Mais 80% das pessoas ouvidas pela ONU foram vítimas de discurso de ódio
15 julho 2024
Escuta digital realizada pelo Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio) no marco do Dia Internacional de Combate ao Discurso de Ódio, 18 de junho, revelou que 81% das pessoas que responderam ao questionário já foram vítimas de discurso de ódio, especialmente no ambiente digital.
Dentre os relatos compartilhados, o ódio relacionado à orientação sexual e identidade de gênero, raça, religião ou afiliação política foram as principais motivações.
Os testemunhos recebidos demonstraram que a propagação do ódio gerou impactos devastadores para pessoas em todo o país, desde comunidades da Amazônia até as grandes metrópoles do sudeste.

De 18 a 30 de junho, o UNIC Rio recebeu relatos de pessoas de diversas partes do país que foram vítimas do discurso de ódio. Elas responderam um questionário ou enviaram as suas contribuições por meio das redes sociais da ONU no Brasil.
As histórias das pessoas a seguir – cujas identidades permanecerão anônimas – ilustram a urgência de medidas mais eficazes para combater o discurso de ódio, principalmente nas redes sociais.
“Na cidade de Pelotas, tive duas ameaças homofóbicas. Tenho amigos que também já passaram por isso e conheço um rapaz que foi esfaqueado por ser gay. Nas redes já fui atacado com discursos de ódio mais de uma vez. Quando fui atacado ao vivo, fiquei em silêncio e fui embora quieto, mas nas redes sociais me defendi e denunciei a pessoa”, conta um dos participantes da escuta.
De acordo com um dos relatos recebidos, o discurso de ódio pode levar as pessoas a situações extremas, como evidenciado por uma das participantes, que sofreu ofensas online e no ambiente de trabalho por causa da sua orientação sexual. Dada a sensibilidade do tema, não reproduziremos seu depoimento aqui.
“Não existe um nível aceitável de discurso de ódio. Todos devemos trabalhar para erradicá-lo completamente”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, no Dia de Combate ao Discurso de Ódio.
Outros relatos como: “Eu sou pobre, preto e gay. Sou um alvo constantemente”, “Fui ofendido por ser nordestino, pardo e cristão”, “Já sofri discurso de ódio pelo meu posicionamento político”, “Minha banca de dissertação sobre mulheres negras na pandemia foi invadida com xingamentos misóginos e machistas” exemplificam os temas mais recorrentes recebidos nesta consulta digital.
Um dado alarmante é que 52% das pessoas afirmaram terem sido vítimas de discurso de ódio mais de 5 vezes, o que demonstra como alguns segmentos da sociedade estão mais vulneráveis ao discurso de ódio – como mulheres, pessoas LGBTIQ+, pessoas negras, refugiadas e outras minorias.
A boa notícia é que as pessoas estão agindo contra o discurso de ódio. A maioria das pessoas, 70%, respondeu que costuma denunciar conteúdos que disseminam o ódio nas redes. “Eu bloqueio e denuncio todos os conteúdos que contenham violências”, conta uma das participantes.
A escuta digital também mostrou a força e a determinação de pessoas em todos os cantos do país, que estão enfrentando o ódio e promovendo iniciativas de discurso positivo, educação e paz. “Sou facilitadora em Círculo de Construção de Paz. Busco através da filosofia da Justiça Restaurativa a cultura de paz e não violência nas escolas em que trabalho”, contou uma das respondentes.
68% dos participantes desta consulta gostariam de aprender mais sobre como lidar com discurso de ódio. Uma das pessoas sugeriu a realização de campanhas e palestras para conscientizar a população, além da regulamentação das redes sociais.
Para o diretor interino do UNIC Rio, Diêgo Lôbo, a escuta digital reforça a importância de promover ações de comunicação que contribuam para o combate à desinformação e ao discurso de ódio.
“Os relatos de todo o Brasil que recebemos provam que o discurso de ódio tem consequências perversas na vida das pessoas, atinge aquelas já mais vulneráveis e incentiva o preconceito, a estigmatização e a divisão da sociedade. Assim como a desinformação, o discurso de ódio exige uma resposta urgente”, afirma.
52% das participantes da escuta digital é do gênero feminino e tem entre 31 e 50 anos. Pessoas de todas as regiões do país enviaram relatos, com os estados de São Paulo, Bahia e Pará tendo maiores contribuições.
Princípios Globais para a Integridade da Informação
A convite dos Estados-membros, incluindo o Brasil, o secretário-geral da ONU, António Guterres, preparou em 2023 o Informe de Política sobre Integridade da Informação nas Plataformas Digitais. O Informe reflete o entendimento de que o maior acesso a novas tecnologias traz uma série de vantagens e oportunidades. O chefe da ONU defendeu que as oportunidades devem ser maximizadas, enquanto as ameaças precisam ser enfrentadas com seriedade, por meio de uma abordagem integrada para evitar danos ainda mais significativos à paz e ao desenvolvimento.
Um ano depois, após uma ampla série de consultas com os Estados-membros, o setor privado, lideranças jovens, mídia, academia e sociedade civil, a ONU lança seus Princípios Globais para a Integridade da Informação.
O documento lista recomendações para uma ação urgente destinada a reduzir os danos causados pela propagação da desinformação e do discurso de ódio.
No lançamento dos Princípios, o secretário-geral da ONU fez um apelo urgente aos governos, às empresas de tecnologia, aos anunciantes e ao setor de relações públicas que assumam a responsabilidade pela disseminação e monetização de conteúdo que resultam em danos.
"Em um momento em que bilhões de pessoas estão expostas a falsas narrativas, distorções e mentiras, esses princípios estabelecem um caminho claro, firmemente baseado nos direitos humanos, incluindo os direitos à liberdade de expressão e opinião", disse o chefe da ONU.
Para o diretor interino do UNIC Rio, os Princípios da ONU são uma oportunidade de mudança. “Os atores envolvidos no ecossistema da informação têm o dever de combater a desinformação, disseminação de informações falsas e do discurso de ódio e os Princípios da Integridade da Informação oferecem um caminho sobre como fazê-lo”.
Discurso de ódio
A ONU define o discurso de ódio como “qualquer tipo de comunicação na forma de discurso, escrita ou comportamento, que ataque ou utilize uma linguagem pejorativa ou discriminatória em relação a uma pessoa ou a um grupo com base na sua identidade”.
Lidar com o discurso de ódio não significa limitar ou proibir a liberdade de expressão. Significa impedir que o discurso de ódio se transforme em algo mais perigoso, especialmente o incitamento à discriminação, à hostilidade e à violência, o que é proibido pelo direito internacional.
Há cinco anos, foi lançada a Estratégia e o Plano de Ação da ONU sobre Discurso de Ódio, um marco no compromisso das Nações Unidas em ampliar seus esforços para lidar e combater este crescente problema.
Saiba mais:
- Acesse os Princípios Globais para a Integridade da Informação.
- Leia o Informe de Política sobre Integridade da Informação nas Plataformas Digitais.
- Confira as 10 dicas sobre como combater o discurso de ódio nas redes sociais, preparadas pelo Escritório da Assessora Especial da ONU para a Prevenção do Genocídio.
