Fórum de Doha: Construindo Futuros Compartilhados
Mensagem do secretário-geral da ONU, António Guterres, para o Fórum de Doha, organizado na capital do Catar em 10 de dezembro de 2023.
Vossa Alteza, Sheikh Tamim bin Hamad Al Thani, muito obrigado por convocar o Fórum de Doha.
O tema escolhido, Construindo Futuros Compartilhados, não poderia ser mais oportuno.
Excelências, senhoras e senhores.
Eventos recentes, desde a pandemia da COVID-19 até a crise climática e a revolução digital, destacaram um fato:
Estamos todas e todos profundamente interconectados.
Nenhum homem é uma ilha, como escreveu o poeta. Hoje, para ser sensível à questão de gênero, eu diria que ninguém é uma ilha.
E de fato, hoje, nenhuma ilha é apenas uma ilha.
O derretimento do gelo na Antártida causa inundações e secas em toda a África.
A fome no Haiti é inflamada por explosões no Mar Negro.
A humanidade compartilha um destino e um planeta.
E hoje, o planeta está sendo atingido por uma tempestade perfeita:
- Divisões geopolíticas.
- Desigualdades globais.
- Conflitos intensos.
- Aumento da pobreza e fome.
- Caos climático.
- Dívidas esmagadoras e preços disparando.
- Novas tecnologias sem governança ou limites de segurança.
Portanto, excelências, senhoras e senhores,
Nosso mundo está passando por um momento difícil de transição.
Por décadas, apesar de terríveis conflitos, as relações geopolíticas eram relativamente estáveis, baseadas em alianças em torno das duas superpotências da Guerra Fria.
Hoje, após um curto período de unipolaridade, estamos caminhando para um mundo multipolar.
Isso traz novas oportunidades para liderança, justiça e equilíbrio nas relações globais, mas também cria complexidade.
E precisamos de instituições multilaterais sólidas para gerenciar essa complexidade e evitar o caos.
Mas hoje, essas instituições estão fracas e desatualizadas. Estão presas em uma espécie de túnel do tempo, refletindo a realidade de 80 anos atrás.
As relações sociais, econômicas e políticas mudaram drasticamente desde então.
Precisamos de um esforço sério para atualizar as estruturas globais, fundamentadas na igualdade e solidariedade, com base na Carta das Nações Unidas e no direito internacional.
Considere o Conselho de Segurança.
O principal fórum para a resolução pacífica de disputas internacionais está paralisado por divisões geoestratégicas. Esse fato está minando soluções da Ucrânia a Mianmar até o Oriente Médio.
Os ataques horríveis do Hamas em 7 de outubro, seguidos pelo bombardeio implacável de Gaza por parte de Israel, foram recebidos por um silêncio ensurdecedor do Conselho.
Após mais de um mês, o Conselho finalmente aprovou uma resolução, o que eu saúdo.
Mas essa demora tem um custo.
A autoridade e a credibilidade do Conselho foram gravemente comprometidas.
E a resolução não está sendo implementada.
Na semana passada, entreguei uma carta ao presidente do Conselho de Segurança, invocando o Artigo 99 da Carta das Nações Unidas pela primeira vez desde que me tornei secretário-geral em 2017.
Eu escrevi que não há proteção efetiva de civis em Gaza. Na verdade, durante meu mandato, o número de vítimas civis em Gaza em um período tão curto é totalmente sem precedentes.
O sistema de saúde está entrando em colapso. Creio que a ordem pública se deteriorará completamente em breve, e uma situação ainda pior poderá se desdobrar, incluindo doenças epidêmicas e pressão aumentada para deslocamento em massa para o Egito.
Eu disse que estamos enfrentando um risco grave de colapso do sistema humanitário. A situação está rapidamente se deteriorando para uma catástrofe com potenciais implicações irreversíveis para as pessoas palestinas como um todo e para a paz e segurança na região.
E pedi ao Conselho de Segurança para que pressionasse para evitar uma catástrofe humanitária e reiterei meu apelo por um cessar-fogo humanitário.
Lamentavelmente, o Conselho de Segurança não o fez, mas isso não o torna menos necessário. Portanto, eu posso prometer que não irei desistir.
Agradeço a Sua Alteza e ao governo do Catar por seu papel de mediação, especialmente no acordo sobre uma pausa humanitária, aumento da assistência humanitária e libertação de reféns.
