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Comunicação é direito essencial para empoderamento das mulheres, dizem brasileiras em comissão da ONU

01 maio 2018

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A atuação das mulheres na mídia foi o tema da 62ª Comissão da ONU sobre a Situação das Mulheres (CSW 62), realizada no fim de março (23), na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque.



O tema foi discutido entre as pautas de revisão das Conclusões Acordadas na 47ª sessão da CSW, realizada em 2003.



Violência contra mulheres jornalistas e nos meios de comunicação e digitais, políticas de acesso a ciência e tecnologias de informação, estereótipos de gênero e participação feminina nos espaços de decisão e poder no mercado da comunicação permanecem como questões centrais, segundo a ONU Mulheres.



As discriminações contra profissionais de comunicação que atuam em áreas ainda muito masculinizadas do jornalismo – como a cobertura esportiva – também estiveram em debate.



Relatório apresentado recentemente pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, defendeu o avanço e o empoderamento das mulheres no acesso à mídia e às tecnologias da informação e comunicação.



O documento resumiu os progressos, lacunas e desafios relacionados às medidas tomadas pelos países, além das interações das resoluções de 2003 com as da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação e a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.



Durante a comissão, foram realizados painéis ministeriais com apresentações voluntárias dos países sobre as medidas que vêm implementando para o cumprimento das conclusões da 47ª CSW. O Brasil atuou como país-sócio da Argentina – sistematizando as ações desenvolvidas no território nacional.



Entre as resoluções sobre o tema mulheres e mídia aprovadas na 62ª CSW está o desenvolvimento e implementação de políticas e estratégias que promovam o acesso de mulheres e meninas rurais à mídia e às tecnologias de informação e comunicação (TICs), incluindo o fomento à alfabetização digital e acesso à informação.



Também foi estabelecida a necessidade de reconhecimento do papel que a mídia pode desempenhar na conquista da igualdade de gênero e empoderamento das mulheres e meninas rurais, inclusive por meio de medidas não discriminatórias e de uma cobertura que elimine os estereótipos de gênero.



Outros pontos citados foram incentivo à formação com perspectiva de gênero para profissionais da comunicação; desenvolvimento e fortalecimento dos mecanismos de autorregulação para promover representações equilibradas e não estereotipadas de mulheres e meninas, que contribuam para o empoderamento e a eliminação da discriminação e exploração de mulheres e meninas que vivem fora das áreas urbanas dos países.

Comunicação para empoderamento das mulheres



Mara Régia, jornalista, apresentadora e criadora do programa "Viva Maria", na Rádio Nacional da Amazônia, festeja a consolidação do tema mulheres e mídia nas agendas de desenvolvimento da ONU.



“Porque você não empodera ninguém sem garantir acesso à comunicação, que é visibilidade, poder. Não por acaso, são raras as mulheres nas cúpulas dos meios de comunicação. Este é um tema fundamental", disse.



Mara também elogiou o fato de as mulheres e meninas rurais terem sido o foco da 62ª CSW, e enfatizou a importância do direito humano à comunicação.



“Elas são as que mais padecem não só dos efeitos de uma comunicação e de uma mídia que nem sempre coloca o foco no valor essencial dessas bravas guerreiras para as vidas de todos nós, como também do isolamento. Então, dar foco ao empoderamento das mulheres rurais pela tecnologia é fundamental.”



O "Viva Maria" é o mais longevo programa de radiodifusão voltado aos direitos das mulheres, tendo iniciado suas transmissões em 1981. Mara foi também uma das articuladoras da campanha pela criação do Dia Latino-Americano e Caribenho da Imagem da Mulher nos Meios de Comunicação, data consagrada em 14 de setembro em homenagem ao programa.



A jornalista é uma das brasileiras fundadoras da Rede de Jornalistas com Visão de Gênero das Américas, criada em 2016.



Mara disse ainda que “é hora de uma ação mais concreta, porque desde (a Conferência de) Pequim temos os princípios de empoderamento das mulheres muito bem definidos".



"Agora, falta criatividade e iniciativas para dar a essas mulheres o acesso à voz, como desenvolver programas tais quais aqueles de equidade de gênero e raça, incluindo aí as trabalhadoras rurais, buscar empresas que financiem esses projetos."



