Residente no Rio Grande do Sul, angolano se dedica à assistência de comunidades migrantes
“Sempre tive muitos sonhos. Um deles era escrever um livro, e agora está aqui!”.
O cintilar dos olhos de Geraldino Canhanga se evidenciava a cada folheada de página que o angolano dava no livro em suas mãos, intitulado "Seja Incrível". Na manhã daquela segunda-feira, 200 cópias do exemplar haviam acabado de chegar em seu escritório em Esteio, município da região metropolitana de Porto Alegre.
“Sempre tive muitos sonhos. Um deles era escrever um livro, e agora está aqui!”, exclamou entusiasmado. No dia 14 de outubro de 2024, Kanhanga – seu nome artístico –, pôde riscar mais um item do seu chamado "quadro de visão", onde ilustra sonhos pessoais, o transferindo para a lista de conquistas.
“Aos 12 anos, contei para minha mãe que meu sonho era cursar uma faculdade e gravar um disco de rap. Nossos sonhos nos apontam para direções e, assim, temos motivos para seguir lutando”, conta.
Foi buscando essa realização que, em 2005, o jovem, natural de Lobito, província de Benguela, em Angola, recebeu uma bolsa para estudar no Brasil, pelo Centro Universitário Metodista, o IPA.
Ao desembarcar no Rio Grande do Sul, em agosto daquele ano, viu um novo mundo surgir frente aos seus olhos. O jovem, na época com 21 anos, recebeu todo tipo de assistência da universidade, começando pela recepção no aeroporto, até os casacos de inverno – vindo de um país africano intertropical no qual a temperatura média anual é de 27 graus a máxima e de 17 graus a mínima, relatou não estar preparado para o frio do inverno porto-alegrense.
Na universidade, Kanhanga mergulhou nos estudos do curso de Administração e Relações Internacionais. Em meio aos compromissos acadêmicos, fundou, ao lado de um amigo, a Associação dos Angolanos e Amigos do RS, em 2008. Por meio de ações sociais e de assistência a migrantes, o angolano passou a se tornar referência na cidade, sendo procurado por pessoas de diversas nacionalidades.
Ao concluir sua formação, optou por permanecer no Brasil, dando início à sua carreira no gênero musical rap – sonho que cultivava desde a infância. Ao longo dos anos, lançou diversas músicas e discos, participando de feiras culturais e realizando apresentações.
“Depois de muitos anos, eu encerrei a minha carreira por entender que aquilo era um sonho que eu já tinha realizado. Entendi que meu propósito de vida estava além disso”, destaca.
Realidades distintas
Por conta de sua carreira no rap e por ser conhecido dentro desta comunidade, explica Kanhanga, muitas pessoas que o conheciam passaram a procurá-lo durante a pandemia da COVID-19, para ajudar outros migrantes que chegavam à Porto Alegre.
“A condição que me trouxe para o Brasil era muito privilegiada. Cheguei ao Brasil com uma bolsa de estudos, assistência e apoio da universidade, fui recebido no aeroporto. A realidade de outras comunidades migrantes é completamente diferente”, explica.
Ao se deparar com essa situação, Kanhanga começou a mobilizar amigos e conhecidos para acolher essas pessoas, principalmente através da Associação dos Angolanos e Amigos do RS. A partir dessas ações, o angolano conseguiu entender o tamanho real da demanda das comunidades migrantes e, desde então, passou a se dedicar integralmente a isso.
“Hoje, o trabalho que eu faço com a população migrante é um propósito de vida, uma missão”, defende.
Baseando-se em quatro pilares de atuação, Kanhanga recebe diversas pessoas em seu escritório, localizado em Esteio, contribuindo com questões de segurança alimentar, regularização de documentos, empregabilidade e aulas de português. Até agora, ele explica, cerca de 250 pessoas migrantes já conseguiram se inserir no mercado de trabalho por conta do apoio e de parcerias com empresas privadas.
“Agora, vamos fundar a Casa do Migrante e Refugiado do Rio Grande do Sul, porque o intuito é justamente trazer essa amplitude, atendendo todas as pessoas migrantes com aquilo que precisam”, destaca.
Com esse olhar para o futuro, o migrante foi a Brasília para acompanhar a segunda edição da Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia, a Comigrar. Durante a conferência, ele foi palestrante em uma roda de conversa sobre a atuação de líderes migrantes em situações de calamidades e emergências, além de acompanhar as discussões realizadas durante a conferência e trocar experiências com pessoas migrantes que residem em outros estados do país.
“Acredito que a Comigrar trouxe uma nova perspectiva para toda a comunidade de migrantes e refugiados aqui no Brasil”, explica. “A gente pôde perceber isso, pôde ver a participação social da comunidade migrante no Brasil, diversas lideranças do país todo, de diversos estados, de organizações da sociedade civil e também de representantes de organismos internacionais. A Comigrar nos deu a possibilidade de pensar em perspectivas novas para as políticas públicas no Brasil”, completa.
Ao ser questionado sobre novos sonhos, Kanhanga reforça: permanece sempre em busca de novas conquistas. Apesar de estar distante da música, o rapper segue subindo em palcos, dando palestras que contam sua história de vida e atuação.
“Meu sonho, em termos pessoais, é poder transformar a vida de jovens e adolescentes através daquilo que eu faço com tanto amor, seja por intermédio da música ou da transformação. Quero que as pessoas continuem olhando para comunidade migrante com esse olhar, e que a gente comece a pensar nessa pauta em uma perspectiva de como queremos vê-la nos próximos dez anos”, projeta.
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