Voltando às origens para amplificar a voz da comunidade
A geógrafa Elaine Cristóvão Coelho superou muitos desafios até chegar ao ONU-Habitat para trabalhar em territórios vulnerabilizados em Minas Gerais
Em 2022, a geógrafa Elaine Cristóvão Coelho viajou quase 1,5 mil km de Salvador para voltar ao lugar onde toda a sua trajetória começou. Ela cresceu no bairro Marumbi, na zona leste de Juiz de Fora (MG), uma região que historicamente apresenta alta vulnerabilidade social. Atuando como Supervisora de Campo pelo ONU-Habitat, ela percorreu no projeto uma extensão equivalente a 350 campos de futebol, em vias íngremes, sinuosas, com características que mesclam o rural e o urbano. Tudo para promover o desenvolvimento socioeconômico e garantir o acesso a programas de cidadania em 141 microterritórios da cidade.
O Territórios da Cidadania, projeto no qual atuou, é uma parceria com a Prefeitura de Juiz de Fora para realizar um diagnóstico dos espaços urbanos, das moradias e da população que reside nesses locais. Atuando como uma ferramenta de planejamento e gestão, os dados coletados auxiliam na superação das desigualdades socioespaciais, embasando a formulação de políticas públicas e priorizações de investimento.
A conexão de Elaine com trabalhos de impacto social parte da sua própria vivência. Enquanto crescia, sua casa era de chão batido, as ruas ainda não tinham asfalto e, para estudar, seu padrinho ajudava na compra dos cadernos. A educação era um instrumento de transformação social. “Eu venho de uma linhagem de empregadas domésticas: minha mãe, minha avó, minhas tias e eu também fomos empregadas domésticas. Sempre tive fé na educação porque sabia que aquilo poderia me salvar profissional e economicamente e me fazer crescer”.
Foi a sua trajetória acadêmica e profissional que a ajudou a mudar a sua visão sobre si. “Eu me senti mais pessoa, mais interessante, com direito a outras coisas, com uma visão melhor. A gente vem de tão longe que pensa que não pode, que não merece”.
Durante seu primeiro estágio, ela percorreu as chamadas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS): áreas definidas pelo Plano Diretor que demarcam assentamentos habitacionais de população de baixa renda, critério usado para direcionar a escolha dos territórios para o atual projeto. Hoje, 20 anos depois, ela relata ser frustrante o fato de que muitas dessas áreas continuam com essa classificação. “Não houve mobilidade para essas famílias. Eu ia para casa lembrando disso. Pensava em mulheres como a minha mãe, que sofrem um impacto muito grande por morar nessas regiões. Muitas vezes, eu venci o cansaço e todas as dificuldades do trabalho pensando no meu compromisso com essas pessoas, de tentar contribuir em alguma melhoria na vida delas”.
A equipe do projeto é formada por profissionais de diferentes áreas relacionadas à urbanização. A contratação de moradores e moradoras dos próprios territórios possibilitou a entrada de pessoas especializadas que entendem melhor a realidade dessas localidades e se identificam com sua população. Essa é também uma forma de dar um retorno para regiões historicamente invisibilizadas no planejamento urbano da cidade.
Elaine entende que as informações coletadas não são só números. Por trás, há uma pessoa com frustrações, problemas e sonhos. “É preciso analisar o que aquele dado quer dizer. Existe um contexto histórico, econômico e social que ajuda a explicar esse indicador. As pessoas precisam e querem ser ouvidas. Por isso sempre gostei muito de acompanhar o trabalho de campo”.
As metodologias aplicadas na cidade — Mapa Rápido Participativo e Perfil Socioeconômico — são participativas. Para Elaine, equilibrar a visão técnica com a percepção da população é o primeiro passo para garantir o sucesso do projeto: perceber que a Prefeitura busca conhecer o indivíduo e suas necessidades é uma forma de trazer como retorno políticas públicas mais assertivas. “Nesse diagnóstico, é importante se esvaziar das nossas próprias percepções. Eu vou ouvir do outro o que ele pensa sobre si e sobre onde ele mora”, explica. “Não me lembro disso já ter sido feito aqui; é uma inovação da qual fico muito feliz por ter participado. Sei que vai mudar a vida de muita gente”.
E mudou a vida dela também. “Parecia uma possibilidade tão remota trabalhar na ONU, era algo que eu nem sonhava. Isso me dá esperança de que pessoas como eu, mulheres negras, de origem pobre, podem alcançar esses espaços”, comemora. “Eu parti de muito longe, é como uma chancela da minha trajetória: tá vendo onde você pode chegar? Isso só me motiva a buscar mais e entender que eu posso, que as minhas também podem. Acho que eu sou parecida com quem sempre sonhei ser”.
Saiba mais sobre o trabalho do ONU-Habitat no Brasil:
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- ONU-Habitat treina servidores de Juiz de Fora em gestão de dados para políticas públicas
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- Relatório Anual 2022 do ONU-Habitat