Brasil: Relatório sobre Justiça Racial na Aplicação da Lei
Este relatório contém as conclusões do Mecanismo Internacional de Especialistas Independentes para o Avanço da Igualdade e Justiça Racial na Aplicação da Lei (EMLER, na sigla em inglês) em sua visita ao Brasil, realizada de 27 de novembro a 8 de dezembro de 2023, nas cidades de Brasília, Salvador, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro, de acordo com com a resolução 47/21 do Conselho de Direitos Humanos da ONU.
A visita concentrou-se em identificar tanto as boas práticas como os desafios enfrentados pelo Brasil na implementação de suas obrigações com os direitos humanos relacionados à não discriminação no contexto da aplicação da lei e do sistema de justiça criminal, com foco em pessoas afrodescendentes.
Durante a visita, o Mecanismo se reuniu com autoridades federais e estaduais, incluindo autoridades policiais, órgãos de controle interno, agentes penitenciários e promotorias e defensorias públicos, e visitou dois centros de detenção. O Mecanismo ouviu 117 testemunhos de vítimas e familiares de vítimas, e recebeu 41 contribuições por escrito que informaram o presente relatório.
O Mecanismo está alarmado com os números e as circunstâncias nas quais as pessoas são assassinadas pela polícia no Brasil.
- Nos últimos dez anos, 54.175 pessoas foram mortas por policiais no país, com mais de 6.000 indivíduos mortos todos os anos (17 todos os dias) nos últimos seis anos.
- As mortes causadas pela polícia aumentaram significativamente de 2.212 em 2013 para 6.393 em 2023. O dado mais recente representa 13% do total de mortes violentas intencionais no país.
- Das 6.393 pessoas mortas pela polícia em 2023, 99,3% eram homens; 6,7% crianças entre 12 e 17 anos; e 65% eram jovens adultos: 41% tinham entre 18 e 24 anos e 23,5% entre 25 e 29 anos.
Os dados disponíveis mostram que as pessoas afrodescendentes têm três vezes mais chances de serem mortas pela polícia do que as pessoas brancas, com 82,7% dos assassinatos cometidos pela polícia em 2023 sendo de pessoas afrodescendentes em comparação com 17% de pessoas brancas, com uma taxa por de 3,5 a cada 100.000 habitantes para pessoas afrodescendentes contra 0,9 para pessoas "brancas".
Os dados revelam que os mais afetados pela letalidade policial são jovens afrodescendentes que vivem na pobreza em áreas empobrecidas.
O Mecanismo concluiu que:
- As pessoas afrodescendentes continuam enfrentando o racismo sistêmico no Brasil, como legado da escravização e do comércio transatlântico de pessoas africanas escravizadas, afetando o gozo dos direitos humanos em todas as partes de sua vida.
- O racismo sistêmico generalizado está profundamente enraizado nas políticas e práticas atuais, que perpetuam as disparidades raciais na educação, saúde, habitação, emprego e outras áreas. Essa discriminação arraigada existe na polícia e no sistema de justiça criminal, onde preconceito racial, perfilamento racial e estereótipos raciais influenciam a ação e a inação do Estado.
- O uso excessivo da força que leva a milhares de mortes todos os anos e o encarceramento excessivo, que afetam desproporcionalmente as pessoas afrodescendentes, são uma consequência do racismo sistêmico que, combinado com as atuais políticas de “guerra ao crime”, resulta em um processo de limpeza social que serve para exterminar setores da sociedade considerados indesejáveis, perigosos e criminosos. Esta é uma questão sistêmica generalizada que exige uma resposta sistêmica e abrangente.
Algumas recomendações do relatório são:
- Estabelecer por lei um órgão de controle civil nacional da força policial.
- Estabelecer o uso obrigatório nacional de câmeras corporais por policiais.
- Adotar uma abordagem baseada em direitos humanos para o policiamento.
- Acabar com a normalização generalizada do uso de técnicas e equipamentos militares pela polícia.
- Acabar com as atuais políticas de "guerra às drogas" e "guerra ao crime" e adotar uma abordagem baseada nos direitos humanos para essas questões.
- Adotar uma legislação nacional sobre o uso da força que esteja em conformidade com as normas internacionais de direitos humanos - particularmente com os princípios de legalidade, precaução, necessidade, proporcionalidade, responsabilidade e não-discriminação, e a obrigação de proteger e respeitar o direito à vida.
- Garantir que o perfilamento racial seja claramente definido e proibido por lei, e investigar todas as alegações de perfilamento racial e processar os casos em conformidade.
- Garantir a adequada responsabilização em todos os casos de uso excessivo da força e outras violações dos direitos humanos por agentes da lei, inclusive responsabilizando superiores e comandantes de operações, também responsabilizar as agências policiais enquanto instituições, e não apenas as e os oficiais diretamente envolvidos.
- Garantir o direito das vítimas a reparações, notadamente através do estabelecimento por lei de um mecanismo independente especializado centrado nas vítimas com suficiente orçamento, especificamente concebido para apoiar indivíduos e comunidades afetadas.
Leia aqui o relatório em inglês.
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