ARTIGO: Uma oportunidade para o Brasil reforçar o combate à desertificação
16 dezembro 2024
Afetado por secas cada vez mais intensas e frequentes, o Brasil hoje tem 1,4 milhão de km2 de terras suscetíveis à desertificação, com mais de 1.500 municípios diretamente impactados.
Entre os dias 2 e 13 de dezembro, a COP16 reuniu em Riad, na Arábia Saudita, representantes de 196 países e da União Europeia para discutir compromissos políticos e financeiros que possam fortalecer a resiliência global às secas.
Artigo de Jorge Meza* publicado no jornal O Valor Econômico em 13 de dezembro de 2024.
Artigo publicado no jornal O Valor Econômico.
Entre os dias 2 e 13 de dezembro, a COP16 reuniu em Riad, na Arábia Saudita, representantes de 196 países e da União Europeia para discutir compromissos políticos e financeiros que possam fortalecer a resiliência global às secas. Este é o maior encontro já realizado pela ONU sobre o uso sustentável das terras e ocorre em uma região que simboliza a gravidade do problema: o Oriente Médio e o Norte da África, duramente impactados pela desertificação e pela escassez hídrica.
O Brasil, embora distante geograficamente e conhecido pela abundância de água, compartilha de algumas das vulnerabilidades enfrentadas por essas regiões. Recentemente, pesquisadores identificaram a primeira região árida do país e projetaram a expansão de terras semiáridas em grande parte do território, inclusive no Pantanal e na Mata Atlântica.
Afetado por secas cada vez mais intensas e frequentes, o Brasil hoje tem 1,4 milhão de km2 de terras suscetíveis à desertificação, com mais de 1.500 municípios diretamente impactados.
Essa região abriga quase 38 milhões de pessoas, incluindo mais de 1,8 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar, dezenas de territórios indígenas e centenas de comunidades quilombolas. O bioma Caatinga, especificamente, compõe a área seca mais populosa do planeta (conforme a UNCCD) , cobrindo 70% da região Nordeste e abrigando populações que dependem fortemente da agricultura familiar. Portanto, a desertificação não é apenas um problema ambiental: quando o solo perde sua fertilidade e capacidade produtiva, comunidades inteiras enfrentam migração forçada, desemprego e pobreza. Este cenário exige uma resposta robusta que combine ciência, políticas públicas e engajamento comunitário.
Neste contexto, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) trabalha com o governo brasileiro e com organizações da sociedade civil locais em projetos para reverter a desertificação. Em parceria com o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), a FAO atua desde a promoção de práticas agrícolas sustentáveis até a formulação de políticas públicas baseadas em evidências. Projetos como o REDESER “Revertendo o Processo de Desertificação nas Áreas Suscetíveis do Brasil – Práticas Agroflorestais Sustentáveis e Conservação da Biodiversidade”, implementados junto a MMA com recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), são exemplos concretos do que é possível alcançar.
Com foco no semiárido nordestino, o REDESER combina práticas agroflorestais e gestão integrada dos recursos naturais para restaurar a funcionalidade do solo, proteger a biodiversidade e melhorar as condições socioeconômicas das comunidades locais. O investimento de R$ 19 milhões até 2025 vai impactar cerca de 900 mil hectares, beneficiando 1.500 pequenos produtores e comunidades locais em territórios críticos da Caatinga — Seridó (PB/RN), Araripe (CE), Xingó (AL) e Sertão do São Francisco (BA). O projeto foca na segurança alimentar e hídrica, incentivando a produção agroecológica e fortalecendo mercados locais.
Contudo, além das iniciativas em campo, o Brasil precisa apostar na formulação de metas de neutralidade de degradação da terra e na atualização de instrumentos como o Atlas Nacional de Áreas Suscetíveis à Desertificação, que permitem mensurar os desafios da seca. Essas ações são fundamentais para alinhar o país aos padrões globais e garantir uma gestão mais eficiente dos recursos naturais.
O sucesso dessas iniciativas, que contam com o apoio da FAO, depende da capacidade de mobilizar recursos financeiros e integrar políticas de combate à desertificação e às estratégias de desenvolvimento rural, segurança alimentar e adaptação e resiliência climática.
O mandato da FAO inclui transformar os sistemas agroalimentares, para torná-los mais eficientes, inclusivos, resilientes e sustentáveis. Isso significa dar prioridade à restauração de terras agrícolas, conforme acordos ambientais multilaterais, integrando-as aos processos de planejamento nacional, com políticas públicas coordenadas, inovação e tecnologias que alcancem os pequenos agricultores. No Brasil, o combate à desertificação tem sido uma das prioridades da organização.
A COP16 é uma oportunidade para o Brasil reafirmar seu compromisso com a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e fortalecer sua posição na luta contra a degradação do solo. O país já conta com um marco legal robusto, mas é necessário ir além. A desertificação é um lembrete de que os desafios globais exigem respostas locais. Não se trata apenas de restaurar terras degradadas, mas de construir resiliência para as comunidades locais e para as gerações futuras.
O Brasil tem o potencial de liderar pelo exemplo, demonstrando que é possível alinhar crescimento econômico, inclusão social e sustentabilidade ambiental.
*Jorge Meza é representante da FAO no Brasil
Para saber mais, siga @FAOBrasil no X e visite a página: https://www.fao.org/brasil/programas-e-projetos/pt/