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Durban+20: Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista

26 outubro 2021

Em 2001, a Conferência de Durban orientou os países para o combate de todas as formas de racismo e discriminação racial. Vinte anos depois, a Defensoria Pública da União (DPU) e a ONU Brasil retomam o debate e convidam especialistas para apontar os caminhos possíveis para uma agenda compartilhada diante dos desafios impostos pelos novos tempos. 

Participaram do debate o pesquisador e professor da PUC-PR Ilzver de Matos Oliveira; a jurista e liderança indígena Lúcia Fernanda Kaingang; e Lúcia Xavier. Assistente social e ativista, Lúcia participou da revisão dos documentos da Conferência e do Plano de Ação de Durban, há vinte anos. A mediação ficou por conta da professora adjunta do Departamento de História da UnB Ana Flávia Magalhães Pinto. 

O painel é o sexto e último da série “20 anos da Declaração de Durban: Desafios Contemporâneos”. Os debates anteriores estão disponíveis no canal do YouTube da DPU.

Legenda: Há vinte anos, a assistente social Lúcia Xavier fez parte de um grupo de trabalho da sociedade civil que revisou todos os documentos da declaração e do plano de ação de Durban
Foto: © Instituto Patrícia Galvão

"Nas nossas tradições costumamos dizer que, se um de nós estiver aprisionado, todos estão", disse a assistente social e ativista Lúcia Xavier na manhã da terça-feira (26), durante o último painel da série de eventos “20 anos da Declaração de Durban: Desafios Contemporâneos”. Promovido pela Defensoria Pública da União (DPU) em parceria com a ONU Brasil, o webinário convidou especialistas para debater caminhos possíveis no combate ao racismo e sua intersecção com o sexismo. 

Os eventos marcam os 20 anos da Declaração e Programa de Ação de Durban (DDPA) – Durban +20, conferência realizada na África do Sul realizada em 2001 que funcionou como um divisor de águas na promoção dos direitos das pessoas afrodescendentes, indígenas e no enfrentamento ao racismo. Com o tema "20 anos de Durban: e agora?", o webinário é o sexto e último da série, que está disponível integralmente no canal do Youtube da Escola Nacional da Defensoria Pública da União.  

Participaram do painel o pesquisador e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Ilzver de Matos Oliveira, a jurista e liderança indígena, Lúcia Fernanda Kaingang, e Lúcia Xavier, que é fundadora e coordenadora geral da ONG Criola. A mediação ficou por conta da professora adjunta do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), Ana Flávia Magalhães Pinto. 

"Ao longo dos cinco webinários que antecederam o painel de encerramento, discutimos o histórico e significado que a Conferência de Durban teve na agenda de enfrentamento ao racismo no Brasil e no mundo", contextualizou Ana Flávia Magalhães Pinto, na abertura do evento. 

A mediadora rememorou as discussões anteriores, nas quais os convidados falaram sobre as formas contemporâneas de racismo no meio digital, sobre o papel das empresas de tecnologia e dos comunicadores nessa nova arena de debate e sobre os avanços e desafios com foco na perspectiva das mulheres. "Na discussão de hoje, fechamos o ciclo ao falar sobre o que deve ser considerado prioridade nessa agenda compartilhada, e como podemos caminhar na direção certa" introduziu. 

20 anos de combate ao racismo - Para Ilzver de Matos Oliveira, analisar a amplitude das políticas públicas de igualdade racial implementadas no Brasil e endereçar os pontos nos quais elas prosperaram ou falharam é essencial para avançar. "Vinte anos depois de Durban continuamos sofrendo violações porque continuamos sendo negros e ligados à nossa ancestralidade", disse.

Em sua fala, o professor da PUC também chamou atenção para o abismo entre as normas jurídicas e sua aplicabilidade. "Temos hoje no nosso país uma configuração de legislações que nos permitem falar de saúde, trabalho, educação e justiça sob o ponto de vista racial. Da mesma forma que, durante esses vinte anos, acumulamos essas normas, também acumulamos uma série de déficits de aplicabilidade delas."

