionais que promovem ações de apoio e iniciativas em prol de refugiados, migrantes e comunidades locais. Ela também faz parte do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) e do conselho diretor da Fundação Scalabriniana, por onde publicou artigos acadêmicos sobre deslocamentos forçados e migração. "Sempre tive a capacidade de fazer três, quatro, cinco coisas ao mesmo tempo", disse ela com naturalidade.
Acima de tudo, ela é uma humanitária comprometida e prática. Ela e suas equipes no IMDH em Brasília e Boa Vista trabalham incansavelmente para melhorar a vida de alguns milhares dos cerca de 793.300 pessoas em necessidade de proteção internacional abrigados no Brasil, oriundas de 168 diferentes nacionalidades, como Venezuela, Haiti, Afeganistão, Síria, Mali, Iraque, Burquina Faso e Ucrânia.
Assim como a irmã Rosita, o apoio do IMDH é pragmático e movido pelas necessidades dos refugiados. Com o apoio de parceiros, incluindo o ACNUR, o IMDH ajuda principalmente mulheres, crianças e grupos em situação de vulnerabilidade a obterem acesso à documentação, assistência social e emprego digno. Eles também buscam recursos e fornecem apoio financeiro para a compra de equipamentos e orientações para ajudar refugiados, especialmente mulheres, a desenvolverem seus próprios negócios e distribuem kits de saúde e nutrição para mães com crianças na primeira infância.
A Casa Bom Samaritano, gerida pela organização parceira AVSI Brasil, é um grande prédio de dois andares em um bairro arborizado de Brasília. Ali, até 90 venezuelanos podem acessar acomodação, ter aulas de idiomas, capacitação profissional e outros tipos de apoio. A irmã Rosita – instantaneamente reconhecível por seu cabelo branco como a neve – cumprimentou funcionários e residentes pelo nome, e seu comportamento gentil e curiosidade natural rapidamente deixaram todos à vontade.
Elisabeth, de 38 anos, e seu marido viveram lá por vários meses depois de deixarem a Venezuela em 2023. Ela aprendeu português e sobre finanças pessoais antes de abrir seu próprio negócio de massoterapia, com o apoio do IMDH.
"Aqui nos apoiaram, nos orientaram [e], depois de três meses, nos sentimos integrados à sociedade brasileira", disse Elisabeth.
"A irmã Rosita nos ajudou com a compra de equipamentos, incluindo uma mesa de massagem, para que pudéssemos começar a trabalhar. Ela é a peça do quebra-cabeça que une tudo, criando conexões com outras instituições, e está sempre em contato com todos."
Compromisso vitalício
A irmã Rosita concorda que seu papel muitas vezes é o de fornecer um ponto focal para os outros. "Muitas pessoas não têm coragem de começar, mas estão dispostas a apoiar. Então, alguém precisa liderar para unirmos forças", explicou. "Se há uma necessidade humana ou humanitária, não tenho medo de agir, mesmo que não alcancemos tudo o que queremos".
Ela também cria laços pessoais próximos com muitas das pessoas que ajuda. Jana Alraee, uma ex-professora, chegou a Brasília em 2014 com seu marido engenheiro e três filhas após fugir de sua casa na capital síria, Damasco. Tendo esgotado suas economias e com dificuldades de falar português ou encontrar um trabalho fixo, a família considerou retornar à Síria até que uma amiga os apresentou à Irmã Rosita. Ela encontrou um professor de português para eles, ajudou-os a estabelecer seu agora próspero negócio de buffet sírio e, o mais importante, tornou-se uma amiga sempre presente e uma fonte de apoio para a família.
“Quando alguém foge de seu país por causa da guerra, eles deixam tudo para trás, sua família, mãe, pai – todos. Então, quando você conhece alguém como a Irmã Rosita com um coração tão bom, ela lhe dá amor, conselhos… Eu a chamo de ‘Mãe’, não a chamo de ‘Irmã’, porque ela me dá o que sinto falta”, disse Jana, apertando a mão da Irmã Rosita com as duas mãos. “Se eu me sinto perdida, ela me coloca de volta no caminho certo… ela está sempre comigo, sempre.”
Aproximando-se de seu octogésimo ano de vida, a irmã Rosita sugeriu com um sorriso irônico que as pessoas presumem que ela não tem mais sonhos a realizar. Se for o caso, elas não compreendem a natureza vitalícia de seu compromisso. Ela enumerou planos para ampliar o acesso à educação para crianças refugiadas, melhorar o reconhecimento dos diplomas de refugiados e – após a devastação causada pelas recentes enchentes em seu estado natal, o Rio Grande do Sul – abordar os crescentes impactos das mudanças climáticas sobre os refugiados e deslocados.
Em outras palavras, a irmã Rosita nunca deixará de sonhar – e trabalhar – por um futuro melhor para os refugiados.
"Sempre devemos ter uma utopia porque ela nos mostra o horizonte", disse ela. "Nunca alcançamos o horizonte, porque, à medida que avançamos, o horizonte se afasta. Mas ele nos aponta o caminho. Ter uma utopia, um sonho, uma convicção de construir algo melhor é fundamental. E isso é fundamental para os refugiados."
Para saber mais, siga @acnurbrasil nas redes e visite a página do ACNUR no Brasil: https://www.acnur.org/br/