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Agência da ONU pede mais engajamento do setor privado com a contratação de migrantes no Brasil

28 março 2019

Evento reuniu representantes do setor privado, sociedade civil, governo do estado e agências da ONU. Foto: UNIC
Legenda: Evento reuniu representantes do setor privado, sociedade civil, governo do estado e agências da ONU. Foto: UNIC





Em encontro que reuniu cerca de cem representantes do setor privado, sociedade civil e governo no Rio de Janeiro (RJ), a Organização Internacional para as Migrações (OIM) pediu na quarta-feira (27) o engajamento do mundo corporativo com a contratação de migrantes. Para agência da ONU, empresas devem se empenhar em mapear as habilidades dessa população, que nem sempre são visadas por processos seletivos tradicionais.



"O que ele (o migrante) mais precisa é ser acolhido como força de trabalho numa empresa", afirmou no evento o Superintendente Regional do Trabalho no Rio, Alex Bolsas. Ele lembrou que os diferentes contextos de deslocamento podem, muitas vezes, colocar os expatriados numa situação de vulnerabilidade, mas esses estrangeiros "têm toda a vontade, a gana e a disposição para sair dessa condição e efetivamente mostrar o seu potencial".



Os dados mais recentes do governo federal, compilados pelo então Ministério do Trabalho para o terceiro trimestre de 2018, indicavam que havia 18,6 mil estrangeiros com carteira de trabalho no Brasil. Desse grupo, 10,1 mil eram venezuelanos. A antiga pasta do governo federal também estimava que, até setembro do ano passado, em torno de 4,5 mil migrantes de diferentes países tinham conseguido e mantido um emprego.



Ao final de 2018, o Sistema de Registro Nacional Migratório (SISMIGRA) contava 1,1 milhão de cadastros ativos de estrangeiros residentes no Brasil, ao passo que o Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) registrava 154,5 mil solicitações ativas de refúgio.



Ana Asti, subsecretária de Emprego e Renda do RJ, lembrou que a crise na Venezuela já levou à saída de mais de 3 milhões de pessoas do país. O Brasil está entre os destinos desses migrantes — até fevereiro de 2019, o CONARE havia recebido 94,8 mil pedidos de asilo de venezuelanos e a Polícia Federal, 64,7 mil pedidos de residência temporária.



"Em qualquer êxodo, os motivos (do deslocamento) abalam muito não só a pessoa como toda a estrutura familiar, (assim como) toda a dor que está por trás desse momento. A gente, enquanto estado do Rio de Janeiro, precisa acolher e minimizar essa dor", afirmou a gestora, que enfatizou que a pasta estadual do Desenvolvimento Econômico e Geração de Emprego e Renda pode apoiar o setor privado na identificação e capacitação de migrantes em busca de trabalho.



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O vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), Celso Dantas, ressaltou que, para os empresários, "a questão da migração não é vista apenas do ponto de vista da necessidade ou da conveniência de contração".



"Nós também temos o nosso lado social e a gente leva em consideração todo o drama que esses migrantes vivem no momento em que eles têm que sair do seu país, da sua cidade", disse o executivo.



Na avaliação do coordenador de projeto da OIM, Marcelo Torelly, “o desafio que nós temos hoje é identificar como eles (os venezuelanos) podem agregar valor aos recursos humanos das empresas, seja porque têm nível médio, mas têm um diferencial de experiência de vida, cultural e domínio de outra língua, seja porque têm nível superior e trazem consigo uma bagagem profissional”.



Saiba mais sobre as atividades da agência da ONU para os venezuelanos no Brasil clicando aqui.

Empregabilidade e interiorização de venezuelanos



Durante o evento, a OIM divulgou um novo relatório sobre a situação dos venezuelanos que entram no Brasil por Roraima. A pesquisa mostra que apenas 9% desses refugiados e migrantes conseguem um emprego formal nas primeiras semanas após chegarem, antes de seguirem para outros estados do país. Entre esses estrangeiros, o desemprego alcança os 59% no território roraimense. Um em cada três desses venezuelanos tem dificuldade em arranjar o que comer.



O levantamento da agência da ONU mostra a necessidade de aumentar o número de beneficiados pelo programa de interiorização, a estratégia do governo federal para realocar venezuelanos do estado do Norte do Brasil para outras unidades federativas. A iniciativa tem o apoio da ONU Brasil.



