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ONU conta história das Missões de Manutenção de Paz, que completam 68 anos

11 janeiro 2016

[caption id="attachment_96208" align="alignleft" width="2000"]Um grupo de observadores militares na UNTSO em território sem dono, entre  Merdya (linha árabe) e Al-Nabi Yusha' (linha israelense) em janeiro de 1948. Foto: ONU/LM Um grupo de observadores militares na UNTSO em território sem dono, entre Merdya (linha árabe) e Al-Nabi Yusha' (linha israelense) em janeiro de 1948. Foto: ONU/LM[/caption]



Em meio às incertezas da primeira guerra árabe-israelense de 1948, quando as Nações Unidas não completavam nem três anos de existência, foi iniciada a primeira missão de paz. A operação contava com 120 homens desarmados, vestindo uniformes variados, que monitoravam uma trégua instável.



Hoje, quando a ONU completa 70 anos, esta semente cresceu e se transformou em 71 forças bem armadas, que abrangem centenas de milhares de tropas e policiais de vários dos Estados-membros doadores. Equipados com veículos aéreos não tripulados (VANTs) para reconhecimento do terreno, as forças desfrutam de um mandato vigoroso, que permite o uso da força para proteger os civis.



A manutenção da paz internacional e segurança é um dos três principais pilares da ONU, juntamente com a promoção do desenvolvimento e a garantia da observância dos direitos humanos. Com um nome que ainda não designava a referência geográfica, a Organização de Supervisão da Trégua das Nações Unidas (UNTSO) configurou-se como o primeiro esforço de manutenção da paz mundial.



Atualmente, o Departamento de Operações de Manutenção da Paz da ONU (DPKO) conta com uma equipe de aproximadamente 125 mil funcionários. A maioria encontra-se em campo, com um efetivo de mais de 106 mil homens e mulheres uniformizados, provenientes de 122 países e distribuídos em 16 operações em andamento pelo mundo. Incluindo na primeira delas, a UNTSO, criada em 29 de maio de 1948, e renovada anualmente, como um triste e irônico lembrete sobre a dificuldade de alcançar uma paz duradoura.


Integrantes ruandeses das Forças de Paz da ONU no Sudão do Sul. Foto: ONU/Isaac Billy
Legenda: Integrantes ruandeses das Forças de Paz da ONU no Sudão do Sul. Foto: ONU/Isaac Billy





Os últimos 14 meses têm sido fundamentais para as operações de manutenção de paz da ONU, segundo o chefe do Departamento de Operações de Paz das Nações Unidas (DPKO), Hervé Ladsous. Ele citou o compromisso feito em uma conferência de setembro de 2015, onde Estados prometeram enviar um adicional de 40 mil tropas e policiais, além de uma reunião de chefes globais, realizada em março do mesmo ano, que buscou melhorar a eficiência operacional.



“Nós realizamos algo pioneiro no mundo em março deste ano convocando 110 chefes de exércitos de todo o mundo”, enfatizou Ladsous. “Isso nunca havia acontecido antes”, observou.



Outra novidade foi a conferência de manutenção de paz realizada na sede da ONU em setembro, durante as sessões de alto nível da Assembleia Geral.



“A conferência de manutenção de paz deu a oportunidade a 54 países – principalmente na esfera governamental e de chefes de Estado – de determinar uma série de coisas que precisamos urgentemente, mais pessoas chegando a um montante, potencial, de 40 mil militares, policiais, etc, mas também várias unidades capacitadoras, com equipamentos que precisamos, incluindo helicópteros, capacidades de engenharia, serviços aéreos”, afirmou o chefe de Operações de Paz.



Em 1988, as Forças de Manutenção de Paz da ONU receberam o Prêmio Nobel da Paz pelas importantes contribuições para a realização de um dos princípios fundamentais das Nações Unidas.



“Assim, a Organização mundial passou a ter um papel mais central nas relações internacionais e tem recebido investimento com o aumento da confiança”, declarou o comitê de seleção do Prêmio Nobel.



É improvável que qualquer pessoa na sede temporária da ONU fora de Nova York, naquela primavera distante de 1948, pudesse prever onde a UNTSO iria chegar.



Alguns 70 militares observadores começaram a chegar sem os capacetes que agora identificam as forças da ONU, dando a eles o apelido de “capacetes azuis”. Assim foi criada a função das Nações Unidas na área de manutenção de paz, seguida em 1949 pela criação do Grupo Observador Militar das Nações Unidas na Índia e Paquistão (UNMOGIP), feito para supervisionar o cessar-fogo entre os dois adversários.



A mudança oficial de observação da paz para a manutenção demorou muitos anos para acontecer. A primeira operação de manutenção de paz, a Força de Emergência das Nações Unidas (UNEF I) foi realizada no Oriente Médio, em 1956, para acabar com a Crise de Suez. Data em que as tropas também adotaram o capacete azul.



O DPKO só passou a existir em 1992, quando o número de missões de manutenção de paz e sua complexidade exigiam uma administração com dedicação completa. Antes disso, as missões eram operadas por meio do Escritório das Nações Unidas para Assuntos Políticos Especiais.


