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Artigo 30: Direitos são inalienáveis

28 dezembro 2018

[caption id="attachment_152863" align="aligncenter" width="1024"]Debate realizado em Genebra, em 2015, sobre “Desafios de Liderança em um Mundo em Desordem”, teve a presença de Christiane Amanpour (esquerda), correspondente internacional e chefe da CNN; Zeid Ra'ad Al-Hussein (centro), então alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos; e António Guterres (à direita), então alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Foto: ONU/Jean-Marc Ferré Debate realizado em Genebra, em 2015, sobre “Desafios de Liderança em um Mundo em Desordem”, teve a presença de Christiane Amanpour (esquerda), correspondente internacional e chefe da CNN; Zeid Ra'ad Al-Hussein (centro), então alto-comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos; e António Guterres (à direita), então alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Foto: ONU/Jean-Marc Ferré[/caption]



Elisabet Fura-Sandström, juíza do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, foi questionada sobre qual direito da Declaração Universal era mais importante. "Vida? Liberdade? Democracia? Espero nunca precisar escolher", respondeu.



Essa ideia de que os direitos são indivisíveis está no cerne do Artigo 30. Todos os direitos na DUDH estão ligados uns aos outros e são igualmente importantes. Todos eles têm que ser seguidos, e nenhum vence os outros. Esses direitos são inerentes a toda mulher, homem e criança, de modo que não podem ser posicionados em uma hierarquia ou exercidos isoladamente.



Como vimos quando discutimos o Artigo 28, a Declaração pode ser imaginada como o pórtico de um templo grego. Tire qualquer elemento e o pórtico cai. Nessa analogia, sugerida pelo redator René Cassin, são os artigos 28, 29 a 30 que unem toda a estrutura.



O Artigo 30 foi chamado de "limites aos tiranos". Livra a todos nós de interferência pessoal ou por parte do Estado nos direitos referidos em todos os artigos anteriores. Contudo, também enfatiza que não podemos exercer esses direitos em contravenção aos propósitos das Nações Unidas. Trabalhando à sombra da Segunda Guerra Mundial, os redatores queriam impedir que os fascistas retornassem ao poder na Alemanha, aproveitando-se, por exemplo, da liberdade de expressão e da liberdade para concorrer às eleições em detrimento de outros direitos e liberdades. Eles estavam bem conscientes de que muitas das atrocidades infligidas pelo regime de Hitler eram baseadas em um sistema legal eficiente - mas com leis que violavam os direitos humanos básicos.



Os redatores buscavam uma estrutura jurídica internacional para se proteger dos excessos de determinados países e impedir outra guerra ou Holocausto. Os Estados que tratam bem seus próprios cidadãos, acreditavam eles, eram menos propensos a ter projetos agressivos contra outros países.



O que eles produziram foi uma conquista surpreendente. No meio da recuperação da guerra, no início da Guerra Fria, com as Nações Unidas em sua infância, os redatores conseguiram chegar a um acordo sobre um texto que transcendia as diferenças de língua, nacionalidade e cultura — não completamente, mas de uma forma sem precedentes nas relações internacionais.



A magnitude dessa conquista é enfatizada pelo fato de que levou mais 18 anos para se chegar a um acordo sobre os outros dois documentos que, com a DUDH, compõem a Carta Internacional de Direitos: O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. E outros 11 anos adicionais até que países suficientes os ratificassem para colocá-los em prática.



Em 1948, a maioria considerava que a Declaração criava obrigações morais, mas não legais. No entanto, o então primeiro-ministro belga, Count Carton de Wiart, acreditava que a DUDH tinha não apenas "valor moral sem precedentes", mas também "o início de um valor legal". Cassin, um dos principais arquitetos da DUDH, acreditava que ela teria legitimidade legal por ter sido a primeira declaração de um grupo internacional com sua própria "competência legal".



Por não ser um tratado, a Declaração Universal não cria diretamente obrigações legais para os países. No entanto, como expressão dos valores fundamentais compartilhados por todos os membros da comunidade internacional, afetou profundamente o desenvolvimento da lei de direitos humanos. Suas disposições foram elaboradas por diversos outros instrumentos internacionais, inclusive a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984) e a Convenção dos Direitos da Criança (1989).



Alguns argumentam que, como os países invocaram consistentemente a Declaração ao longo de décadas, alguns de seus componentes se transformaram em leis internacionais consuetudinárias, e muitos acadêmicos e advogados são da opinião de que estas são, portanto, obrigatórios, como por exemplo, a proibição total da tortura. A DUDH tem sido uma base extraordinariamente flexível para ampliar e aprofundar o conceito de direitos humanos. Hoje ela está incorporada nas leis e no DNA das organizações intergovernamentais regionais e das ONGs e de defensores dos direitos humanos em todos os lugares. Mas o fato de que alguns advogados considerem a Declaração legalmente vinculante não significa, evidentemente, que ela seja vista assim de maneira unânime.



No entanto, nos últimos 70 anos, houve um progresso notável. "Globalmente, a vida humana melhorou imensamente, inclusive na saúde e na educação", disse a chefe de direitos humanos da ONU, Michelle Bachelet. "Os governos cresceram em sua compreensão de como devem servir seu povo. As empresas estão mais conscientes de suas responsabilidades em relação à proteção dos direitos humanos e à prevenção de violações".



Talvez Eleanor Roosevelt, a incansável defensora dos direitos humanos que dirigiu o processo de redação da DUDH, expressasse melhor os objetivos e o impacto da Declaração. Ela costumava perguntar ao público: onde os direitos humanos universais começam? Sua resposta era: em lugares pequenos, perto de casa — tão próximos e tão pequenos que não podem ser vistos em nenhum mapa do mundo. "Esses são os lugares onde todos os homens, mulheres e crianças buscam igualdade de justiça, igualdade de oportunidades e igual dignidade, sem discriminação. A menos que esses direitos tenham significado lá, eles têm pouco significado em qualquer lugar".



Hoje, 70 anos depois, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o documento mais traduzido no mundo, ainda é uma força vibrante para todas as pessoas nos vilarejos e cidades do mundo que, sem necessariamente ter consciência disso, lutam para tornar os direitos humanos uma realidade em suas vidas diárias em suas próprias comunidades.