Cais do Valongo, no Rio, é inscrito na Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO
10 julho 2017
O Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO decidiu incluir em sua Lista do Patrimônio Mundial o sítio arqueológico Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, por seu significado para gerações passadas, presentes e futuras no que se refere à história do tráfico atlântico e a escravização de africanos. A decisão ocorreu no domingo (9) durante a 41ª reunião do Comitê, realizada na Polônia.
Trata-se do segundo sítio da cidade do Rio de Janeiro a receber o reconhecimento internacional da UNESCO. Antes do Cais do Valongo, entrou para a Lista, em 2012, o Rio de Janeiro, Paisagens Cariocas entre a Montanha e o Mar.
Por sua magnitude, o Cais do Valongo pode ser considerado o lugar mais importante de memória da diáspora africana fora da África. Ele é o maior porto de entrada de negros escravizados na América Latina.
As estimativas apontam que entre 500 mil e 1 milhão de negros chegaram ao continente desembarcando neste cais. Desde sua construção, em 1811, ele sofreu sucessivas transformações até ser aterrado em 1911.
O local foi revelado, em 2011, durante escavações das obras do Porto Maravilha, e se tornou o maior vestígio material das raízes africanas nas Américas. A cidade transformou o espaço em monumento preservado e aberto à visitação pública.
Para a representante interina da UNESCO no Brasil, Marlova Jovchelovitch Noleto, “o Cais do Valongo tem valor histórico, arqueológico e cultural, traz memórias de um período da história que não pode se repetir jamais e, por isso mesmo, precisa ser lembrado". "O seu reconhecimento internacional ressalta uma época muito importante para a formação da cultura brasileira e das Américas”.
A coordenadora de Cultura interina da UNESCO no Brasil, Rebeca Otero, complementa dizendo que “é preciso conhecer nosso passado e o Cais do Valongo nos aproxima dele". "O reconhecimento do sítio pela UNESCO é também um reforço a ações no campo da educação, assim como é a Lei 10.639/2003, que ajuda o povo brasileiro a conhecer sua própria história determinando a inclusão da temática História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial da rede de ensino”.
Durante a reunião, a presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Kátia Bogéa, em sua declaração em comemoração ao título, lembrou que o Cais do Valongo se torna, agora, mais um dos poucos sítios do Patrimônio Mundial a lembrar a história da escravidão.
"Esse sítio arqueológico é único pois representa os milhões de africanos que foram escravizados e que trabalharam para construir o Brasil como uma nação, gerando a maior população de negros fora da África no mundo. Estamos celebrando a Década Internacional de Afrodescendentes da ONU e a inscrição desse sítio na lista reafirma o papel do Brasil como um lugar de diversidade e não somente um local de memórias dolorosas", disse a presidente.
O dossiê de candidatura ao Patrimônio Mundial começou a ser preparado em 2014, coordenado pelo antropólogo Milton Guran e elaborado pelo IPHAN, em parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro.
Critério para o reconhecimento do Cais do Valongo
O valor excepcional universal do Cais do Valongo, reconhecido pela UNESCO, atende ao sexto critério dos 10 estabelecidos no Guia Operacional para a Implementação da Convenção do Patrimônio Mundial.
Estar diretamente ou materialmente associado a acontecimentos e tradições vivas, ideias ou crenças, obras artísticas e literárias de significação universal excepcional é o critério VI do Guia para a Implementação da Convenção do Patrimônio Mundial.
Conforme argumentos apresentados no dossiê de candidatura, o Cais do Valongo se encaixa neste critério, pois é um exemplo de sítio histórico sensível — que desperta a memória de eventos traumáticos e dolorosos e que lida com a história de violação de direitos humanos.
O Cais do Valongo materializa memórias que remetem a aspectos de dor e sobrevivência na história dos antepassados dos afrodescendentes, que hoje totalizam mais da metade da população brasileira e marcam as sociedades de outros países do continente americano.
As candidaturas de outros 33 sítios em outros países também foram avaliadas durante a 41ª Reunião do Comitê do Patrimônio Mundial (clique aqui para saber quais foram eles). Conheça também os outros sítios brasileiros já inscritos na lista.
Saiba mais sobre a candidatura do Cais do Valongo a Patrimônio Mundial, no site do IPHAN e veja material gráfico sobre o Cais do Valongo produzido para a distribuição durante a reunião.
Para saber mais sobre a 41ª sessão do Comitê do Patrimônio Mundial, que ocorre até 12 de julho, clique em http://whc.unesco.org/en/35.
Cais do Valongo: ponto de partida para o circuito da Herança Africana no Rio
Em 2014, o Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio) fez uma reportagem especial sobre o local, destacando sua rica história e a importância de sua preservação.
O Cais do Valongo foi declarado patrimônio nacional em novembro de 2013, quando a UNESCO considerou o local parte da chamada “Rota do Escravo”, projeto criado pela instituição em 2006 para destacar o patrimônio material e imaterial relacionado ao tráfico de escravos no mundo.
Construído para ser ponto de desembarque e comércio de escravos, em 1843 ele foi transformado no Cais da Imperatriz para receber Teresa Cristina, que se casaria com D. Pedro II. Confira a reportagem especial abaixo.
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No final do ano passado, o Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio) produziu uma matéria especial sobre o Cemitério dos Pretos Novos, localizado na Gamboa, Rio de Janeiro, um memorial do passado escravocrata brasileiro.
Comemorando 20 anos em 2016 desde sua redescoberta, o local funciona como um instituo de pesquisa sobre o tema e um centro cultural, com biblioteca e galeria de arte — o Instituto Pretos Novos. Segundo o instituto, que é responsável pelo local, foram enterrados mais de 50 mil crianças e jovens na área, na época da escravidão.
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Sítios em perigo
Durante a reunião sobre Patrimônio Mundial realizada na Polônia, a UNESCO chegou a avaliar a possibilidade de os Parques Nacionais da Chapada dos Veadeiros e das Emas, que ficam nas áreas protegidas do Cerrado brasileiro, entrarem na lista de sítios em “perigo”. A inclusão dos parques nessa lista, no entanto, não ocorreu.
Segundo nota divulgada pela UNESCO na quarta-feira (12), a expansão territorial do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, determinada por decreto presidencial em junho, foi fator determinante para a decisão de não incluir esse sítio natural do Brasil na Lista em Perigo. A extensão de limites do parque retomou as medidas protetivas recomendadas pelo Comitê do Patrimônio Mundial como esforços mínimos de conservação.
O Comitê reexaminou o estado de conservação de 99 sítios do patrimônio mundial e de 55 sítios inscritos na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo. Entraram na lista o Centro Histórico de Viena, na Áustria, e a Cidade Velha de Hebron, na Palestina.
O estado de conservação do Parque Nacional Comoé, na Costa do Marfim, já foi analisado e foi retirado da Lista do Patrimônio Mundial em Perigo.
Sítios nomeados para inscrição na Lista do Patrimônio Mundial — incluindo sítios naturais, culturais e mistos — podem ser acessados clicando aqui.