Ilzver falou também sobre a importância do Estatuto da Igualdade Racial e do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir): "Não há como fazer políticas de igualdade racial sem antes garantir a autonomia dos órgãos promotores e a existência de um orçamento compatível. A falta desses dois atributos ameaça a continuidade dessas políticas e fada a sociedade ao retrocesso".

Luta indígena - Lúcia Fernanda Kaingang complementou o debate com uma provocação: "Sou indígena e faço parte de um dos 305 povos brasileiros que falam 274 línguas vivas. De acordo com a UNESCO, a cada duas semanas uma dessas línguas desaparece, a grande maioria sem nem ter sido estudada antes."

Além de atuar como diretora executiva no Instituto Indígena Brasileiro para a Propriedade Intelectual, Fernanda advoga no Instituto Kaingang. Ela concordou com Ilzver de Matos sobre a dificuldade de fazer cumprir leis que reconhecem a diversidade étnica e cultural dos povos brasileiros. "O Brasil é um país que produz leis e não as cumpre. A igualdade proclamada em verso e prosa na Constituição Federal não passa de letra fria. A diversidade não é compreendida e respeitada", criticou.

"Considero que os povos indígenas não foram apenas invisibilizados, mas negados. Diante disso, a Declaração de Durban reafirma a diversidade e as nossas identidades culturais. Ela afirma que não basta não ser racista, é preciso ser antirracista". 

Lúcia Fernanda Kaingang, jurista e liderança indígena

Grupo de trabalho - Há vinte anos, quando o texto da Declaração de Durban ainda estava no processo de desenvolvimento e aprovação, a assistente social Lúcia Xavier fez parte de um grupo de trabalho da sociedade civil que revisou todos os documentos da declaração e do plano de ação. Hoje ela é fundadora e coordenadora-geral da ONG Criola, além de atuar como conselheira do Global Fund For Women e atua na seleção de projetos do Fundo Elas.

Lúcia contribuiu para o debate com uma análise histórica das conquistas de direitos humanos no Brasil. Rememorou o período que antecedeu a Conferência de Durban, durante os anos marcados pela elaboração da Constituição Federal brasileira, em paralelo com o desenvolvimento das Conferências Sociais das Nações Unidas. "O ambiente político brasileiro mudou bastante desde a década de 1980, surgiram marcos muito importantes nesse processo", avaliou.  

"A terceira Conferência de Durban acontece justamente no final dessa série de conferências mundiais encabeçadas pela ONU e encontrou no Brasil um protagonista. Nessa perspectiva, temos um terreno fértil constituído pelos movimentos sociais e por alguns setores progressistas."

Lúcia Xavier, assistente social e ativista em direitos humanos.

Para a especialista, no entanto, as instituições brasileiras ainda não foram capazes de concentrar os esforços necessários para trazer o racismo para o centro do debate e enfrentá-lo. "Mesmo com os esforços de Durban e as mudanças internas no Brasil, o enfrentamento à pobreza, encarceramento, morte e genocídio nunca foram assumidos de maneira eficaz", disse, instando as autoridades à ação.

Pesquisa - Para abrir um diálogo sobre racismo no Brasil, a ONU disponibilizou um serviço online automatizado, disponível em todas as plataformas de comunicação da instituição. Qualquer usuário de internet pode contar como percebe o racismo no Brasil e aprender mais sobre a Declaração de  Durban. Para participar:

  • Site ONU Brasil: Vá no site da ONU Brasil e procure pela logo da ONU no canto inferior direito – clique e digite durban na caixa de mensagem
  • Facebook: acesse a página da ONU Brasil e envie pelo Messenger a palavra durban
  • Twitter: vá no perfil da ONU Brasil e mande uma DM com a palavra durban
  • WhatsApp: adicione o número 61 3550-7266 no seu celular e envie a palavra durban

Sobre a Declaração - A Declaração de Durban consiste em um documento orientado para o combate de todas as formas de racismo e discriminação racial. É resultado da Conferência Mundial das Nações Unidas Contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e a Intolerância, realizada em 2001 na cidade sul-africana que dá nome à declaração.

Entidades da ONU envolvidas nesta atividade

ONU
Organização das Nações Unidas

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