15ª Cúpula dos BRICS: Discurso do secretário-geral da ONU
Discurso de António Guterres, secretário-geral da ONU, durante a 15ª Cúpula dos BRICS em Joanesburgo, na África do Sul.
Distintos Chefes de Estado e de Governo,
Excelências,
Senhoras e senhores,
Permitam-me começar agradecendo ao Presidente Cyril Ramaphosa.
Nós nos inspiramos muito na extraordinária trajetória da Nação Arco-Íris rumo à unidade por meio da ação e da justiça.
É disso que nosso mundo precisa.
Unidade para a ação. E unidade para a justiça.
Estamos enfrentando desafios existenciais.
A crise climática está saindo do controle.
Uma crise global de custo de vida está se alastrando.
A pobreza, a fome e as desigualdades estão crescendo, em oposição aos objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
Novas tecnologias estão causando alerta, sem uma arquitetura global para lidar com elas.
As divisões e os conflitos geopolíticos estão se multiplicando com profundas implicações globais, especialmente os impactos da invasão russa da Ucrânia.
Excelências,
Estamos movendo em direção a um mundo multipolar, e isso é positivo.
Mas a multipolaridade, por si só, não é suficiente para garantir uma comunidade global pacífica ou justa.
Para ser um fator de paz, equidade e justiça nas relações internacionais, a multipolaridade deve ser apoiada por instituições multilaterais fortes e eficazes.
Basta olhar para a situação da Europa no início do século passado.
A Europa era multipolar, mas carecia de mecanismos multilaterais fortes.
O resultado foi a Primeira Guerra Mundial.
À medida em que a comunidade global avança em direção à multipolaridade, precisamos desesperadamente - e eu tenho defendido isso vigorosamente - de uma arquitetura multilateral fortalecida e reformada com base na Carta das Nações Unidas e no direito internacional.
As estruturas de governança global de hoje refletem o mundo de ontem.
Elas foram criadas, em grande parte, após a Segunda Guerra Mundial, quando muitos países africanos ainda eram governados por potências coloniais e nem sequer participavam da mesa de negociações.
Isso é particularmente verdadeiro no caso do Conselho de Segurança das Nações Unidas e das instituições de Bretton Woods.
Para que as instituições multilaterais permaneçam verdadeiramente universais, elas devem ser reformadas para refletir o poder e as realidades econômicas atuais, e não o poder e a realidade econômica do pós-Segunda Guerra Mundial.
Na ausência dessa reforma, a fragmentação é inevitável.
Não podemos nos dar ao luxo de viver em um mundo com uma economia global e um sistema financeiro divididos, com estratégias divergentes em relação à tecnologia, incluindo inteligência artificial, e com estruturas de segurança conflitantes.
O FMI estima que essa fratura poderia custar 7% do PIB global - um custo que seria desproporcionalmente pago pelos países de baixa renda, principalmente na África.
Por isso, vim a Joanesburgo com uma mensagem simples: em um mundo fragmentado e com crises avassaladoras, simplesmente não há alternativa à cooperação.
Precisamos urgentemente restaurar a confiança e revigorar o multilateralismo para o século 21.
Isso requer a coragem de se comprometer com as reformas necessárias para o bem comum.
Requer total respeito à Carta das Nações Unidas, ao direito internacional, aos valores universais e a todos os direitos humanos - sociais, culturais, econômicos, civis e políticos.
E requer muito mais solidariedade.
É claro que nada disso é fácil.
Mas é essencial.
E é essencial especialmente para a África.
O continente africano, vítima histórica da escravidão e do colonialismo, continua a enfrentar graves injustiças.
Em média, os países africanos pagam quatro vezes mais por empréstimos do que os Estados Unidos e oito vezes mais do que os países europeus mais ricos.
E os países africanos são responsáveis por apenas quatro por cento das emissões globais de gases de efeito estufa, mas são um epicentro do caos climático, sofrendo impactos desproporcionais da mudança climática.
Olhando para o futuro, vejo duas prioridades para ação e justiça.
Primeiro, na frente econômica.
É necessário redesenhar a arquitetura financeira global desatualizada, disfuncional e injusta de hoje, mas sei que isso não acontecerá da noite para o dia.
No entanto, podemos - e devemos - tomar medidas práticas agora.
O Pacote de Estímulo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que propus, um mecanismo eficaz de liquidação da dívida, e outras medidas necessárias para aumentar os recursos disponíveis para os países em desenvolvimento são vitais para o desenvolvimento sustentável na África e para dar ferramentas para que governos africanos apoiem desenvolvimento de seus povos.
Também devemos intensificar drasticamente a ação climática e a justiça climática.
Apresentei um Pacto de Solidariedade Climática no qual os países desenvolvidos fornecem apoio financeiro e técnico para ajudar as economias emergentes - na África e em outros países - a promover uma transição equitativa e justa para a energia renovável.
E apresentei uma Agenda de Aceleração para impulsionar esses esforços, com os países desenvolvidos se comprometendo a atingir emissões líquidas zero o mais próximo possível de 2040 e os países em desenvolvimento o mais próximo possível de 2050.
Os países desenvolvidos também devem finalmente cumprir suas promessas aos países em desenvolvimento: cumprindo a meta de apoio financeiro US$ 100 bilhões, dobrando o financiamento à adaptação, reabastecendo o Fundo Verde para o Clima e operacionalizando o Fundo de Perdas e Danos este ano.
Por uma questão de justiça, a África deve ser considerada uma prioridade em todos esses esforços.
Excelências,
Não resolveremos nossos desafios comuns de forma fragmentada.
Juntos, vamos trabalhar para promover o poder da ação universal, o imperativo da justiça e a promessa de um futuro melhor.
Muito obrigado.