Subsecretário-geral do DPKO (segundo da direita para a esquerda) recebe informações sobre os veículos aéreos não tripulados (VANTs) antes de uma cerimônia em Goma, República Democrática do Congo, em dezembro de 2013. Foto: ONU/ Sylvain Liechti
Legenda: Subsecretário-geral do DPKO (segundo da direita para a esquerda) recebe informações sobre os veículos aéreos não tripulados (VANTs) antes de uma cerimônia em Goma, República Democrática do Congo, em dezembro de 2013. Foto: ONU/ Sylvain Liechti





A Operação das Nações Unidas no Congo (ONUC), iniciadas em 1960, foi a primeira missão de grande escala, com aproximadamente 20 mil militares e objetivo de acabar com a guerra no país, iniciada logo após a independência.

A missão ressaltou os riscos destas operações: 250 pessoas da equipe da ONU morreram, incluindo o secretário-geral, Dag Hammarskjöld, vítima de um acidente de avião.



A ONU expandiu suas operações de campo de uma equipe militar que observa o cessar-fogo para uma cadeia complexa de tarefas multidimensionais que visam a garantia da implementação de uma base para uma paz sustentável e acordos abrangentes. Isso tem sido feito de forma progressiva em casos de guerra civil, com a contribuição na construção de instituições, no monitoramento dos direitos humanos, na reforma do setor de segurança, e ajudando a desarmar e reintegrar ex-combatentes.



Entre 1989 e 1994, o Conselho de Segurança autorizou 20 novas missões, aumentando o número de soldados da missão de manutenção de paz de 11 mil para 75 mil.



No entanto, a década de 90 apresentou uma série de conflitos que exigiam cada vez mais das operações. Em Ruanda, as poucas centenas de soldados da Missão de Assistência da ONU para Ruanda (UNAMIR) não foram suficientes para prevenir o genocídio de mais de 800 mil Tutsis e Hutus moderados por extremistas Hutus em 1994.



Na antiga Iugoslávia, à época, ainda em formação, as tropas da Força de Proteção das Nações Unidas (UNPROFOR) também não conseguiram evitar o massacre que matou mais de 8 mil muçulmanos, entre eles, homens e meninos, por sérvios da Bósnia em 1995. As missões também não conseguiram gerar estabilidade na Somália, quando havia muitas facções rivais, em 1993.



Na Somália, as disputas entre as facções rivais eram tão intensas m 1993 nem a expansão do mandato da Missão de Operação na Somália II, autorizando o uso da força, para obter o desarmamento e reconciliação, rendeu resultados. Consequentemente, a missão foi desativada dois anos mais tarde.



Estas experiências levaram o Conselho de Segurança e o DPKO a pedir investigações sobre esses episódios, que culminaram no relatório Brahimi, em 2000, produzido pelo diplomata veterano Lakhdar Brahimi.



O documento pediu por um compromisso político por parte dos Estados-membros, mudança institucional e aumento de apoio financeiro para garantir que os “capacetes azuis” nunca mais tenham que passar por situações inadmissíveis como estas.



A partir disto, as missões de manutenção de paz da ONU alcançaram sucesso notável, fazendo operações que iam de Kosovo até o Sudão do Sul e do Haiti até o Timor-Leste.



As operações das Nações Unidas contam também com tecnologia, com veículos aéreos não tripulados (VANTs) para a vigilância e proteção dos civis, e em outros casos, usam tecnologia mais simples, como balões de ar quente com um conjunto de câmeras e sensores.



Ladsous explicou que esses recursos possibilitaram ter uma visão em tempo real de toda a cidade, podendo agir sem atrasos. “Um dos maiores desafios é a proteção dos civis”, enfatizou. “Este é o coração da maioria das missões dos últimos 10 ou 12 anos – uma postura pró-ativa, dinâmica, robusta, particularmente na República Democrática do Congo, para neutralizar grupos armados.”, concluiu.


O general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz durante missão próximo a Goma, cidade retomada pela ONU na República Democrática do Congo (RDC). Foto MONUSCO/Sylvain Liechti
Legenda: O general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz durante missão próximo a Goma, cidade retomada pela ONU na República Democrática do Congo (RDC). Foto MONUSCO/Sylvain Liechti





Esta missão conta com 20 mil tropas, liderada até o final de 2015 pelo general brasileiro Carlos Alberto Santos Cruz, e tem um mandato mais pró-ativo, contando com uma “brigada de intervenção” com três batalhões de infantaria, uma artilharia e uma força especial para ajudar a neutralizar os grupos armados e restabelecer a autoridade do país e proteger os civis.



Assim como na sua primeira operação, realizada há 67 anos atrás, as funções das operações de manutenção de paz têm mudado de tempos em tempos à luz das diferentes circunstâncias, com observadores atuando como intermediários entre as partes hostis e impedindo que incidentes isolados aumentem e se transformem em grandes conflitos.



No entanto, sem um exército próprio, com comandantes e tropas provenientes de Estados-membros, a conta das operações de paz são altas e dependem, unicamente, das contribuições dos Estados. Em 1º de julho de 2015, esse custo estimado alcançou 8,27 bilhões de dólares.



Ladsous também destacou outros desafios nas mudanças da natureza do conflito, com o surgimento de mais atores não estatais. “Não estamos lidando com governos, mas, em uma maioria, com atores não estatais, incluindo grupos terroristas e jihadistas e criminosos transnacionais. E isso requer uma mudança grande na maneira em que estamos operando”, disse.