Excelências, senhoras e senhores,
Além do Conselho de Segurança, a governança global está falhando em lidar com duas ameaças existenciais.
Primeiro, o clima.
Precisamos de muito mais ambição para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e garantir justiça climática.
Apesar de promessas e compromissos, nosso clima está em colapso. As emissões estão em níveis recordes. E os combustíveis fósseis continuam sendo uma das principais causas.
A energia renovável é barata, limpa e infinita.
Ela pode atender à crescente demanda mundial por energia sem envenenar nosso ambiente e sufocar nosso planeta.
Peço para as empresas de combustíveis fósseis que usem os seus enormes recursos para liderar a revolução das energias renováveis.
E peço para as lideranças na COP28 em Dubai concordarem com cortes profundos nas emissões, de acordo com o limite de 1,5 grau.
Essa é a única estrada, não apenas para a sustentabilidade climática, mas também para a sustentabilidade econômica.
A proposta que fiz, o Pacto de Solidariedade Climática, conclama os grandes emissores a fazerem esforços adicionais para reduzir as emissões e os países mais ricos a apoiarem as economias emergentes nesse esforço.
E também precisamos de reformas profundas em nossa arquitetura financeira global.
Devemos ter mais ambição na redução de emissões, mas também mais ambição na justiça climática, pois os países em desenvolvimento que não contribuem para as mudanças climáticas são os que estão pagando o preço mais alto.
Para que essas mudanças financeiras ocorram, o sistema de Bretton Woods deve ser verdadeiramente universal e representativo da realidade econômica atual, não da realidade econômica do pós-Segunda Guerra Mundial.
Os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento devem mudar seu modelo de negócios e alavancar muito mais financiamento privado a custos razoáveis para que os países em desenvolvimento possam investir em ações climáticas e na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Excelências, senhoras e senhores,
Em segundo lugar, devemos enfrentar a ameaça representada pelas novas tecnologias.
A Inteligência Artificial (IA) pode oferecer soluções para muitos desafios globais.
Mas, sem uma regulamentação adequada, ela também nos levará a águas profundas e turbulentas.
A IA já está aumentando o discurso de ódio e a divisão, permitindo a coleta de dados e a vigilância em massa e exacerbando grandes desigualdades.
Para avançar na busca por soluções, nomeei um Grupo Consultivo de Alto Nível em Inteligência Artificial, que fornecerá recomendações preliminares até o final deste ano.
Essas tecnologias clamam por governança.
E acredito que a governança deve ser em rede e inclusiva, flexível e ágil, e que a ONU deve estar no centro dessa rede como a única organização que combina legitimidade, universalidade e diversidade.
Excelências, senhoras e senhores,
Este mês marca o 75º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
No entanto, não estamos cumprindo a promessa deste documento emblemático.
As reformas na governança global devem estar fundamentadas na Declaração Universal e nos valores duradouros da Carta da ONU.
A Cúpula do Futuro, em setembro do próximo ano, é uma oportunidade única em uma geração para que essas decisões importantes abordem seriamente a reforma de nosso sistema global de governança multilateral.
Apresentamos uma série de propostas aos Estados-membros e aguardo a participação e apoio deles.
Um Pacto Digital Global mitigaria os riscos das tecnologias digitais e ajudaria a aproveitar seus benefícios para o bem da humanidade.
Reformas na arquitetura financeira global permitiriam que governos em países em desenvolvimento investissem em educação, saúde, empregos e proteção social para suas populações, em vez de se afogarem em dívidas e não terem espaço fiscal para agir.
As reformas no Conselho de Segurança e a proposta de uma Nova Agenda para a Paz ajudariam a prevenir e solucionar conflitos, a proporcionar equidade e justiça, a não ter dois pesos e duas medidas, a reequilibrar as relações geopolíticas e a dar mais voz aos países em desenvolvimento no cenário internacional.
À medida que as forças de fragmentação ganham terreno, precisamos construir pontes e encontrar soluções compartilhadas para desafios globais.
Precisamos da solidariedade que é evidente aqui no Fórum de Doha para avançar com essas agendas ambiciosas.
Agora é verdadeiramente o momento de construir futuros compartilhados - unindo-nos por trás de soluções e transformando nosso mundo para o bem.
Shukran. (Agradecimento em árabe)