O Rio de Janeiro é uma das cidades participantes do programa de reassentamento doméstico. Na capital fluminense, a organização não governamental Aldeias Infantis SOS oferece residência e assistência para quem é transferido. A instituição já atendeu 132 venezuelanos desde julho do ano passado. Desse grupo, em torno de 40 conseguiram um emprego formal.



"A empregabilidade é o nosso eixo de trabalho mais importante", afirmou o coordenador de programa da ONG, Marcos Peres, que explicou que os venezuelanos com emprego estão concentrados nos setores de serviços e comércio, principalmente nas áreas de hotelaria e em redes de postos de gasolina.



A Cáritas Arquidiocesana do RJ também apoia populações refugiadas e migrantes no estado. Ao longo de 2018, a instituição deu orientações para 1.459 estrangeiros sobre oportunidades de trabalho. Ainda no ano passado, 810 indivíduos foram encaminhados para empresas parceiras e quase cem companhias foram sensibilizadas para contratar refugiados.



"A integração é uma via de mão dupla. Não é só a pessoa que chega que precisa conhecer os códigos (da cultura), se inserir no mercado de trabalho, estudar. A comunidade receptora também precisa compreender, estar de braços abertos e ter empatia", defendeu a assistente social Karla Ellwein, da Cáritas RJ.



Saiba mais sobre o programa de interiorização clicando aqui.

Das ruas de Boa Vista a escritório de advocacia no Rio de Janeiro



Durante o evento, a venezuelana Carolis Medrano, lembrou sua vinda para o Brasil, em fevereiro do ano passado, quando chegou a Boa Vista (RR). Sem recursos, a professora universitária de 43 anos, que formava policiais na Venezuela, foi morar nas ruas da capital roraimense.



"Nunca, na minha vida, poderia acreditar que chegaria a (morar na) Praça Símon Bolívar. Foi uma experiência muito forte para mim. Ter minha cama, meu ar condicionado, meu carro, meu cachorro, tudo, e depois chegar numa praça e dormir num papelão. Mas eu fiz isso pela minha família", contou a estrangeira.


Carolis Medrano lembrou momentos em que se viu forçada a viver na rua, logo após chegar ao Brasil, pelo estado de Roraima. Foto: UNIC Rio
Legenda: Carolis Medrano lembrou momentos em que se viu forçada a viver na rua, logo após chegar ao Brasil, pelo estado de Roraima. Foto: UNIC Rio





Posteriormente, a venezuelana foi levada para um abrigo do governo mantido com o apoio da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR). Carolis chegou a colaborar com o organismo internacional, participando de atividades de cadastramento dos refugiados e migrantes em Boa Vista.



Em julho de 2018, a estrangeira escolheu participar do programa de interiorização e foi transferida para o Rio de Janeiro com a filha, de 23 anos. Vivendo na ONG Aldeias Infantis SOS, Carolis recebeu capacitação e apoio para encontrar um emprego.



"Quando os migrantes estão em outro país, eles querem trabalhar porque tem gente que está esperando e contando com você", explicou a expatriada.



"A Venezuela passa necessidade, com altos índices de fome, gente morrendo todos os dias, (inclusive) crianças. Não tem remédio, não tem comida, não tem nada. Acredito que, na Venezuela, também não tem felicidade."



Em setembro, veio a oportunidade de trabalhar no Grupo Shcneider, um escritório de advocacia na capital fluminense que decidiu contratar venezuelanos para ajudar essa população.



"É como uma nova família que encontrei aqui no Brasil", disse Carolis sobre os colegas da empresa, onde a venezuelana trabalhou com direito tributário e hoje cuida dos arquivos da companhia. "Eles confiam a mim todos os seus segredos", brincou a estrangeira.

Oficina esclarece mitos sobre contratação de migrantes



Durante o evento, a consultoria Integra, parceira da OIM, realizou uma oficina com gestores de Recurso Humanos para tirar dúvidas sobre o processo de contratação de migrantes que vivem no Brasil.



O workshop abordou os documentos necessários para a emissão da carteira de trabalho e abertura de conta bancária, processos que normalmente acompanham a inserção no mercado formal.



Também foram discutidas estratégias para tornar os processos seletivos mais acessíveis aos migrantes e refugiados. Essas medidas podem incluir, por exemplo, o uso de descrições mais inclusivas de ofertas de emprego, que assinalem a busca não só por profissionais brasileiros como também por estrangeiros. Outra ação recomendada é a divulgação de vagas junto a organizações especializadas, que prestam assistência a expatriados.