"No Brasil, a gente tem programas como o Ligue 180, mas no interior do país as mulheres não têm acesso às vezes nem a um telefone. Não por acaso as lideranças rurais morrem a três por quatro”, disse.

Gênero, raça e etnia na mídia



Para a presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Maria José Braga, o fato dos meios ainda não abordarem as questões de gênero, raça e etnia programaticamente, e o fato de as ditas minorias ainda serem tratadas de forma discriminatória reforça a importância da preocupação com a temática no fórum de maior peso para o debate internacional sobre os direitos das mulheres.



“O tema das mulheres e a mídia e das mulheres na mídia continua sendo urgente, porque estamos vivendo períodos de recrudescimento da violência contra as mulheres, do machismo exacerbado e dos assédios moral e sexual."



"Precisamos falar sobre isso e buscar soluções dentro da sociedade para superar esses problemas. E a mídia tem um papel fundamental nisso que ainda não é cumprido, no Brasil e em grande parte do mundo”, ressaltou.



Em especial no Brasil, Maria José lembrou que os meios de comunicação precisam assumir seu papel educativo, previsto na Constituição.



“Apesar de haver ampla liberdade para a constituição de empresas privadas, a prioridade dos meios de comunicação é educativa e cultural, constitucionalmente falando”, acrescentou.



Outro aspecto importante do debate, na opinião de Maria José, é a representação das mulheres na indústria do entretenimento e das produções culturais, as quais “continuam sendo coisificadas, em pleno século 21".



"Os meios de comunicação de alguma forma têm que ser responsabilizados por essa objetificação que fazem da mulher, mais nitidamente ainda na publicidade."



"Também precisamos tratar da grave ausência das questões de interesse das mulheres como pauta jornalística, que não devem aparecer apenas no mês de março, e também da quase inexistência de mulheres como fontes”, declarou.



Maria José disse ainda que “isso também é reflexo do machismo na sociedade em geral, que leva a que tenhamos menos mulheres nos cargos de comando e atuação política, mas isso também precisa ser questionado e tratado pelo jornalismo”.



O relatório "Tendências Mundiais em Liberdade de Expressão e Desenvolvimento dos Meios de Comunicação", produzido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) em 2016 sobre 522 agências de mídia em 59 países, mostrou que as mulheres ocupam apenas 27% dos cargos mais elevados de gerência nas organizações de mídia.



Outra pesquisa, realizada pelo Instituto Geena Davis com base em um estudo sobre 120 filmes populares em 11 países, atestou que somente 21% dos cineastas são mulheres, e somente três em cada dez papéis cujas personagens têm falas nessas produções são mulheres. Nos longa-metragens, somente 23% colocavam uma mulher como protagonista.

Eliminação do racismo na mídia



As plataformas da Conferência de Pequim (1995) e de Pequim+15 já apontavam as medidas necessárias para governos e instituições enfrentarem o sexismo nos meios de comunicação.



“No entanto, as mulheres continuam sub-representadas nos cargos de tomada de decisões, tais como nos órgãos consultivos, de gestão, reguladores e de fiscalização da indústria. E os estereótipos de gênero continuam impedindo que as mulheres sejam apresentadas de uma forma equilibrada e realista”, destacou Nilza Iraci, coordenadora de comunicação do Geledés – Instituto da Mulher Negra.



Somente na Conferência Mundial contra o Racismo, em Durban, em 2001, foi inserido entre as plataformas das Nações Unidas a temática do racismo e seus efeitos perversos na imagem das mulheres negras.



Nilza, que integra a coordenação da Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) e o Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030, declarou que apesar do momento de emergência dos discursos de ódio e de racismo, a potência das novas tecnologias de comunicação e das mídias sociais coloca novos desafios para governos, Estados e Sistema ONU.



De acordo com ela, é necessário “empreender recursos para uma política efetiva de formação, com recortes específicos de gênero e raça, que permita às mulheres negras disputar as narrativas da mídia hegemônica, mas também construir outras alternativas a partir de ferramentas que possibilitem uma comunicação independente, revolucionária, horizontal, plural e contra-hegemônica, colocando-as como agentes de sua própria identidade nos espaços midiáticos, quaisquer que sejam eles”.