Ativista trans luta contra a discriminação em El Salvador
07 dezembro 2016
Em 1992, a ativista trans Karla Avelar, de El Salvador, ainda era uma adolescente quando foi vítima de uma tentativa de assassinato. Quando o agressor apontou uma pistola para sua cabeça, ela conseguiu desarmá-lo, mas o homem tinha outra arma e atirou na jovem nove vezes. “Eu tive sorte”, lembra.
O homicídio fracassado foi o primeiro de uma série de três episódios em que a transfobia quase pôs um fim à vida de Avelar. Em 2008, ela trabalhava como profissional do sexo e decidiu não pagar um valor exigido pela gangue Mara Salvatrucha, que ficaria supostamente responsável por garantir a proteção da moça e das companheiras. “Eles me ameaçaram e oito dias depois tentaram me matar”, conta.
Mais uma vez, Karla conseguiu escapar, depois de levar cinco tiros. O ataque a transformou numa figura pública, símbolo da violência imposta por grupos criminosos a indivíduos trans. “Eles criaram um ódio de mim, estavam determinados a me matar”, relatou Avelar que, em 2012, foi novamente atacada, dessa vez a facadas.
Hoje, aos 38 anos, a sobrevivente continua em El Salvador, mas fica pulando de cidade em cidade para evitar novos atentados contra a sua vida. Apenas no último ano, ela se mudou quatro vezes por causa de ameaças recebidas ao telefone, pela internet e também por carta. “Eu sobrevivi a três tentativas de assassinato, mas não acredito irei sobreviver a mais uma”, diz.
Mesmo com as constantes ameaças, Avelar, que é portadora do vírus HIV, continua lutando não apenas por ela, mas também pelos outros. A salvadorenha lidera a organização Comunicando e Capacitando Mulheres Trans, conhecida pela sigla COMCAVIS.
Violência por trás de deslocamentos em massa
“Existe um número muito grande de pessoas LGBTI que estão tentando escapar e encontrar um lugar mais seguro para viver porque são sujeitos à perseguição com base em sua orientação sexual", alerta a representante da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) no país, Elisa Carlaccini.
Além de cicatrizes profundas, os atentados contra Karla também causaram lesões em seu intestino, fígado e pulmão, forçando-a a passar por várias cirurgias e complicações. Ela, no entanto, garante que os danos psicológicos são ainda piores, pois “todo dia, quando olho para mim mesma, vejo as cicatrizes que me marcaram e choro”.
A ativista afirma não confiar na proteção da polícia porque raramente as delegacias de El Salvador levam a sério ataques contra pessoas trans. Sem considerar as especificidades da transfobia, números revelam um cenário de violência generalizada no país — em 2015, foram mais de 6 mil homicídios em uma nação de apenas 6 milhões de pessoas.
Na América Central, o número de pessoas que foge das gangues em El Salvador, Guatemala e Honduras aumentou significativamente em anos recentes e chegou a níveis não vistos desde os conflitos armados que assolaram a região nos anos 80. Somente em 2015, os solicitantes de refúgio nestas regiões superaram quase 110 mil — um crescimento superior a cinco vezes num intervalo de três anos.
A maioria das pessoas busca segurança no México, Estados Unidos, Belize, Costa Rica, Nicarágua e Panamá. Muitas delas, assim como Avelar, foram forçadas a se deslocar internamente. O ACNUR reconhece que, entre os mais vulneráveis, estão os indivíduos LGBTI, embora não haja informação exata sobre quantos deles precisam assistência.
Dentro da comunidade LGBTI de El Salvador, muitas pessoas sofreram ataques similares ao de Avelar, incluindo sua amiga Tania Vazquez, que morreu em 2013 depois de ser atingida com um tiro na cabeça. Desde 1993, cerca de 600 membros da comunidade foram assassinados no país, de acordo com dados da COMCAVIS.
Ainda segundo a organização, 29 pessoas entre gays, lésbicas, bissexuais, trans e intersex deixaram a nação no primeiro trimestre de 2016 por causa da violência.
Avelar reforça que a chave do problema está na força policial, que não combate os crimes contra a população LGBTI. Em uma pesquisa feita com os policias salvadorenhos, 73% disseram acreditar que a homossexualidade é uma doença mental.
O ACNUR lançou recentemente um pacote de treinamento para os funcionários e para a sociedade civil que trabalham com pessoas que foram forçadas a abandonar suas casas e são LGBTI. A capacitação também expõe os avanços na proteção internacional concedida a esse público por causa do preconceito e riscos à vida.