Um espaço para recomeçar na Ilha Grande
Elisabete Machado, de 44 anos, mais conhecida como Moa, é líder comunitária e uma força vital na Ilha.
É difícil cruzar o rio e entrar na estreita estrada de terra que nos leva até a Ilha Grande dos Marinheiros, na periferia de Porto Alegre, sem sentir o impacto das marcas deixadas pela enchente de maio de 2024. Foi tanta terra deslizando que a geografia do lugar mudou. A estrada está visivelmente acima do nível normal e tudo parece fora do lugar. As paredes das casas ainda exibem sinais da lama e da destruição causada pela força das águas, que ultrapassaram os cinco metros de altura. Muitas famílias nunca retornaram, deixando para trás um cenário que mistura reconstrução e abandono.
No meio desse contexto, surge a história de Elisabete Meire Machado, de 44 anos, mais conhecida como Moa. Líder comunitária e uma força vital na Ilha, Moa carrega nos olhos a memória de momentos difíceis, mas também uma determinação imensa de fazer a diferença. Sua voz e postura são de uma mulher disposta, ativa e animada, que sabe por quem e pelo que está lutando.
“Fiquei 42 dias em cima do telhado de um vizinho”, lembra Moa, enquanto aponta para o espaço onde antes ficava sua casa. “Entrava só para o quartinho que restou, apenas para dormir. O resto do tempo, vivia no telhado.”
O local fica em um arquipélago e faz partes das ilhas de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
A força de uma comunidade e o impacto da enchente
Antes da enchente, Moa já atuava com dedicação na comunidade em que nasceu e retornou para morar há 22 anos. Era uma comunidade humilde, que vivia da pesca, e onde todos se conheciam. No pátio de sua casa e em um galpão, ela organizava eventos para crianças, oferecendo lanches e momentos de alegria. “Era tudo organizado entre nós. Meu marido comprava uma coisa, meu cunhado alugava brinquedo inflável, minha tia fazia bolo... Era sempre assim, com doações de pessoas comuns, porque não tínhamos vínculo com nenhuma organização”.
Mas a enchente devastou tudo. O espaço que Moa usava para acolher as crianças foi destruído. “Desde o ano passado, não conseguimos fazer mais nada. Veio uma enchente em setembro, depois outra em novembro, e então essa de maio, que foi ainda pior. Todo mundo perdeu tudo. Eu me sentia abandonada, incapaz de ajudar as pessoas.”
Foi nesse momento que Moa encontrou apoio. “O dia que o UNICEF e a ADRA me procuraram foi uma virada. Vocês perguntaram o que eu fazia, como era o nosso trabalho e o que a comunidade mais precisava". Rapidamente, Moa pegou seu caderno, em que vinha, há anos, registrando todas as informações sobre a comunidade, quantas famílias, quantas crianças, nomes, idades. “Eu perdi parte desse caderno de cadastro na enchente, mas reconstruí com a ajuda de vocês. Foi a melhor coisa que aconteceu aqui depois da enchente”, afirmou com um tom de voz animado.
Com a chegada da ajuda, Moa viu sua comunidade ser atendida de forma ampla. Foram distribuídos produtos de limpeza, cadastradas famílias. “Esse trabalho foi o melhor que já aconteceu na nossa Ilha”, diz Moa emocionada. “As famílias elogiam tudo: o atendimento, as visitas, os produtos. Foi 100% aprovado”, diz ela com gratidão.
Junto com o apoio emergencial, veio também um projeto que mudaria para sempre a vida dela e da comunidade: o apoio dado para construir um novo espaço para as crianças.
O Espaço da Gurizada: um novo começo
Em meio a toda a destruição, Moa viu surgirem os primeiros pilares de um novo espaço para as crianças da Ilha: o Espaço da Gurizada. No mesmo local em que antes ela atendia as crianças antes da enchente, foi construído um ambiente elevado, seguro e acolhedor para meninas e meninos. “Antes, atendíamos as crianças no contraturno escolar. Elas tomavam café da manhã ou almoço, dependendo do horário escolar, e o café da tarde. Costumávamos distribuir aproximadamente 120 marmitas por dia para a comunidade. Perdemos tudo com a enchente, mas agora, com esse espaço, tudo será diferente.”
Construído em palafitas para resistir a futuras inundações, o novo espaço, feito com materiais de construção fornecidos pela ADRA, parceira do UNICEF, conta com brinquedos e uma geladeira, e foi doado à comunidade.
Ao longo dos últimos meses, além da estrutura física, o Espaço contou também com profissionais como psicólogos e professores, que ajudaram a mitigar os impactos das chuvas na vida de crianças e adolescentes.
“Quando o espaço ficou pronto, foi como um renascimento para nós. Ver as crianças voltarem a brincar, sorrir e se sentirem acolhidas me deu forças para continuar. A presença do UNICEF e da ADRA foi fundamental. Eles não trouxeram só ajuda, mas também esperança. Está beneficiando muitas crianças. É um sonho que estamos realizando juntos”, destaca Moa.
Sonhos para o futuro
Apesar das conquistas, Moa ainda sonha com mais. “Gostaria de ver uma praça, um espaço para as famílias irem nos finais de semana. Nossa Ilha é a única que não tem isso. Mas só o fato de termos agora um espaço seguro para as crianças já é algo incrível. É a realização de um sonho”, destaca a líder comunitária.
A partir de janeiro, o Espaço da Gurizada passa a ser, oficialmente, gerido pela comunidade. E Moa faz questão de reconhecer o impacto do trabalho realizado.
“Eu gostaria de agradecer de coração a todos os apoiadores, todos que doam para o UNICEF e ajudam a realizar esse sonho. Não tenho palavras para expressar a emoção de ter vocês aqui com a gente. Estou muito feliz.”
Enquanto as marcas da destruição ainda são visíveis, a força e a resiliência de Moa, somadas ao apoio do UNICEF e da ADRA, mostram que a reconstrução vai muito além de tijolos e paredes. Ela está na esperança renovada de uma comunidade inteira e no sorriso de cada criança que encontrará no Espaço da Gurizada um lugar para brincar, aprender e sonhar.
Hoje, o local, uma casa azul elevada, é mais que um lugar físico; é um legado de resiliência, cuidado e transformação. E Moa, com sua dedicação, segue como um farol para as crianças da ilha, mostrando que mesmo em meio às águas mais turbulentas, é possível construir um futuro melhor.
Para saber mais, siga @unicefbrasil nas redes e visite a página: https://www.unicef.org/brazil/enchentes-no-rio-grande-do-sul
A resposta do UNICEF às chuvas no Rio Grande do Sul conta com parceiros estratégicos como MSD e Departamento de Proteção Civil e Ajuda Humanitária da União Europeia (ECHO, na sigla em inglês); com a parceria da Kimberly-Clark e da Takeda; e com o apoio de Amanco Wavin; Beiersdorf, casa de NIVEA e Eucerin; Instituto Mosaic; Klabin; e Serena Energia. Para o Espaços da Gurizada, na Ilha Grande dos Marinheiros, o UNICEF conta com a parceria de implementação da ADRA.